Pedro Rogério Delgado – Liberal, opinião, em Colunistas
Devemos dizer, pois, que o magistrado do MP, Vital Moeda, andou bem, ao afirmar categoricamente que, Isaura Gomes, por ser autarca, só poderia ser julgada pelo STJ, por força da nova Lei (extravagante) da Responsabilidade Política, e não podia ser de outro modo, quando se esteja diante de conflito do direito intemporal no domínio do Código de Processo Penal, como anteriormente aludido.
Mas o juiz de crime deve suspender a audiência e determinar a subida dos autos para o STJ para que este diga se é esta entidade ou o juiz que julgará a causa.
Tudo porque o representante do Ministério Público, Vital Moeda, recorreu para o STJ do despacho do juiz de crime do tribunal da primeira instancia que indeferiu a excepção de incompetência absoluta deste tribunal para julgar a autarca suscitada por aquele órgão do Poder Judicial, como impõe a nova lei (Lei de Responsabilidade dos Cargos Públicos
O juiz do 1º. Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de S. Vicente, Antero Tavares, que presidia, no dia 27 de Jan. 2012, ao julgamento da autarca, Isaura Gomes, por alegado crime de dano qualificado praticado no exercício da sua função pública, por causa da demolição de um imóvel situado na Baia das Gatas pertencente ao casal Anildo e Helena Matos, acabou por adiá-lo para 23 de Fevereiro de 2012, por alegada falta da comparência de um representante do MP.
Como o MP, na pessoa do seu representante, Dr. Vital Moeda, interpôs o recurso ordinário para o STJ no qual solicita-lhe que se declare competente para julgar a causa, com as consequências da revogação do despacho do juiz que decidiu que o tribunal competente para o fazer é o da Comarca de S. Vicente), não se realizou tal acto processual - audiência de discussão e julgamento.
Este recurso ordinário poderá subir e nos próprios autos com efeitos suspensivos para o STJ, de maneira que fiquem suspensos os autos do Processo Crime de dano qualificado que lhe move o Ministério Público por provocação dos ofendidos, Anildo e Helena Matos, sem que seja levada ao banco do réu a ex-edil mindelense, Isaura Gomes, no dia 23 de Fevereiro de 2012, não obstante afirmar que a sua ausência nos dois últimos julgamentos se deve ao facto de o Ministério Publico ter levantado a excepção de incompetência do tribunal com produção dos efeitos de suspensão do processo (instancia).
Mas a novidade da opinião que faremos, data venia, de seguida está em que a questão deixou de ser de ordem processual (Direito Processual Penal), ou seja do “andamento do processo” (sobre quem vai julgar a causa), para passar a ser a de ordem “do Mérito da Causa” – (Direito Penal) – qual o facto pelo qual será julgada a autarca (como funcionário público ou político). (1)
Recorde-se que a então edil mindelense, Isaura Gomes foi pronunciada, em Audiência Contraditória Preliminar, no crime de dano qualificado pelo anterior juiz, Bernardino Delgado, quiçá o actual, Juiz Antero Tavares, teria seguido possivelmente o entendimento do colega.
Mas o Procurador da República, Vital Moeda, veio a suscitar uma questão prévia, por via de um parecer, no sentido da ex edil mindelense ser julgada pelo STJ, ao abrigo da nova lei - Lei de Responsabilidade dos Cargos Políticos, que sobreveio ao Código de Processo Penal, segundo a qual lei extravagante o STJ é o tribunal competente para julgar os políticos (cfr. norma processual de competência).
É o que consta do parecer do MP funcionando como requerimento de interposição de excepção da incompetência do tribunal “a quo”, tese essa que foi corroborada em audiência de julgamento pelo advogado da defesa, João Marcelino do Rosário, para que se procedesse à suspensão da instância.
Na altura o juiz de julgamento, a acusação e seus assistentes representados pelo advogado, Amadeu Oliveira não tiveram a mesma posição sobre essa questão prévia, já que os Assistentes queriam que a Isaura Gomes fosse julgada por esse tribunal da primeira instancia, apesar de saber-se que não deveriam ser colaboradores do Ministério Público por o art. 71 do novo CPP não permitir a constituição de Assistente pelo crime de dano qualificado (crime público por os danos serem vítimas).
O certo é que, nessa audiência de julgamento, se impediu o advogado, Amadeu Oliveira, de defender os interesses e direitos legalmente protegidos dos Assistentes. Anildo e Helena Matos, sob a alegação de que não pode praticar actos da profissão por se achar suspenso por incumprimento de quotas, ao que deveria reagir impugnando a decisão judicial ilegítima, por basear-se na norma do art. 112/2 dos Estatutos da Ordem dos Advogados de Cabo Verde, de manifesta inconstitucionalidade material, face ao art.41/1 da CR de 92 em vigor que proíbe a restrição à liberdade da profissão quando não se cumpre o dever de pagar quotas, de forma a continuar a intervir na audiência de julgamento.
Malgrado o MP levá-lo há dias a “velocidade do cruzeiro” ao banco do réu por este facto disciplinar, que, na óptica do MP, constitui crime do exercício ilegal da profissão, e por crime de violação de segredo de justiça (só seria condenado por este facto, se existisse uma lei penal que previsse o respectivo crime cibernético no nosso direito positivo), por ter tornado público, através da Internet, conteúdo de acto processual, no domínio dos autos que move o MP à autarca, Isaura Gomes por alegado crime de dano qualificado.
Indaga-se se, no julgamento da autarca Isaura Gomes, no dia 23 de Fevereiro de 2012, vai impedir também o advogado da defesa, João Marcelino do Rosário, de intervir nele, caso esteja presente, se e na medida em que se encontra em mesma situação do advogado dos Assistentes, Amadeu Oliveira, devido ao facto de constar da Lista dos interditados, embora, quanto à nós, entendamos, que não se ve razoes para o fazer diante da ilegitimidade da referida norma estatutária em causa que suspende advogados por incumprimento de quotas, como já explicado.
Enquanto isso, é de salientar que Isaura Gomes não deva estar presente no julgamento diante do recurso ordinário para o STJ do despacho do juiz que se declara competente para julgar a causa, malgrado o juiz “a quo“ se ter pronunciado sobre tal questão prévia na presença da autarca no banco do réu, quando à partida devia ter sido notificada a defesa, em sede do incidente processual, para exercer o seu direito de defesa, por via de um articulado, como mandam o novo Código de Processo Penal e direito subsidiário (CPC).
Apesar disso, deve respeitar-se a “consciência jurídica” do magistrado do Ministério Público, Dr. Vital Moeda, ao declarar-se suspeito ou impedido com o propósito de não continuar nos autos, o que pressupõe que o magistrado e certos colegas do Ministério Público (MP) estavam em desacordo com essa questão jurídico-processual, se e na medida em que a acusação foi dirigida ao então juiz de instrução da Comarca de S. Vicente, Bernardino Duarte Delgado, e não para o STJ para que processasse e julgasse a autarca mindelense. Mas voltou atrás na sua decisão já que ele é que, em representação do MP é que deduziu o requerimento do referido recurso ordinário em tela para o STJ.
Será que o representante do Ministério Público, Vital Moeda, se teria sentido antes pressionado por colegas que actuam em nome desta estrutura autónoma e hierarquizada para que seguisse a orientação interna dos superiores ou a posição inicial de um colega que formulou a acusação ao juiz de instrução para que marcasse a Audiência Contraditória Preliminar (ACP).
Malagrado o juiz de instrução vier a optar, no despacho saneador, pela marcação da audiência contraditória preliminar, por indícios fortes da prática do referido crime (comum) de dano qualificado, do que pela remessa dos autos para o STJ para que a arguida fosse julgada como autarca, à luz da nova lei de Responsabilidade Política dos Cargos Públicos, uma vez que esta diz que o Supremo é o tribunal competente para a julgar.
Aliás, deve dizer-se que se está diante do conflito de duas leis no tempo, pelo qual a autarca mindelense jamais deveria responder, no exercício da sua função político-adminitrativa, por um novo tipo legal de “crime de abuso do poder” constante dessa lei extravagante, com efeitos retroactivos, sob pena de violação do principio da legalidade no Direito Penal e Direito Constitucional (nullum crimen sine lege).
Pois, o legislador ordinário, ao eliminar o abuso de poder, do antigo Código Penal e , no seu lugar, criando o tipo legal do crime de prevaricação do funcionário, do novo Código Penal, aprovado pelo Decreto Legislativo m. 4/2003 de 18 de Setembro, quis “separar” o estatuto do funcionário publico do político, embora sabendo, data venia, que a autarca só seria enquadrada no referido crime contra a Administração Pública do art. 330 do CP, desde que a lei equiparasse o autarca ao funcionário público, como acontece com os administradores das empresas publicas, v.gr.
Enquanto isso, devemos dizer, pois, que o magistrado do MP, Vital Moeda, andou bem, ao afirmar categoricamente que, Isaura Gomes, por ser autarca, só poderia ser julgada pelo STJ, por força da nova Lei (extravagante) da Responsabilidade Política, e não podia ser de outro modo, quando se esteja diante de conflito do direito intemporal no domínio do Código de Processo Penal, como anteriormente aludido.
Aliás, o artº. 22 do Código de Processo Penal diz que aplica-se imediatamente a nova lei processual sem prejuízo da validade dos actos praticados sob à sombra da lei antiga. Mas pode indagar-se se está diante do conflito de leis no tempo, quando venha a sobrevier uma lei especial, à uma norma processual constante do direito comum, se na medida em que se aplica a lei especial ao comum, por força do princípio da especialidade, a não ser que a lei especial diga expressamente que revogue a norma da lei comum anterior?
De todo o modo, deflui dos autos que a ex-edil mindelense, Isaura Gomes, no exercício da sua função administrativa, emitiu acto administrativo ou facto por via de acto que demoliu o imóvel sob a alegação de que no local seria construída uma estrada. Mesmo que tivesse dito isso depois de consumado o facto ou acto administrativo (ainda que não definitivo e executório) de demolição do imóvel que causou prejuízos materiais consideráveis ao casal numa casa construída legalmente, não quer dizer que tenha cometido o crime de dano qualificado, a não ser que o cometesse o facto fora do exercício da sua função administrativa.
*PEDRO ROGÉRIO DELGADO, Advogado
RODAPÉ (1)
Isaura Gomes será julgado no dia 23/02/12
Autarca só responde por crime de prevaricação do funcionário, se a lei penal a equipar a este estatuto, razão por que a Isaura Gomes não cometeu tal crime comum de dano na sua função político-administrativa. Com a superveniência da Lei de Responsabilidade Política dos Cargos Públicos (LRCP) , que criou o tipo legal de crime de Abuso de Poder (ao contrário do novo CP que o eliminou por revogação do antigo CP) , Isaura Gomes não responderá por este facto á luz da LRCP com fundamento em que não pode ser punido por um facto sem que a lei anterior o declarasse à data do alegado facto administrativo que não constitui crime comum nem político., de igual modo a eventual sentença condenatória violaria sem dúvida o sub-princípio da legalidade no Direito Penal e no Direito Constitucional; com fundamento em e irretroactividade da lei penal, ex vi do art.17 da Constituição de 92 em vigor. PRD
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