sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

São Tomé e Príncipe: AMNISTIA, INDULTO E COMUTAÇÃO DE PENA



Hilário Garrido* – Téla Nón

No âmbito da execução da política de justiça, as constituições, ou melhor, os Estados contemplam um conjunto de medidas de clemência que são tomadas pelos seus órgãos como forma de abreviar situações de alguma “injustiça” que possam ocorrer no âmbito de administração de Justiça, em alguns períodos de relevantes acontecimentos na via do País, tais como, comemoração da data da Independência, Natal, etc. e muitos outros que os órgãos competentes reputarem de importantes para o efeito. (Se não me falha a memória, no dia em que o Papa João Paulo II visitou o nosso pais, ouve algumas neste sentido).

As medidas mais conhecidas desde o Sec. XIX, ou mesmo antes, como aliás, vem consagrado no AINDA nosso Código Penal de 1886 ( Código português ainda em vigor em STP) são: Amnistia, indulto e comutação de pena.

Todas são medidas de clemências que as autoridades competentes adoptam visando contemplar situações que de alguma forma merecem algum perdão.

Amnistia é um acto da competência exclusiva da Assembleia Nacional, nos termos da alínea f) do artigo 97.º da Constituição.

E, diferentemente de indulto e comutação, não precisa de audição do Governo, pelo menos expressamente, sendo certo, no entanto, que, qualquer medida dessa natureza (não jurisdicional) que é adoptada no domínio da justiça carece sempre de colaboração do Governo que faz o levantamento da situação e depois submete ao Parlamento para ser adoptado.

Não é o Parlamento que “aereamente” toma medidas sem colaboração do Governo, através do Ministério da Justiça. Porque é preciso ter conhecimento da situação real da justiça para se determinar quais as situações que carecem de uma intervenção dessas.

E, a semelhança do que se passa com o indulto e a comutação de penas, a colaboração do Governo é indispensável, não no sentido formal de audição obrigatória, mas numa perspectiva prática de execução de amnistia.

O Parlamento não entra em contacto directo com os tribunais nessa matéria. A amnistia, etimologicamente, no vocábulo grego, significa esquecimento. Tem carácter impessoal, pois atende uma generalidade de situações. Ela é de natureza objectiva abstracta, virada pela a infracção esquecendo os seus agentes. Todos aqueles que cometeram crimes previstos na lei de amnistia até a sua entrada em vigor ficam ilibados.

A amnistia é tida como perdão genérico e distingue-se do perdão individual ou particular (indulto ou comutação), porque ela dirige-se a uma generalidade de delinquentes; é um acto geral da competência da Assembleia Nacional, enquanto que o perdão individual ou particular que são indulto e comutação são da competência do Presidente da República, ouvido o Governo. A primeira dirige-se ao crime enquanto que estes últimos visam somente as penas aplicadas em concreto.

Decretada uma amnistia todos aqueles que tiverem cometidos crimes nela contemplados, quer sejam julgados ou não, devem ser posto em liberdade. A amnistia distingue-se, no essencial, de indulto e da comutação porque estas só se aplicam a pessoas já condenadas, e nunca como tem acontecido nos últimos anos em que se alarga o campo da aplicação de indulto e comutação, inclusive, às pessoas que ainda não foram julgadas nem condenadas. Tudo isso em flagrante violação da lei, neste caso o Código Penal que só contempla o indulto e a comutação para as pena aplicadas a pessoas que estão presas e nunca sobre a previsão de pena.

O Código Penal (1886) ainda em vigor no nosso país, contempla como formas de extinção do procedimento criminal, das penas e das medidas de segurança, dentre outras circunstâncias, a amnistia (artigo 125.º n.º3). E o artigo 126.º n.º 2.º contempla apenas as circunstâncias que extinguem as penas e medidas de segurança, nomeadamente, o indulto e a comutação de penas.

Só a amnistia extingue o procedimento criminal; é por isso que ela abrange também os processos em curso antes de julgamento, incluindo pessoas que estão em prisão preventiva. Neste caso a doutrina diz que se trata se amnistia própria, por abranger casos ainda não julgados. Ora, porque ela abrange também os já julgados e condenados e em cumprimento de pena, e, inclusive as condenações em penas suspensas(ac. Coimbra, de 28 de Julho de 1967; Jur. Das Relações, 1967, pag. 793) ; aí é considerada amnistia imprópria.

A amnistia abrange também as custas processuais (acs. STJ português, de 10 de Fevereiro de 1942 e 27 de Abril de 1960. Isto significa que beneficiando de amnistia não há obrigação de pagamento das custas processuais.

Já quanto ao indulto e a comutação, como diz o artigo 126.º no seu paragrafo primeiro diz: “O indulto e a comutação são da competência do Chefe do Estado”. “O indulto não pode ser concedido antes de cumprida metade da pena ou metade da duração mínima da medida de segurança”. “O indulto consiste na extinção total da pena”.

E acrescenta este mesmo parágrafo que “A comutação verifica-se por algum dos modos seguintes: 1.º Reduzindo a pena ou medida de segurança fixadas por sentença; …

Importa realçar que qualquer medida de clemência não iliba os agentes do crime da responsabilidade civil. Significa isso que se houver danos ou prejuízos causados com o acto criminoso praticado, o seu agente fica, ainda assim, obrigado a reparar esses danos ou prejuízos. Obviamente, tudo depende do ofendido ou lesado que pode accionar ou não os mecanismos legais de responsabilização civil.

Nunca, ou melhor, não se pode aplicar indultos e comutação a pessoas que ainda não foram julgadas e condenadas. É assim que diz a lei. E tratando-se de uma lei criminal, apenas da exclusiva competência da Assembleia Nacional, nenhum outro órgão do Estado pode contrariar essa lei ou viola-la. Um Decreto Presidencial não pode contrariar uma lei da Assembleia Nacional.

E não se me venham com argumento como já ouvi na comunicação social de que se quer colmatar a situação de injustiça com excesso de prisão preventiva, por uma questão humanitária. Não! Nenhum órgão de Estado, seja ele qual for, pode arrogar-se o direito de, em violação da lei, corrigir o que é da competência do outro órgão. Há mecanismos legais e constitucionais próprios para se solucionar os problemas.

Um deles é o Habeas Corpus, que consiste em qualquer pessoa poder pedir a libertação de alguém que esteja preso ilegalmente.

Qualquer acto praticado fora da lei ou em sua violação é das maiores indignidades que podem ocorrer na vida de um Estado.

Indulto e comutação de pena, são também medidas de clemência e são da competência do Presidente da República, com audição do Governo (artigo 80.º da Constituição). Como diz a doutrina “é um acto complexo praticado pelo Presidente da República, com a colaboração do Governo”. Eis porque se sujeita esses actos à audição do Governo, observando o formalismo previsto na lei ordinária. No caso de Portugal há um “processo estabelecido nos artigos 108.º a 117.º do Dec.-Lei n.º 783/76, de 29 de Outubro (Orgânica do Tribunal de Execução de Penas”), para o efeito de concretização dessas medidas de clemência.

Diferentemente da amnistia, o indulto e comutação incidem sobre as penas. E indulto visa extinção da totalidade da pena enquanto que a comutação atinge apenas parte das penas. Assim, quem esteja a cumprir uma pena de prisão de 5 anos, pode ver reduzida essa pena para 1/3 ou mais, conforme o Decreto Presidencial.

Quanto a aplicabilidade das medidas de clemências acima referidas, ou seja, a eficácia da Lei da Assembleia e do Decreto do Presidente da República que as contempla, há que ter em conta que, como qualquer acto legislativo, a sua eficácia depende da publicidade no diário oficial, neste caso, no Diário da República, como aliás manda o artigo 5.º do Código Civil: **** Qualquer acto normativo que não for publicado no diário não pode produzir efeitos.

Ora, passou a ser prática neste país aplicar-se as normas, neste caso o Decreto Presidencial (o último até impôs a sua aplicação imediata apenas com a sua publicação através dos órgãos de comunicação social, sem prejuízo de vir a ser publicado no diário oficial.

Isso é uma aberração; É uma subversão ao formalismo legal. Pode-se obviar isso criando condições para que o Centro de Reprografia imprima e faça publicar as leis no dia seguinte à sua publicação nos órgãos de comunicação social e não cometer essa aberração. Habituemo-nos ao rigor da lei que é o que dignifica qualquer dirigente de um país que se diz tratar-se de Estado de Direito. “Dura lex, sed lex”.

Isto significa que a lei é dura mas é lei. Estando em vigor uma lei, enquanto não for alterada, tem de ser cumprida. O não cumprimento da lei, corresponde a marginalidade ou fora de lei.

Para não atropelar a lei, quando a Assembleia Nacional pretende decretar uma amnistia ou Presidente da República decretar indulto e comutação de pena, devem entrar em sintonia com os serviços da reprografia para que tudo esteja aposto para a sua publicação imediata, logo que seja decretada, pelo menos no dia seguinte. Isso é possível, mais ético e mais elegante na vida de um Estado. Tudo isso prende-se com o sentido de Estado que todos devemos ter.

*Hilário Garrido é Juiz de Direito

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