Hugo Torres - Público
Última crónica do jornalista na Antena 1
O escritor e jornalista Pedro Rosa Mendes acabou a sua colaboração com a Antena 1, numa crónica emitida nesta quarta-feira de manhã, com declarado repúdio ao que diz ser “uma sociedade asfixiada por valores do silêncio, da cobardia, do bajulamento”.
O fim do espaço de opinião "Este Tempo", naquela emissora da RDP, motivou acusações de censura de dois dos seus colaboradores: o próprio Pedro Rosa Mendes, que disse ao PÚBLICO ter sido informado que “a administração da casa não tinha gostado da última crónica sobre a RTP e Angola” – na qual o jornalista critica o programa Reencontro –, e de Raquel Freire, que denunciou pressões. O director-geral da RTP, Luís Marinho, assegura que a decisão de acabar com o programa “já estava tomada há algum tempo”. Quatro dos cinco cronistas disseram ao PÚBLICO que só na segunda-feira foram informados de que o programa sairía do ar (link, só para assinantes).
Na terça-feira, a realizadora Raquel Freire usou o tempo de antena naquele espaço para falar sobre liberdade. Nesta quarta, Rosa Mendes dedica a primeira parte da sua crónica, de quase seis minutos (disponível aqui), ao livro de memórias recentemente editado em França do cineasta cambojano Rithy Panh, L'élimination [A eliminação], “documento histórico de grande intensidade”, para na segunda parte traçar um paralelo entre o regime dos Kmer Vermelhos e o Portugal dos nossos dias.
“Rithy Panh conta-me o Camboja dos anos 1970 e o seu livro reenvia-me, uma e outra página, com uma força que me deixa sem pulso, para o Portugal do presente. Para um país, precisamente, onde quatro décadas de democracia produziram, afinal, uma sociedade asfixiada por valores do silêncio, da cobardia, do bajulamento e dessa gangrena da nossa pátria que é a inveja social”, diz.
Continua Pedro Rosa Mendes: “Por junto, uma cultura mesquinha que quase sempre não há ninguém que diga aquilo que todos sabem, mas que todos devem calar. Uma terra onde, finalmente, se instalou o medo e uma noção puramente alimentar da dignidade individual. Traduza-se: ‘está caladinho, para guardares o trabalhinho’.”
“Neste aspecto, em genocídio ou em democracia, os reflexos e os mecanismos são os mesmos. O rapazinho de 13 anos, por exemplo, conta como foi uma vez chamado pela directora das crianças lá no campo [de concentração]: ‘Camarada, tens de fazer a tua autocrítica. Ontem, contaste que homens chegaram à Lua e fizeste o elogio dos imperialistas americanos. São invenções. Mentiras. O teu comportamento é inaceitável. Traíste os teus camaradas. Estamos a ouvir-te.’ Retenho também um provérbio kmer, escrito numa frase isolada por Rithy Panh: ‘A verdade é um veneno’.”
“Tenho para mim que as escolhas limite se fazem todos os dias, no nosso quotidiano, e duvido muito que quem vive de espinha dobrada em tempo de paz, em tempo feliz como é – já nos esquecemos – o tempo democrático, seja capaz de endireitar a espinha em tempos difíceis”, sustenta. A crónica fecha com um “bom dia e muito boa sorte”.
Na terça-feira, a realizadora Raquel Freire usou o tempo de antena naquele espaço para falar sobre liberdade. Nesta quarta, Rosa Mendes dedica a primeira parte da sua crónica, de quase seis minutos (disponível aqui), ao livro de memórias recentemente editado em França do cineasta cambojano Rithy Panh, L'élimination [A eliminação], “documento histórico de grande intensidade”, para na segunda parte traçar um paralelo entre o regime dos Kmer Vermelhos e o Portugal dos nossos dias.
“Rithy Panh conta-me o Camboja dos anos 1970 e o seu livro reenvia-me, uma e outra página, com uma força que me deixa sem pulso, para o Portugal do presente. Para um país, precisamente, onde quatro décadas de democracia produziram, afinal, uma sociedade asfixiada por valores do silêncio, da cobardia, do bajulamento e dessa gangrena da nossa pátria que é a inveja social”, diz.
Continua Pedro Rosa Mendes: “Por junto, uma cultura mesquinha que quase sempre não há ninguém que diga aquilo que todos sabem, mas que todos devem calar. Uma terra onde, finalmente, se instalou o medo e uma noção puramente alimentar da dignidade individual. Traduza-se: ‘está caladinho, para guardares o trabalhinho’.”
“Neste aspecto, em genocídio ou em democracia, os reflexos e os mecanismos são os mesmos. O rapazinho de 13 anos, por exemplo, conta como foi uma vez chamado pela directora das crianças lá no campo [de concentração]: ‘Camarada, tens de fazer a tua autocrítica. Ontem, contaste que homens chegaram à Lua e fizeste o elogio dos imperialistas americanos. São invenções. Mentiras. O teu comportamento é inaceitável. Traíste os teus camaradas. Estamos a ouvir-te.’ Retenho também um provérbio kmer, escrito numa frase isolada por Rithy Panh: ‘A verdade é um veneno’.”
“Tenho para mim que as escolhas limite se fazem todos os dias, no nosso quotidiano, e duvido muito que quem vive de espinha dobrada em tempo de paz, em tempo feliz como é – já nos esquecemos – o tempo democrático, seja capaz de endireitar a espinha em tempos difíceis”, sustenta. A crónica fecha com um “bom dia e muito boa sorte”.
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