segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

"Lusitânia Expresso" partiu há 20 anos para "chamar a atenção para a causa" timorense



SBR - Lusa

Lisboa, 23 jan (Lusa) -- O navio "Lusitânia Expresso", que, há 20 anos, tentou chegar a Timor-Leste, quis "chamar a atenção para a causa", mas através de "um jogo muito tático" e sem "criar mais mártires", realça Rui Marques, um dos organizadores.

Esteve para não partir, devido a problemas técnicos, mas o "Lusitânia Expresso" lá acabou mesmo por iniciar viagem no dia 23 de janeiro de 1992. Partiu de Lisboa em direção ao Mar de Timor, onde chegaria a 10 de março, tendo sido forçado a recuar pelas tropas indonésias quando já estava só a 16 milhas de Díli (pouco mais de 25 quilómetros).

Organizada por um grupo de jovens portugueses "como resposta" ao massacre de Santa Cruz, em Díli, a viagem fez parte da "Missão Paz em Timor" e propunha-se prestar homenagem às vítimas dos acontecimentos de 12 de novembro de 1991, quando tropas indonésias abriram fogo indiscriminadamente sobre as milhares de pessoas que participavam na homenagem fúnebre ao jovem timorense Sebastião Gomes, abatido por soldados no cemitério de Santa Cruz.

O número de mortos em resultado do massacre nunca foi definido, mas o Comité 12 de Novembro fala em mais de 200 pessoas.

A bordo do "Lusitânia Expresso" seguia uma centena de jovens -- alguns tinham acabado de lançar o primeiro número da revista Fórum Estudante --, com "uma idade muito próxima das vítimas do massacre e, portanto, com uma grande afinidade" com o que aconteceu em Santa Cruz, recorda Rui Marques, em declarações à Lusa.

"Muito inspirados pelo modelo da Greenpeace", o que se pretendeu fazer foi "uma ação mediática" para "chamar a atenção para a causa" timorense, "porque até aí a grande questão era o silenciamento", refere o ativista social.

A operação foi "uma grande odisseia", levada a cabo "sem nenhum apoio praticamente", mas que mobilizou estudantes de 23 países, destaca o fundador da revista Fórum Estudante e do partido Movimento Esperança Portugal (MEP), que foi também alto comissário para a Imigração e as Minorias Étnicas.

"[Foi] talvez a maior aventura da minha vida", reconhece Rui Marques, lembrando que houve "momentos muito difíceis, de grande tensão, particularmente por falha de recursos e por incerteza sobre o que ia acontecer".

"Várias personalidades portuguesas não foram ao 'Lusitânia' porque tinham medo do que podia acontecer", frisa. O ex-Presidente da República e general Ramalho Eanes seguiu a bordo do navio. "Foi um contributo notável, muito corajoso. (...) Teve a coragem de embarcar, de confiar num grupo de jovens, que liderava a missão, e de estar disposto a correr todos os riscos", elogia Rui Marques.

A 16 milhas de Timor, "avançar-se mais ou menos teve única e exclusivamente a ver com o princípio que estava estabelecido, que era [o de que] nunca se colocaria em risco a vida das pessoas que estavam no navio", frisa.

Não querendo perder "o capital de simpatia" que tinham angariado para a causa timorense nos quase dois meses de viagem, quando se viram rodeados por navios indonésios, pararam, deram meia volta e regressaram a Portugal.

"O objetivo não era criar mais mártires, mais vítimas. Aliás, (...) se tivesse morrido uma pessoa que fosse, teríamos tido perdas muito significativas para o objetivo da causa, (...) porque passávamos a ser um grupo de loucos, de radicais, como, aliás, os indonésios procuraram sempre situar-nos", realça Rui Marques.

No final de uma operação que "foi um jogo muito tático e muito político", o "Lusitânia Expresso" recuou depois de lançar uma coroa de flores no Mar de Timor, quando já se avistava o território.

Um momento que foi "muito frustrante", reconhece Rui Marques, mas também "a consciência de que se tinha dado um passo muito importante para a causa de Timor".

Ver reportagens vídeo (1992):


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