Daniel Oliveira – Expresso, opinião, em Blogues
Em Iquitos, na Amazónia peruana, os magalas, afetados pelo clima e pela abstinência, andavam com os nervos em franja. De todos os povoados chegava a mesma queixa: os soldados dedicavam-se ao estupro indiscriminado (se é que há outro), manchando a honra da mulher amazónica e o bom nome da instituição militar.O Exército, alarmado, decidiu tomar medidas radicais. Garantir um serviço de prostituição capaz de chegar aos mais isolados aquartelamentos da selva. Um bordel castrense e nómada, por assim dizer. Para dirigir tão delicada tarefa chamaram um dos mais organizados, discretos, disciplinados e regrados dos seus oficiais: Pantaleão Pantoja. Um homem sem mácula para uma missão sensível.
Em poucos meses, a operação estava montada com milimétrica precisão militar, escapando, até ao último momento, ao obstinado Pantoja o absurdo da sua função. "Panta" tinha, ao serviço da Nação, um dedicado grupo de civis. As suas "visitadoras". Não era apenas um eufemismo. Elas partiam em embarcações e, ao longo do rio Amazonas, onde houvesse soldadesca aflita, as suas necessidades seriam satisfeitas em troca de parte do seu pre, que revertia para o SVGPFA (Serviço de Visitadoras para Guarnições, Postos de Fronteira e Afins). A bem da Pátria, Pantaleão montara um eficaz serviço de prostitutas ao domicilio. A mais bem estruturada das divisões das Forças Armadas peruanas.
A deliciosa história de Vargas Llosa tem um paralelo nacional. O primeiro a defender a necessidade de um serviço visitadoras português foi um oficial de baixa patente mas, ainda assim, um estratega visionário: João Duque. O oficial a quem foi entregue esta tarefa, o nosso Pantaleão Pantoja, chama-se Miguel Relvas. Visitadoras, por enquanto, só temos uma: a Rádio e Televisão de Portugal. Ainda assim, a missão confiada por Relvas à sua primeira recruta não pecou por falta de ambição. O primeiro destino não foi um pequeno aquartelamento do rio Amazonas, mas uma capital africana no extremo sul do Atlântico, onde um insaciável e exigente cliente a esperava. Relvas mostrou a visitadora, ela fez o serviço e agora espera-se que o visitado compre definitivamente o produto. Outros do ramo, no sector privado, já tentaram este expediente para resolver os seus problemas de tesouraria. Mas nunca com tanto arrojo como o nosso Pantaleão Relvas.
Como a coisa aconteceu aos olhos de todos (Relvas simpatiza com a filosofia holandesa da exibição em montra), todos testemunhamos este momento. Ficámos, apesar da libertinagem, com uma sensação de ter entrado numa máquina do tempo. Vendo o programa especial "Reencontro" (16 de Janeiro), organizado pela RTP e transmitido em direto de Luanda, pudemos sentir o velho odor da televisão pública do Estado Novo. Nem no período em que era a única televisão disponível se atingiu tais níveis de pornografia. Aliás, desde a escandalosa transmissão do "Império dos Sentidos" em canal aberto que o país não assistia a uma coisa que tão facilmente chocasse as almas mais sensíveis.
Confesso: o voyeurismo é o meu pecado. E se a nossa democracia oferece as suas vergonhas ao primeiro mafioso disposto a pagar, que ao menos o faça à frente de todos. E fez. Tal como as visitadoras, a entrega foi ao domicílio. E o nosso Pantaleão assistiu, ao vivo, ao estimulante momento.
Por ali desfilaram corruptos engravatados e mafiosos bem falantes. Com o pudor de estreante no submundo de Relvas, Fátima Campos Ferreira, quase pedindo desculpas, ainda fez uma leve e cuidadosa referência à corrupção. Mas todo o programa aconteceu como se em Angola houvesse democracia, sociedade civil livre e empresas detidas por gente que não seja do MPLA ou ligada às forças armadas.
O serviço foi completo e fez-se com toda a higiene e segurança. Não houve, ao contrário do que costuma acontecer por esta espelunca, espaço para opositores, críticos ou indignados. Naquele estabelecimento o ambiente foi o melhor. O cliente estava visivelmente satisfeito e parece-me que vai voltar. No fim, quase posso garantir, vai ficar-nos com a primeira visitadora. Mas Pantaleão Relvas não terá descanso. Ainda há tantos pedacinhos da nossa democracia para vender. A liberdade de imprensa é só o primeiro. Tal como Pantaleão, Relvas dá o seu melhor pela Nação. Tal como Pantaleão, escapa-lhe a incompatibilidade da função de governante com o lenocínio.
A coisa foi há mais de uma semana, é verdade. Mas venho a este tema porque só ontem se soube como o que era, teoricamente, defendido por João Duque (a censura a quem ponha em causa os negócios deste governo), é já política oficial na RTP. Pedro Rosa Mendes - jornalista e escritor, que conhece bem Angola - fez uma violenta crítica àquele programa no seu espaço de opinião na Antena 1. Foi despedido dias depois. Por essa razão. É esta a lei de Relvas.
Espero agora a reação de alguns jornalistas mediáticos que, nos últimos cinco anos, fizeram um justo combate contra a asfixia democrática. Estou seguro que Rosa Mendes contará com a sua solidariedade empenhada. Aquela que se rege por valores democráticos e deontológicos sem olhar a cores partidárias.
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