As regras são claras e estão à vista de todos. Quem não pagar a multa referente a uma infracção à lei do tabaco, “na próxima vez não poderá entrar nesta Região”. É desta forma que o cartaz afixado pelos Serviços de Saúde (SS), no Terminal Marítimo do Porto Exterior, chama a atenção dos visitantes para a proibição de fumar em certos locais do território. Os infractores têm um prazo de 30 dias para pagar a coima, sendo que só podem regressar a Macau quando fizerem o pagamento.
O jurista dos SS, Rui Peres do Amaral, afirmou ao Hoje Macau que “o cartaz até peca por defeito, porque há um conjunto de condições que têm de ser cumpridas”. E essas condições estão presentes no artigo 18.º do “Regime geral das infracções administrativas e respectivo procedimento”, onde se lê que, caso o infractor saia da RAEM, “não pode voltar a entrar neste antes da multa se mostrar paga”. Já o artigo 33.º, do “Regime de prevenção e controlo do tabagismo”, é “legitimado” pelo diploma anterior, diz Rui Peres do Amaral.
Para o advogado Nuno Simões, para além de se tratar de um “exagero”, a situação pode mesmo “violar” a Lei Básica. “Essa norma viola um direito garantido pela Lei Básica que é o direito de deslocação. Aqui não se trata de um crime, mas sim de uma infracção. Não existe equiparação face às normas aplicadas pela Policia de Segurança Pública aos Trabalhadores Não Residentes sobre crimes cometidos no território, em que não podem regressar a Macau.”
O advogado afirma que o diploma anti-tabaco, comparando com Hong Kong ou outros países, “é razoável e até semelhante”. “O problema está na forma como o Governo põe em prática esta questão. Parar as pessoas na fronteira não é a forma mais adequada.”
“Fundamentalismo anti-tabaco”
Para Arnaldo Gonçalves, advogado no território, a aplicação da lei anti-tabaco levou à criação de um “regime espartano” em Macau, onde, subitamente, passaram a existir demasiadas regras. “Dou o exemplo da calçada portuguesa junto ao Clube Militar, num espaço protegido, onde, por causa da proibição de fumar colocaram umas listas azuis que inutilizaram a calçada. Há ausência de bom senso. Macau caiu no fanatismo anti-tabaco.”
E dá outro exemplo. “A plataforma dos helicópteros, junto ao Reservatório, onde muitas vezes é impossível respirar no local devido ao fedor de gasóleo que se sente ali. Tanto se permitem casos deste género como não se pode fazer nada.”
O jurista não tem duvidas. “É uma medida exagerada, graças aos magníficos deputados que criaram a lei. Estamos numa situação de fundamentalismo anti-tabaco, onde passamos da bandalheira para uma fase onde não se pode fazer nada”, refere Arnaldo Gonçalves que conclui, em seguida: “É uma lei desproporcionada no âmbito da sanção. Se existissem casos onde alguém matasse ou ferisse.” Também o profissional das leis Henrique Saldanha afirmou que “tem de existir um equilíbrio e bom senso”.
“Quem é que estamos a punir?”
Miguel Senna Fernandes deixou de fumar há 16 anos, mas não deixa de considerar “estúpido” este trâmite legal para quem visita Macau. “O consumo do tabaco está enraizado em Macau e pretendem erradicar isso da sociedade, mas não tem nada a ver com o turista que é fumador. Só quero ver como a Administração vai executar isso. A questão é saber quem é que estamos a punir. Considerar uma pessoa ‘non grata’ só porque fumou, não sei que interpretação foi esta. Estamos na caça às bruxas? Isto ultrapassa um pouco as finalidades da lei.”
Para o advogado macaense, é impossível proibir totalmente o tabaco em Macau, porque tal seria “politicamente fatal”, lembrando os tempos da Lei Seca nos Estados Unidos, nos anos 20 do século passado. Mas fala de uma situação dúbia que se vive no território. “Permitimos a circulação dos cigarros, mas depois dificultamos o consumo.”
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