Mário Soares - Diário de Notícias, opinião
1 A França é um dos países-chave no quadro europeu. Por ser ela, como a Alemanha, em 1957, que lançou o projecto europeu, numa Europa devastada do pós-guerra, que começava a recompor-se, com a bênção do plano Marshall. Mas também porque a Itália e os três países do Benelux - Bélgica, Holanda e Luxemburgo -, os outros Estados fundadores, saídos da guerra, contavam ainda bastante pouco.
Sem o entendimento franco-alemão não teria havido CEE, até porque a Inglaterra, com Winston Churchill, tendo participado no Congresso do Movimento Europeu, em Haia, em 1948, e lançado a ideia dos "Estados Unidos da Europa", teve logo o cuidado de afirmar que o Reino Unido não participaria na nova instituição europeia. Talvez por ser um dos Estados vencedores da guerra, a par dos Estados Unidos e da URSS, "os três grandes", e acreditar ainda que não se poderia tocar no império de Sua Majestade Britânica.
Mas não foi o que aconteceu. O mundo do pós-guerra mudou muito, como se sabe. O grande movimento de descolonização intensificou-se a partir de 1960, após a Conferência de Bandung (1955), os Aliados da guerra dividiram-se, com o início da Guerra Fria, o aparecimento dos não alinhados - Tito, Nehru e Nasser - e a divisão da Europa em duas, separada pela cortina de ferro, que dividia também a própria Alemanha.
Com De Gaulle, o grande resistente francês, foi criada a V República, iniciada a descolonização dos impérios inglês e francês, aceite, finalmente, a independência da Argélia, após uma guerra cruenta, e a França, com os seus sucessivos presidentes - Alain Poher, Pompidou, Valéry Giscard d'Estaing, Miterrand, Chirac - viveu anos de expansão, ajudou ao desenvolvimento da CEE, depois União Europeia, dado o seu bom entendimento com a Alemanha, acolheu o Reino Unido no seu seio, embora sempre renitente, e contribuiu, com sucessivos alargamentos, para a entrada de outros Estados membros, como a Espanha e Portugal. A reunificação da Alemanha veio depois. O único sobressalto, que chegou a assustar De Gaulle, foi Maio de 1968, que foi mais uma revolução de costumes, que deixou grandes marcas, do que uma revolução político-social. O regime semipresidencialista, inventado por De Gaulle e Debré, manteve-se o mesmo, durante muitos e bons anos. Até hoje.
Com o colapso do comunismo a Europa iniciou uma nova fase de integração e passou a ser, com o Tratado de Maastricht, mais do que um espaço económico de livre câmbio. Tornou-se numa União, criando mais tarde uma moeda única, o euro, e alargando as suas fronteiras, com adesão dos Estados de Leste, até à Rússia, que, entretanto, deixou de ser URSS, graças ao grande Gorbachev, conseguindo mudar o sistema quase sem um tiro.
Em 2008 deu-se a segunda grande crise global, a maior crise do capitalismo, incluindo a grande crise de 1929-30. Começou nos Estados Unidos da América, em consequência da globalização e do neoliberalismo, que criou o chamado capitalismo de casino, a economia virtual, a superioridade dos mercados sobre os Estados, os paraísos fiscais, as agências de rating e considerou o dinheiro como o valor supremo.
A crise global, iniciada na América, comunicou-se à União Europeia, onde a ideologia neoliberal tinha criado já algumas raízes, impulsionadas pela "terceira via", do famigerado Senhor Blair. As duas grandes famílias políticas europeias, a democracia cristã e o socialismo democrático, começaram a perder força, substituídas, respetivamente, pelos partidos populares, ultraconservadores, e pelos socialistas blairistas, mais ou menos adeptos do neoliberalismo.
Assim se explica a perda de prestígio da União Europeia, desde a crise de 2008, e a incapacidade dos seus líderes para lutar contra uma crise, que eles próprios, ajudaram a criar.
É neste contexto que o atual Presidente de França, Nicolas Sarkozy, reacionário de raiz, volátil e oportunista, vai disputar em França um novo mandato, tendo como principal rival François Hollande, socialista convicto, inimigo do economicismo financeiro e partidário do Estado social, que - diga-se - deu à Europa quatro décadas de paz, de justiça social, de pleno emprego e de bem-estar.
Curiosamente, Nicolas Sarkozy, tornou-se, com o avolumar da crise e talvez das dificuldades de França, numa espécie de assessor da Senhora Merkel, que, vinda da Alemanha comunista e depois aliada do partido neoliberal de extrema direita, tem vindo a travar a necessária evolução europeia, procurando "germanizá-la", ao seu gosto, como se isso fosse possível. Não creio que seja. A União Europeia, governada esmagadoramente por partidos populares ultraconservadores, está em descrédito profundo e, como disseram Helmut Schmidt e Jacques Delors, "à beira do abismo". É imprescindível evitar esse enorme risco.
As eleições presidenciais francesas têm lugar em abril próximo e podem contribuir, penso eu, para impedir essa catástrofe anunciada. Para tanto é preciso que o rival de Sarkozy, François Hollande, as ganhe. As sondagens têm evoluído ultimamente em favor de Sarkozy, que cada vez se situa mais à direita para roubar votos à candidata Marine Le Pen. O que propôs para retirar os imigrantes de França, quando ele próprio é filho de um imigrante húngaro, constitui uma verdadeira vergonha. A Senhora Merkel está tão preocupada com a não eleição de Sarkozy, seu aliado e quase vassalo, que tem vindo a fazer, junto dos Estados europeus, propaganda aberta de Sarkozy. O que talvez só o prejudique...
Por outro lado, François Hollande, no sábado passado, num encontro com os socialistas europeus, organizado pela Fundação Jaurès, socialista francesa, pela Fundação Ebert, social-democrata alemã, e pela Federação dos Partidos progressistas, o italiano de Massimo d'Alema, entre outros, assumiu, nesse histórico fórum, o comando da "revolução social-democrata na União Europeia", assinando uma aliança, nesse sentido, com os seus camaradas alemães e italianos. Trata-se de algo muito importante, que dá uma nova esperança aos europeus progressistas e quebra o desânimo que tanto os tem caracterizado. Representa um compromisso, quanto ao futuro, com o obje- tivo de mudar a política económica e social europeia e vencer a crise. Apostando mais no crescimento económico e na luta contra o desemprego do que nas medidas de austeridade. Estiveram presentes Pier Luigi Bersani, secretário do Partido Democrata Italiano; Sigmar Gabriel, líder dos sociais-democratas alemães; Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu; Hannes Swodoba, dirigente dos socialistas austríacos e presidente do grupo socialista do Parlamento Europeu; e o búlgaro Sergei Stanishev, dirigente do Partido Socialista Europeu, entre outros.
Curiosamente, ao que julgo, os líderes socialistas de Portugal e Espanha - Seguro e Rubalcaba - estiveram presentes. Certamente porque tinham compromissos nacionais. Foi, contudo, para ambos, necessariamente, um grande estímulo que vai repetir-se, para que a Europa possa recuperar a antiga glória e mudar de rumo.
A ONU VAI MAL
2 Há um ano que a Síria do ditador Bachar al-Assad, procura resistir às manifestações dos seus compatriotas que saíram à rua a reclamar democracia e liberdade, como tantos outros Estados da primavera islâmica. Bachar al-Assad, como o ditador seu Pai, fez ouvidos de mercador e tentou com uma violência inaceitável castigar os seus compatriotas, pondo as suas milícias armadas, com armas muito sofisticadas, a matar sem piedade os "terroristas", como ele agora lhes chama. A ONU, com a memória presente de Kadhafi, ditador da Líbia, pretende evitar as sucessivas carnificinas e a destruição das cidades mais atingidas e levou o caso ao Conselho de Segurança para intervir. No entanto, a ONU foi paralisada, apesar de a Liga Árabe estar a seu favor e contra o ditador sírio, pelo veto (inaceitável) de dois Estados muito pouco democráticos: a Rússia e a China. É o mundo em que vivemos, onde o valor do dinheiro e dos interesses económicos se sobrepõem à ética e ao humanitarismo...
A ONU recuou, apesar da violência crescente do Governo sírio e do escândalo de tanta mortandade. Ultimamente, nomeou o antigo secretário-geral da ONU Kofi Annan, para se deslocar à Síria e convencer Bachar al-Assad, a acabar com o terrorismo, de um Governo sem escrúpulos. Mas infelizmente não o convenceu. O ditador não aceita sair do seu país, protegendo a sua vida e a da sua família. Como Kadafi não aceitou qualquer saída e, provavelmente, vai ter a mesma sorte, cedo ou tarde... A matança de milhares de inocentes, continua. O ditador chama agora terroristas da Al- Qaeda, a uma população que se limita a gritar pelos Direitos Humanos, não suporta mais o ditador e reclama liberdade, o que, diga-se, há muitos anos não conhece.
Várias embaixadas árabes saíram da Síria: Koweit, Omã, Emirados Árabes, Qatar, bem como a Arábia Saudita e o Barhein. Há quem pense recorrer ao Tribunal Internacional de Haia. Os russos querem encontrar uma solução. Mas qual, se protegem o ditador? O mundo dito civilizado está assim...
CUBA: O MERCADO OU A MORTE?
3 É o título de um artigo publicado no El País de domingo que descreve aquilo que sabemos há muito: que o regime totalitário imposto por Fidel Castro, sem ajuda económica externa - como teve nos tempos da URSS e depois da China -, sem se abrir ao exterior, conduz, necessariamente, a população enormemente empobrecida a uma sobrevivência difícil.
O Presidente Raúl Castro, irmão de Fidel, tenta uma abertura económica, desde o início, mas não quer - ou não pode - fazer concessões políticas. Daí o tremendo imbróglio que Cuba vive há alguns anos. Desde a substituição de Fidel. Os Estados Unidos têm culpas no cartório, uma vez que não terminam com o bloqueio a Cuba, dadas as pressões dos cubanos que vivem em Miami. Se o tivessem feito, Cuba há muito seria um país diferente, livre, democrático, próspero e progressivo. Assim é uma sobrevivência de outra era...
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