sábado, 24 de dezembro de 2011

REGRA DE OURO, ORÇAMENTOS DE BARRO




PEDRO BACELAR DE VASCONCELOS – JORNAL DE NOTÍCIAS, opinião

Como todos se recordam, o mundo ficou suspenso, no verão passado, quando os EUA enfrentaram o risco iminente de bancarrota. Se tal tivesse acontecido, o incumprimento iria produzir uma catástrofe financeira à escala da economia global apenas comparável, historicamente, à "Grande Depressão" de 1929/32 que, tragicamente, esteve na origem da ascensão do nazismo na Alemanha seguido da eclosão da Segunda Guerra Mundial. Porém, não foi o montante colossal da dívida externa americana, que é hoje a maior do mundo, o que motivou a ameaça de insolvência. Se bem se lembram, o perigo de a maior potência mundial não pagar as suas dívidas no dia 2 de Agosto de 2011, resultava de o Congresso não conseguir chegar a acordo para autorizar a elevação do limite máximo da dívida, através de uma "lei reforçada", condição indispensável para que o Governo americano pudesse cumprir pontualmente as suas obrigações com os credores. É por isso bem compreensível a apreensão que provocou na Europa a proposta germânica de adoção de uma disposição análoga à americana, ou seja, como "lei reforçada", ou inscrita nas próprias Constituições dos Estados membros, como já acontece na Alemanha. Apenas a Constituição espanhola se aproxima da alemã no espaço da União Europeia e ainda assim com uma diferença substancial: é que em Espanha, a Constituição não quantifica o montante do limite de endividamento.

A imposição de um montante máximo de endividamento, quantificado por uma "lei reforçada", implicou ao longo da história americana a introdução de sucessivos aumentos que não se podem realizar através do procedimento legislativo ordinário, ou seja, sujeito a aprovação por maioria simples. O que aconteceu desta vez foi que alguns fanáticos da ala direita do Partido Republicano, o famoso "tea party", confessadamente dispostos a arriscar a bancarrota do seu país, aproveitarem estas fórmulas legislativas para bloquear qualquer decisão. Não há dúvida de que a exigência de aprovação por maioria qualificada de uma certa deliberação, pode habilitar, na prática, uma minoria agressiva e disciplinada a impor o seu programa radical à vontade da maioria. Como já tinha referido nestas crónicas, por este "jogo" antidemocrático, além do "tea party" nos EUA, também na Suécia, na Dinamarca e na Holanda, "tem conseguido a extrema-direita minoritária impor as suas políticas neoconservadoras às maiorias governantes que carecem do seu voto para governar". Se a todas estas perplexidades acrescentarmos que à hora da aprovação do "Pacto Orçamental" no último Conselho Europeu nem a França nem a própria Alemanha cumpriam a "regra de ouro" que recomendavam aos restantes 25 parceiros, aquilo que à partida já pareceria suficientemente insensato transforma-se agora em irremediável absurdo.

E não se ficou por aqui. Para compensar a ausência de rumo, o esvaziamento político e, sobretudo, um défice colossal de convicção e de autoridade, o "Pacto" prevê a multiplicação de automatismos - quer no que respeita aos sistemas de detecção e correção dos desvios orçamentais quer relativamente aos mecanismos de aplicação de sanções aos infratores - e remete para o Tribunal de Justiça da União Europeia os poderes para fiscalizar o cumprimento pelos Estados do imperativo de incluir a "regra de ouro" nos respetivos ordenamentos jurídicos. De entre os mecanismos automáticos acabaria por caír, em boa hora, a sanção da perda dos direitos de voto dos Estados submetidos ao "procedimento de défice excessivo", proposta pelos alemães. Muito significativa foi também a exclusão deste acordo da mais antiga democracia do mundo, o Reino Unido, ainda que tenham contribuído para este desaire a inabilidade e outras deficiências peculiares do atual primeiro-ministro britânico. Teremos oportunidade de acompanhar até ao Conselho Europeu de março de 2012, as novas peripécias que não deixarão de marcar a execução das conclusões decepcionantes desta cimeira, enquanto a Grécia continua a aguardar os apoios prometidos e os fundos entretanto recolhidos continuam bem longe de atingir as metas pretendidas.


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