Luís Viana – O País (ao), opinião em 16.02.12
Começa a revelar um certo estado de demência a forma como alguns jornalistas portugueses vêm Angola. Não disfarçam nem a ignorância nem o ódio. Nem tão-pouco o sentimento neo-colonial e paternalista. O que este tipo de gente ainda não percebeu é que os angolanos não estão minimamente interessados nas suas opiniões sobre a vida aqui na banda. Disso cuidam os angolanos, como sempre o fizeram, com maior ou menor dificuldade, com maior ou menor sofrimento e, se necessário, buscando a ajuda que julgarem útil.
Na passada Segunda-feira, logo a seguir à inauguração da nova sede da CPLP estava um repórter do canal de televisão SIC Notícias a fazer o seu trabalho. Eis que quando vai a sair Paulo Portas, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, o jornalista interpela-o com a seguinte questão: O vice-presidente de Angola falou dos direitos fundamentais na CPLP, acha que em Angola se respeitam os direitos fundamentais das pessoas? Irra que isso já cheira mal! Claro que Portas contornou a questão e nada disse sobre o assunto. Espanta-me que havendo milhares de portugueses a viver à grande e à francesa em Angola (o que não quer dizer que sejam todos), alguns jornalistas portugueses insistam em passar a imagem deste país como um espaço a ferro e fogo, sem parlamento, sem partidos de Oposição, sem vozes críticas, sem tribunais, sem massa pensante e a precisar desesperadamente que um punhado de portugueses venha salvar o seu povo, um pouco como numa missão civilizadora para libertar o preto da barbárie do seu estado selvagem. Mas já que é a própria comunicação social portuguesa que não se cansa de reportar a bela vida que os portugueses têm em Angola, começa a parecer que os nossos direitos fundamentais estão também, neste caso, a ser espezinhados pelos portugueses que cá estão. Colaboracionistas, vampiros que se alimentam do sofrimento de todo um povo. As consequências de tal pensamento podem não ser boas, evidentemente. Mas alguns jornalistas lusos não pensam até aí. Tal como se esquecem dos direitos dos angolanos quando lhes chega a oportunidade de cá virem dar uma de consultores para abraçarem a tal vida boa dos seus compatriotas. Deixem-nos só tratar dos nossos próprios problemas. Quando os angolanos precisarem de ajuda pedi-la-ão. Para já, que eu saiba, não foi passada qualquer procuração.
Que temos problemas até no capítulo dos direitos temos. E muitos. Mas não creio que fossem Paulo Portas e a SIC a resolvê-los. Talvez por terem mais que fazer, e por não terem o hábito de se meter na vida alheia antes de resolver os seus próprios problemas internos, não vemos por cá jornalistas a perguntar ao ministro João Baptista Kussumua, da Assistência e Reinserção Social, por exemplo, se a sociedade portuguesa está doente quando centenas de velhos morrem fechados em apartamentos, nem o que fazer com os emigrantes portugueses que vão para a Suíça, sem emprego, sem albergue e que dormem na rua e se alimentam da sopa servida em casas paroquiais. Nem sobre o que fazer aos políticos portugueses altamente corruptos envolvidos nos negócios das parcerias público privadas que deixaram o país mais pobre e uns quantos enriqueceram. É simples, sabemos e torcemos para que os problemas portugueses sejam apenas conjunturais e que passem depressa, para o bem de um país com que nos damos bem e gostamos, mas não nos julgamos no direito de nos metermos na vida dos portugueses nem de pensar que temos a missão de lhes resolvermos os problemas. E já agora, a comunicação social angolana traz todos os dias matérias sobre a questão dos direitos fundamentais dos cidadãos, na sua violação, e também matérias sobre avanços nesta área. Como se vê, nós sabemos de nós.
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