quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

SE VOCÊ VIVESSE NO IRÃ, NÃO IRIA QUERER A BOMBA NUCLEAR?




Mehdi Hasan, Londres – Opera Mundi, opinião

Imagine, por um momento, que você é um mulá iraniano. Sentado de pernas cruzadas em seu tapete persa em Teerã, bebendo uma xícara de chai, olha para o mapa do Oriente Médio na parede. É uma imagem perturbante: seu país, a República Islâmica do Irã, está cercada por todos os lados por inimigos virulentos e rivais regionais, tanto nucleares como não-nucleares.

Na fronteira ao leste, os Estados Unidos têm 100 mil tropas servindo no Afeganistão. Na fronteira ao oeste, ocuparam o Iraque desde 2003 e planejam reter uma pequena força de militares contratados e operações da CIA mesmo após a retirada oficial no próximo mês. O Paquistão, uma nação nuclear armada, está no sudeste; a Turquia, aliada da norte-americana OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), no noroeste; o Turcomenistão, que atuou como uma base de abastecimento para os planos de transportes militares dos EUA desde 2002, no nordeste. Ao sul, através do Golfo Pérsico, há um agrupamento de Estados clientes dos EUA: Bahrein, lar da Quinta Frota; Catar, hóspede para um quartel geral do Comando Central dos EUA[CENTCOM – N.T.] e Arábia Saudita, cujo rei exortou os EUA a “atacarem o Irã” e “cortar fora a cabeça da cobra”.

E, claro, a menos de mil milhas do oeste, há Israel, seu inimigo mortal, com mais de 100 ogivas nucleares e uma história de agressão preventiva contra seus oponentes.

O mapa torna claro: O Irã é, literalmente, cercado pelos EUA e seus aliados.

Se isso não fosse preocupante o suficiente, seu país parece estar sob ataque (encoberto). Vários cientistas nucleares foram misteriosamente assassinados e, no fim do ano passado, um sofisticado vírus de computador conseguiu desligar bruscamente um quinto das centrífugas nucleares do Irã. Apenas no último final de semana, o “pioneiro” do programa de mísseis da República Islâmica, o general major Hassan Moghaddam, foi morto – com outros 16 – em uma grande explosão na base dos Guardas Revolucionários a 25 milhas de Teerã. Na internet é possível descobrir jornalistas ocidentais reportando que acredita-se que o Mossad [serviço secreto israelense – N.T.] esteja por trás da explosão.

E então uma pausa é feita para lembrar da lição fundamental de geopolítica durante a última década: os EUA e seus aliados optaram por uma guerra com o Iraque não-nuclear, mas por diplomacia contra a Coreia do Norte armada nuclearmente.

Se você fosse nosso mulá no Teerã, você não iria querer que o Irã tivesse a bomba – ou, no mínimo, “latência nuclear” (isto é, a capacidade e tecnologia para rapidamente construir uma arma nuclear se ameaçado de ataque)?

Deixemos claro: não há evidência concreta de que o Irã esteja construindo uma bomba. O último informe da AIEA (Agência Internacional de Energia Nuclear), apesar de sua muito discutível referência às “possíveis dimensões nucleares do programa nuclear iraniano”, também admite que seus inspetores continuam “verificando o não-desvio dos materiais nucleares declarados pelas instalações nucleares [do Irã]”. Os líderes da República Islâmica – do Líder Supremo, Aiatolá Khamenei ao bombástico presidente Mahmoud Ahmadinejad – sustentam que o objetivo é somente desenvolver um programa nuclear civil, e não bombas atômicas.

No entanto, não seria racional para o Irã – geograficamente cercado, politicamente isolado, sentindo-se ameaçado – querer seu próprio arsenal nuclear, para fins defensivos e impeditivos? A Revisão da Postura Nuclear [Nuclear Posture Review] do governo dos EUA admite que tais armas podem jogar um “papel essencial detendo potenciais adversários” e mantendo “estabilidade estratégica” com outros poderes nucleares. Em 2006, o ministro da Defesa do Reino Unido reivindicou que a nossa estratégia nuclear de detenção foi desenhada para “deter e prevenir chantagens nucleares e atos de agressão contra nossos interesses vitais que não podem ser combatidas por outros meios”.

Aparentemente, o que tempera o ganso anglo-americano não é o que tempera o ganso iraniano. A empatia é escassa. Como o analista de política nuclear, George Perkovich, observou, "o governo dos EUA nunca avaliou publicamente e objetivamente as motivações dos líderes iranianos em buscar armas nucleares e o que os EUA e outros podem fazer para remover essas motivações.” Entretanto, a República Islâmica é rejeitada como irracional e megalomaníaca.

Mas não são somente os líderes iranianos que estão reticentes em abandonar a questões nuclear. Em 15 de novembro, cerca de mil estudantes iranianos formaram uma corrente humana nas instalações de conversão de urânio em Isfahan, gritando “morte à América” e “morte a Israel”. O protesto deles pode ter sido organizado por autoridades, mas mesmo os líderes e membros da oposição do Movimento Verde tendem a apoiar o programa de enriquecimento de urânio iraniano. De acordo com uma enquete de 2010 da Universidade de Maryland, 55% dos iranianos apoiam que seu país tenha plantas nucleares e, notavelmente, 38% apoiam a construção de uma bomba nuclear.

Então o que deve ser feito? As sanções não funcionaram e não funcionarão. Os iranianos se recusam a comprometer o que acreditam ser seu direito “inalienável” de possuir plantas nucleares sob o tratado de não-proliferação. Ações militares, como o secretário de Defesa dos EUA, Leon Panetta, admitiu na última semana, podem ter “consequências inesperadas”, incluindo retaliações contra “forças dos EUA na região”. A ameaça de ataque irá apenas tornar mais difícil a resolução de um impedimento nuclear; beligerância provoca beligerância.

O simples fato é que não há alternativa à diplomacia, não importa quão truculentos ou paranóicos os líderes iranianos possam parecer aos olhos ocidentais. Se um Irã armado nuclearmente deve ser evitado, os políticos dos EUA devem abandonar sua retórica ameaçadora e enfrentar a percepção real e racional, nas ruas do Teerã e Isfahan, da América e Israel como ameaças militares à República Islâmica. Os iranianos estão atemorizados, nervosos, defensivos – e, como o mapa do Oriente Médio mostra, possivelmente com boas razões. Como um velho ditado dizia, não é porque você está paranóico que isso não significa que estão atrás de você.

*Mehdi Hasan é editor sênior (de Política) no New Statesman e editor do Channel 4 de notícias e assuntos atuais. Seu blog New Statesman pode ser acessado aqui. Artigo originalmente publicado no Commons Dreams.

Tradução de Lucas Morais

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