sábado, 14 de janeiro de 2012

Angola: ADVOGADOS EXIGEM LIBERTAÇÃO DOS GREVISTAS BOMBEIROS



O País (ao)

O grupo de advogados da Associação “Mãos Livres”, constituído por três causídicos para defender a causa dos 21 efectivos dos Serviços de Protecção Civil e Bombeiros (SPCB) de Luanda, detidos em finais de Dezembro passado por tentativa de greve, defendem a sua libertação total e incondicional, por alegadamente terem sido detidos ilegalmente pela Justiça Militar, afirmou o presidente desta organização filantrópica, Salvador Freire dos Santos.

Falando em exclusivo para O PAÍS esta semana, Salvador Freire explicou que a detenção destes efectivos que reclamavam por melhores condições de trabalho e salariais, que se encontram presos na cadeia de Tombo, a sul do município de Belas, em Luanda, é ilegal por os mesmos serem civis, não pertencerem a nenhuma força militar e nem paramilitar. “ Eles pertencem ao Ministério do Interior que é um órgão político, e não militar como é o caso do Comando Geral da Polícia Nacional, que é operativo e funciona com material bélico”, justificou.

Salvador Freire entende que terá havido um equívoco da parte do gabinete jurídico dos Serviços de Protecção Civil e Bombeiros ao remeter o processo disciplinar à Procuradoria Militar da Guarnição de Luanda (PMGL), tendo em seguida este órgão legalizado a prisão dos mesmos e enviado-os para os calabouços. “Enquanto civis, o processo não deveria ser encaminhado à Procuradoria Militar, porque só os militares é que respondem neste órgão e não o contrário como aconteceu infelizmente”, sublinhou.

O jurista disse mesmo ter havido violação de alguns procedimentos, reiterando que a prisão é ilegal, sobretudo, por estarem detidos preventivamente num presídio militar.

“Há uma ilegalidade neste sentido e a única solução é soltar os mesmos cidadãos que estão privados de liberdade”, reforçando que a instituição que dirige vai bater-se pela legalidade junto dos órgãos competentes e que justiça seja feita à luz do que está consagrado na própria lei.

Assim sendo, o grupo liderado pelo conhecido por David Mendes, onde inclui, Afonso Mbinda e Salvador Freire vai solicitar ao Supremo Tribunal Militar(STM), um “habeas corpus” no sentido de se restituir à liberdade destes cidadãos (catorze homens e sete mulheres). “ Vamos fazê-lo ainda ao longo desta semana, para que, num curto espaço de tempo, tenhamos os nossos concidadãos em liberdade”, afirmou.

O causídico mostrou-se confiante que o recurso a ser interposto a este órgão de maior instância castrense no país, poderá obter o propósito desejado, que é o de “repor a legalidade”. “Sempre tivemos confiança nos Tribunais e creio que o recurso que vamos apresentar junto desta máxima instância militar poderá resultar a favor da liberdade dos nossos constituintes”, declarou o novo responsável máximo da “ Mãos Livres”, eleito em Dezembro de 2011 para um mandato de cinco anos, em substituição de seu colega David Mendes, que cumpriu dois mandatos consecutivos à frente deste agremiação.

Instado sobre o estado anímico dos detidos, o responsável respondeu que é calmo, já que os aludidos cidadãos, segundo ainda a fonte, “estão conscientes que agiram de acordo com a lei e não violaram nenhuma norma e têm a plena confiança que os órgãos de justiça poderão restitui-los à liberdade o mais breve possível, porque não há nenhum crime nisto tudo, mas houve apenas uma precipitação das próprias instâncias dos Bombeiros, através do seu gabinete jurídico”.

Prudente nas suas declarações, Salvador Freire reconheceu que, apesar de o grupo estar com o moral alto, continua constituir sempre preocupação para a sua soltura, argumentando que “ cadeia é sempre cadeia por mais que estejamos tranquilos se tenhamos cometidos crimes ou não, porque a liberdade é um bem natural e não é bom que alguém esteja privado deste bem”, assegurou Salvador Freire, para quem a restituição da liberdade aos acusados é a única via para se repor o que foi violado.

Familiares indignados

Entretanto, familiares dos detidos ouvidos por O PAÍS, à margem desta entrevista, que falaram sob anonimato, temendo eventuais represálias dos Serviços de Protecção Civil e Bombeiros contra os seus ente queridos, dizem, mostraram-se indignados com a atitude que consideram de musculada da parte da instituição que acusam de ter agido de má fé. “Houve exagero. Não seria necessário chegar-se até a esse ponto, porque sendo civis têm o direito de se manifestar como manda a lei”, desabafou uma jovem , irmã de uma das detidas.Com semblante triste (banhada em lágrimas) estava uma mãe que aparentava 60 anos e que clamava pela liberdade do seu único filho, que disse estar preso sem culpa formada. “Estão a dizer que lhe prenderam à toa, porque a greve é permitida por lei, e, por isso, não vejo a razão de ter sido levado à cadeia”, deplorava. Na mesma senda, uma outra mulher, essa mais nova que a primeira entrevistada, 51 anos, também mostrou-se inconformada com a detenção da sua segunda filha. “É quem toma conta da casa, e com a prisão dela estamos a morrer de fome” revelou.

Num grupo de oito pessoas, maioritariamente mulheres, acusaram a direcção dos SPCB de ter agido “impiedosamente” contra os grevistas que reclamavam pela melhoria das suas condições laborais e salariais, atendendo à natureza e à complexidade do seu trabalho, cujo perigo é iminente quando em cumprimento das suas obrigações profissionais.

“Esqueceram-se que os nossos filhos têm uma profissão de riscos e as suas reclamações são motivos de abuso de autoridade e deram-se ao luxo de mandá-los à prisão, como sendo a prenda do Natal que nos deram”, desabafou uma das senhoras ouvidas também por este jornal.

Socorro ao ministro do Interior

Os referidos familiares, em declarações a este jornal, pedem ao titular da pasta, comissário-chefe, Sebastião Martins, a quem consideram como um dirigente competente e homem de bem para que intervenha na resolução deste caso, que se afigura como “incompreensível na medida em que não havia qualquer intenção de se amotinar, mas apenas para reclamar um direito que lhes é inalienável e consagrado na Constituição”, afirmou o pai de um jovens que está nestes serviços há seis anos.

Segundo o mesmo homem, “o senhor ministro do Interior é uma pessoa que pode atender o nosso clamor neste sentido, a maioria de nós é velha e rogamos que haja indulgência da sua parte enquanto responsável máximo da Polícia no país, e que mande autorizar para que os nossos filhos voltem em liberdade, porque é deles que contamos para comer e vestir, apesar de auferirem um salário que ainda não é o ideal e que os levou à prisão”, exclamou.

Entretanto, o clima de tensão entre os funcionários de Serviços de Protecção Civil e Bombeiros e a direcção deste órgão há muito vinhase desenhado com a publicação na imprensa de notícias que davam conta das dificuldades por que passavam os bombeiros. Melhoramento da alimentação, equipamentos de trabalho, desrespeito dos chefes contra subordinados, baixos salários e ameaças de prisão, esse último consumado com a detenção dos “ insurrectos”, foram os alegados motivos da tentativa da greve.

A problemática salarial é o que mais tem estado a “tirar sono” ao corpo de Bombeiros, ao contrário de outras instituições do Ministério do Interior (MININT), que auferem melhores ordenados. Para elucidar, o salário mínimo de um bombeiro é de 30 mil Kwanzas. “É muito baixo se se estiver em conta os riscos por que passam no cumprimento das suas actividades diárias”, reconheceu um responsável policial colocado no MININT.

- Ireneu Mujoco  - 13 de Janeiro de 2012

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