Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*
A ideia de que o comandante deve ser o último a abandonar o navio em caso de naufrágio é um mito e não uma obrigação jurídica, afirmou, hoje, um antigo oficial da marinha britânica.
E de facto tem razão. Na política, por exemplo, quando um país se afunda não é obrigatório – pelo contrário – que seja o primeiro-ministro o último a abandonar o “navio”. Aliás, neste caso, funcionam como os ratos: são os primeiros.
"Não há bases na lei internacional para a noção de que o comandante deve ir ao fundo com o navio ou mesmo que deve ser o último a abandonar o navio", disse Alan Massey, numa conferência de imprensa em Londres organizada por representantes do sector dos cruzeiros.
Massey falava a propósito do naufrágio do paquete "Costa Concordia" na sexta-feira perto da ilha italiana de Giglio, resultando em pelo menos 11 mortos, enquanto 21 pessoas continuam desaparecidas.
É exactamente como na política. Sem tirar nem pôr. Embora no caso dos políticos existe a vantagem, pelo menos em Portugal, de nunca serem julgados por afundarem um país, muito menos por serem os primeiros a dar à sola.
Os islandeses, que nada têm a ver com os portugueses, pensam de maneira diferente e abriram um processo judicial contra o seu ex-primeiro-ministro, Geeir Haarde, acusado-o de negligência grave durante o seu mandato governativo.
Apesar da negligência grave dos governos portugueses dos últimos anos, nenhum dos comandantes vai a tribunal. Desde logo porque, se o ex-primeiro-ministro continua a ter na lapela o frase de que “está para nascer um primeiro-ministro que faça melhor do que eu", o actual, Passos Coelho, já é detentor, com todo o mérito – reconheça-se, da frase “está para nascer um primeiro-ministro que minta mais do que eu”.
Se hipoteticamente fosse julgado, Passos Coelho poderia ainda tirar da cartola uma outra das suas grandes vitórias, ou seja aquela que diz: “Está para nascer um primeiro-ministro (eleito) que tanto tenha feito para transformar Portugal num estado esclavagista”.
Aliás, um pouco à semelhança de Francesco Schettino, o comandante do "Costa Concordia", Pedro Passos Coelho pode sempre argumentar que escorregou e caiu no Governo, não lhe faltando apoios judiciários, políticos, económicos e jornalísticos para garantir que depois de D. Afonso Henriques o maior é ele próprio.
Referindo-se ao anterior comandante do já esburacado navio, José Sócrates, Passos Coelho disse que “estas medidas põem o país a pão e água”, acrescentando que “não se põe um país a pão e água por precaução”.
E quando Sócrates abandonou o barcaça, o que fez o actual comandante? Substituiu o pão e a água por farelo e, mesmo assim, avisando que não permite contestações violentas.
“Estamos disponíveis para soluções positivas, não para penhorar futuro tapando com impostos o que não se corta na despesa”, disse Passos Coelho enquanto candidato ao lugar de comandante. Chegado lá, penhorou o futuro dos vivos e dos que ainda poderão nascer com mais e mais impostos.
Para convencer os passageiros, Passos Coelho afirmou que “aceitaria reduções nas deduções no dia em que o Governo anunciar que vai reduzir a carga fiscal às famílias”. O pessoal, que está farto de uma navegação turbulenta, pô-lo na sala de comando e, imediatamente, ele pegou no chicote e mandou as famílias às malvas, obrigando-as a comer (quando há comida) e a calar.
“Aqueles que são responsáveis pelo resvalar da despesa têm de ser civil e criminalmente responsáveis pelos seus actos”, disse o actual comandante do navio “Portugal”, apontando para o seu antecessor. Quando os passageiros descobrirem que deverá ser ele a ser civil e criminalmente responsabilizado pelos crimes que está a cometer, já ele estará fora do navio – eventualmente a estudar filosofia em… Luanda – e a rir-se a bandeiras despregadas.
“Ninguém nos verá impor sacrifícios aos que mais precisam. Os que têm mais terão que ajudar os que têm menos. Queremos transferir parte dos sacrifícios que se exigem às famílias e às empresas para o Estado”, afirmou o na altura candidato Passos Coelho. Como comandante não só faz o que antes considerava crime, como ainda lhe acrescenta mais umas doses de outros crimes de lesa cidadãos.
“Para salvaguardar a coesão social prefiro onerar escalões mais elevados de IRS de modo a desonerar a classe média e baixa. Se vier a ser necessário algum ajustamento fiscal, será canalizado para o consumo e não para o rendimento das pessoas. Se formos Governo, posso garantir que não será necessário despedir pessoas nem cortar mais salários para sanear o sistema português. A ideia que se foi gerando de que o PSD vai aumentar o IVA não tem fundamento”, disse também o novo comandante português, na esperança de que – antes de ser o primeiro a abandonar o navio – ainda vai ter a comenda de “líder carismático”.
“Já ouvi o primeiro-ministro dizer que o PSD quer acabar com o 13º mês, mas nós nunca falámos disso e é um disparate”, disse também Passos Coelho, interrogando-se: “Como é possível manter um governo em que um primeiro-ministro mente?”
Pois é. O navio mete água por todos os lados e não tardará a ir ao fundo. E, não tenham dúvidas, quando isso acontecer, Passos Coelho e os pastéis de nata que o acompanham serão os primeiros a zarpar.
* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.
Título anterior do autor, compilado em Página Global: Angola: POPULAÇÃO DO ALTO HAMA FOGE PARA A MATA
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