sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

“Se oposição não se renovar, direita chilena continuará no poder”, ex-líder da Concertação



Victor Farinelli, Santiago – Opera Mundi, em Entrevistas

Apesar do baixo índice de popularidade e da inabilidade para lidar com os conflitos sociais, o presidente chileno Sebastián Piñera deve eleger seu sucessor daqui a dois anos. Isso ocorrerá se a oposição não se renovar radicalmente e recuperar o apoio dos movimentos sociais. Esta é a análise de Carlos Ominami, ex-integrante e fundador da Concertação, principal aliança de oposição do Chile que, assim como a direita, também passa por uma crise de credibilidade.

Ominami foi um dos protagonistas das crises vividas pela coalizão de centro-esquerda desde o tempo que integrava a base aliada do governo, que durou do início da redemocratização, em 1990, até 2010. E foi em razão dessas brigas internas que renunciou ao PS (Partido Socialista) em 2009, no último ano do seu segundo mandato no Senado chileno.

No começo deste mês, Ominami lançou o livro “Segredos da Concertação – Recordações para o Futuro”. Ele faz um balanço pessoal da política chilena ente a transição da ditadura de Pinochet à democracia, no fim dos anos 1980, até a última eleição presidencial (2009), quando a direita voltou ao poder. “Não é um livro-denúncia, pois não sou mero observador. Participei ativamente do contexto, e aqui entrego meu ponto de vista dos fatos”, comenta o plítico, que concedeu uma entrevista exclusiva ao Opera Mundi na sede da Fundação Chile 21.

Economista de formação, o ex-senador coincide as opiniões que apontam a manutenção das políticas neoliberais após a ditadura como fator importante para a queda do respaldo popular da coalizão. Entretanto, acredita que outras razões foram ainda mais decisivas: “Após os desafios iniciais da transição, onde tivemos mais acertos que equívocos, surgiram novas demandas da sociedade chilena, como a crise educacional ainda vigente. Frente a elas, a Concertação simplesmente fracassou”, comenta. Para Ominami, o atual conflito estudantil é um sintoma da frustração dos movimentos sociais com as reformas que o grupo foi incapaz de realizar nos últimos governos.

Esta e outras demandas não respondidas pela Concertação também explicam, segundo ele, o sucesso eleitoral de seu filho adotivo, Marco Enríquez-Ominami. Ele também é dissidente socialista e tornou-se primeiro candidato independente a superar os 20% dos votos numa eleição presidencial no Chile,em 2009. Curiosamente, foi acusado de ter sido o culpado pelo retorno da direita ao poder, teoria que Carlos se diz que já não se sustenta. “As provas de que o Marco tinha razão (ao pleitear uma candidatura independente) estão no noticiário. O projeto dele previa defende a educação pública gratuita, reforma trabalhista, reforma do sistema eleitoral e rejeição a uma hidrelétrica na Patagônia”, relata.

Atualmente, Ominami faz parte do PP (Partido Progressista), legenda fundada por seu filho com o objetivo de criar uma nova referência política de esquerda no pai. Entretanto, reitera que sua participação no novo projeto não incluirá a participação em novas campanhas eleitorais. “O partido foi fruto de um anseio por renovação, de ideias e de rostos, e creio que posso colaborar mais de outras formas”. O ex-senador considera seu filho mais preparado para seu próximo desafio eleitoral, e que a conjuntura atual o favorece: “a Concertação carece de respostas para os temas contingentes do país desde as eleições passadas, e os mesmos temas pressionam o governo de Piñera, que tampouco apresenta soluções”.

Conflitos da Concertação

Ominami era uma das principais figuras do PS em 1987, quando a legenda se uniu ao PDC (Partido Democrata Cristão) e ao PRSD (Partido Radical Social-Democrata). Eles defendiam a opção pelo “não” no plebiscito do ano seguinte, que perguntaria aos chilenos se eles queriam a manutenção do regime militar.

Com a vitória do “não” no plebiscito por apenas 55%, os partidos decidiram manter-se unidos para enfrentar a primeira eleição presidencial. Segundo Ominami, “não havia um projeto comum, mas sim diferenças ideológicas previsíveis. Nos unimos pela euforia daquela primeira vitória e o receio que a direita mantivesse o poder apesar de ter perdido o plebiscito”.

O temor aos velhos fantasmas foi o principal elemento usado pelo autor para explicar os primeiros anos da transição chilena. Sobretudo porque Pinochet continuou sendo Comandante-Chefe do Exército e as ameaças de novo golpe, por parte dos militares, foram constantes durante os primeiros anos da democracia recuperada, sobretudo antes da primeira eleição presidencial. “Por esse medo, fizemos concessões que nos impediram ter maior governabilidade, aceitamos os senadores designados e não propusemos mudanças mais profundas ao padrão binominal, que engessa o sistema eleitoral até hoje”, analisa.

Os senadores designados eram os representantes desses fantasmas no poder legislativo. Entre 1990 e 2006, nove das cadeiras do Senado eram preenchidas por nomeações concedidas a instituições da República como a Suprema Corte e o Conselho de Segurança Nacional – formado pelos comandantes das Forças Armadas. Este segundo possuía o maior número de cadeiras e nomeava até cinco representantes, além de contar com o cargo de senador vitalício, ocupado até 2005 pelo próprio Augusto Pinochet.

O padrão binominal é uma regra eleitoral, vigente até hoje. Segundo ela, cada distrito pode eleger dois representantes ao Congresso, desde que das duas chapas mais votadas – nunca da mesma. A exceção só pode ocorrer se os dois candidatos da chapa vencedora obtenham um voto a mais que o dobro do alcançado pelos candidatos da segunda colocada.

Graças ao padrão binominal e aos senadores designados, os três primeiros governos da Concertação não conseguiram contar com uma maioria parlamentar capaz de garantir verdadeira governabilidade.

A falta de maioria parlamentar contrastava drasticamente com o forte respaldo eleitoral que a coalizão demonstrou. No primeiro pleito presidencial vencido pela Concertação, em 1989, Patrício Aylwin (1990/1994) venceu alcançando os mesmos 55% da vitória no plebiscito. Ominami foi um dos mais atuantes naquela campanha, tornando-se depois ministro da Economia daquele governo. Na época, foi acusado de manter a política neoliberal dos anos da ditadura, o que ele contesta: “Não realizamos privatizações, e fizemos as reformas que nos eram possíveis”.

O segundo presidente da coalizão, o democrata-cristão Eduardo Frei Ruiz-Tagle (1994/2000), ganhou no primeiro turno, com 58% dos votos. Seu mandato marcou o retorno das privatizações e de outros paradigmas do modelo econômico da ditadura, até que a crise asiática afetou seriamente o país. “A crise asiática foi o que trouxe à tona as diferenças internas que a Concertação nunca foi capaz de resolver, e que cresciam silenciosamente desde antes”, relata Ominami.

Para ele, a eleição seguinte,que resultou na vitória de Ricardo Lagos Escobar (2000/2006), foi decisiva para o declínio definitivo da aliança. Segundo Ominami, durante a campanha do socialista, o primeiro candidato da coalizão a precisar de dois turnos para vencer, ocorreram os primeiros conflitos abertos. De um lado, estavam os que queriam mudar os rumos da política econômica e social. De outro, os que resistiam a transformações mais profundas, e que terminam por vencer o debate interno.

O último governo da Concertação, com a socialista Michelle Bachelet no comando de 2006 a 2010, verificou uma inédita maioria parlamentar. Com essa vantagem, foi possível reformar a previdência e imprimir programas de redistribuição de renda. Terminou seu mandato com 83% de aprovação, que inexplicavelmente não foram suficientes para que ela pudesse fazer seu sucessor (o democrata-cristão Frei era novamente candidato).

A mesma contradição sobrevive até hoje. Atualmente, o grupo multipartidário tem o apoio de 23%, enquanto Bachelet reúne quase 50% das intenções de voto nas principais pesquisas eleitorais divulgadas recentemente. Ominami considera Bachelet “um fenômeno eleitoral, cujo apoio popular é o que mantém a Concertação viva, ainda que respirando por aparelhos”.

Porém, Ominami considera que a única chance de a ex-presidente se reeleger em 2013 será após ela mesma liderar a renovação interna de ideias tão necessária à aliança.

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