segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A JUSTIÇA SEM PAPAS NA LÍNGUA DO NOSSO PROCURADOR-GERAL



Manuel Tavares – Jornal de Notícias, opinião

A entrevista que o procurador-geral distrital do Porto concedeu e o JN publicou na edição de ontem é enorme demonstração de cidadania.

Se o bem e o serviço públicos estiverem nas mãos de homens como Alberto José Pinto Nogueira. Um procurador frontal, que não se refugia no cargo para se inibir de testemunhar e clarificar o que a maioria dos portugueses intui mas não entende as razões de fundo. Ou seja: que os mais graves problemas de que sofre a justiça têm origem na política. Seja por deficiente ou excessiva legislação, seja por abuso de poder, geralmente associado à ideia de que as funções e cargos de serviço público podem ser um guarda-chuva para comportamentos pessoais postos em causa e susceptíveis de escrutínio judicial. E judicioso.

Para aqueles que, em Portugal, defendem com unhas e dentes a necessidade de aceitarmos, todos, a avaliação contínua como forma de implantação da meritocracia, as respostas que Pinto Nogueira dá às questões que ensombram a nossa sociedade deveriam constituir a magna carta da reforma das reformas: a da justiça. Porque sem ela, e com a crise a vergastar--nos, dificilmente nos uniremos e mais dificilmente ainda seremos solidários.

O mais entusiasmante do que pode ser esta reforma das reformas é que ela requer austeridade. Exactamente! Austeridade nas leis, por exemplo. Que é o que responde Pinto Nogueira quando lhe perguntamos se também ele tem ideia de que os ricos se safam sempre: "Têm dúvidas de que se eu tiver um processo desses, ele nunca mais acaba? Para combater é preciso leis mais simples".

Austeridade também na resposta à questão de sabermos se faz sentido combater a corrupção criando um novo crime de enriquecimento ilícito: "Esse novo crime partiu da cabeça de uma pessoa que andou a investigar a Câmara de Lisboa [...] e no fim disse: Não acusamos porque não é crime".

Ainda austeridade quando responde sobre o receio do que a política ainda possa vir a fazer à justiça: "Tenho medo é dos telefonemas dos políticos. Já houve um que telefonou para cá porque uma procuradora do DIAP o acusou. Queria que eu demitisse a procuradora... E, não contente, telefonou ao procurador-geral".

Austeridade, por fim, quando aborda o problema da mediatização da justiça a propósito da "Operação Apito Dourado", uma das mais badaladas: "[...] perguntaram-me o que achava da ideia de formar uma equipa especial. Quando saí do gabinete, já estavam a anunciar na televisão. Sem um único magistrado do Porto. Porquê. Eram especiais de quê? Ressuscitaram processos de forma infundamentada que nem chegaram a julgamento".
  

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