Liberal (cv) - editorial - com foto
Se a memória não nos falha, não temos conhecimento de nenhum país que tenha dado um nome não nacional ao aeroporto da sua capital. Por razões evidentes que resultam, até, da imagem internacional desses destinos e do orgulho colectivo pelas figuras da história pátria.
Como já se percebeu, a iniciativa do Governo em baptizar o Aeroporto da Praia com o nome de Nelson Mandela vem gerando a maior polémica e dividindo os cabo-verdianos, particularmente os praienses. Não porque a figura de Mandela se tenha afirmado como factor de divergência, pelo contrário. Arriscaríamos, até, afirmar que o ex-presidente sul-africano é a mais consensual figura internacional do momento. E o caso também não é para menos.
Madiba é uma referência africana e internacional da luta pela liberdade, tendo, em vez da vingança ou da perseguição dos seus algozes e opressores de seu povo, escolhido a via do perdão e da reconciliação nacional, o que o coloca ao nível das grandes figuras que se bateram pela paz e pela não-violência, como Mahatma Gandhi.
O problema está no oportunismo de uma decisão que cheira a falso e que, pelos indicadores em presença, transpira a manhosice política, tudo indicando ter sido mais uma das erráticas iniciativas desta governação e, particularmente, do seu chefe. Neste caso até, e segundo parece, por mero despeito.
É que… não há coincidências. Desde que Jorge Carlos Fonseca assumiu funções, parece haver uma obsessão doentia do Primeiro-ministro em fazer marcação cerrada às iniciativas do Presidente da República. JCF chamou ao Plateau o ministro da Electra, logo o Conselho de Ministros veio a terreiro dizer não ter havido “puxão de orelhas”; JCF foi ao Fogo solidarizar-se pelas inundações de Cova Figueira, logo o ministro das infra-estruturas decidiu fazer visita; JCF recebeu a oposição, logo o PAICV resolveu atacá-lo publicamente; JCF falou sobre a insegurança crescente no país, logo o Governo vem a terreiro anunciar medidas de combate à criminalidade; JCF realiza uma viagem à África do Sul saldada pelo êxito, JMN anuncia a adopção do nome de Mandela para o aeroporto da Praia, mesmo depois de ter andado deslealmente a mandar indirectas ao PR. E, mais recentemente ainda, ao saber da organização da Semana da República promovida pela Presidência e da participação de Jorge Carlos Fonseca na Corrida da Liberdade de 13 de Janeiro, realizada com a população nas ruas da capital, apressadamente, José Maria Neves resolveu agendar uma conferência para o mesmo dia no Palácio do Governo. Resultado: não conseguiu sequer encher a minúscula sala, apesar da presença massiva de ministros e alguns dos diplomatas de sempre… Como dizíamos, não há coincidências!
Poder-se-á dizer que o Governo se limita a seguir as sugestões do Presidente da República, dando-as como úteis e necessárias para o País. Mas o carácter errático das decisões do Executivo revela tratar-se, isso sim, de atabalhoada reacção às iniciativas do Chefe de Estado, mais do que assentimento. Por outro lado, quem o conhece, sabe que José Maria Neves não convive bem com a divergência, nem gosta de partilhar protagonismo político.
E, neste caso, ressalta ainda uma outra questão não menos importante. Se estivermos atentos, a toponímia da capital regista uma obsessão para o uso de nomes africanos das principais artérias, relegando para papel secundário as grandes figuras nacionais e outras personalidades relevantes para a história de Cabo Verde com origem noutros continentes. A africanização forçada do arquipélago, promovida e instigada pelo PAIGC/CV – sob a égide de uma utopia pan-africanista derrotada pela História -, parece continuar por outros meios, procurando renegar as [também] origens não africanas do povo do arquipélago, e fazendo esquecer as idiossincrasias cabo-verdianas. É que, ao contrário de outros povos, os cabo-verdianos têm um selo de identidade próprio: são crioulos. Isto é, produto da miscigenação entre povos de vários continentes, portadores de uma cultura própria decorrente desses cruzamentos étnicos. E, ao contrário de outros países africanos, Cabo Verde tem outras características, por razão até de as suas ilhas não serem habitadas no período anterior à descoberta.
Ademais, se a memória não nos falha, não temos conhecimento de nenhum país que tenha dado um nome não nacional ao aeroporto da sua capital. Por razões evidentes que resultam, até, da imagem internacional desses destinos e do orgulho colectivo pelas figuras da história pátria.
Em função do ruído de fundo suscitado pelo anúncio, parece-nos que ao Governo ficaria bem corrigir a decisão, não para que apareça derrotado aos olhos do país, mas para que transmita uma mensagem de humildade que só fica bem à governação.
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