segunda-feira, 12 de março de 2012

O PRESIDENTE ANARQUISTA




Viriato Soromenho-Marques – Diário de Notícias, opinião

Existem banqueiros que justificam o título da obra de Pessoa. São capazes de dinamitar as bases financeiras de países inteiros, movidos só pela mais cega das ganâncias. O que ainda não sabíamos é que poderíamos ver sair de Belém os fumos de uma espécie de anarquismo intermitente, praticado pela pessoa do mais alto magistrado da Nação.

O papel do Presidente na III República portuguesa não é fácil. Ele tem de reunir a maior qualidade do juízo político, que é a capacidade de se colocar no lugar dos Outros. Não admira que o cargo tenda a desenvolver uma espécie de gravitas, inerente à responsabilidade de se colocar no lugar plural de dez milhões de portugueses, ainda por cima a viverem numa época amargurada e incerta. Compensando os papéis do Governo e da Assembleia da República, que constituem os lugares da dilaceração democrática, da luta de ideias, do debate das escolhas, o Presidente é o símbolo da capacidade original de reconciliação em que assenta todo o poder legítimo.

O Presidente é aquele que convoca a nação, se necessário for, para a renovação do contrato social, pois o poder de um povo é o seu desejo de permanecer unido no mar tempestuoso da história. Infelizmente, Cavaco Silva, ao longo deste mandato, tem preferido renunciar à sua função mais nobre, a de ser uma espécie de "alma do Estado", para surpreender o País com sucessivas exposições públicas dos seus "estados de alma". Seja a sua dificuldade em viver com um rendimento superior em quinze vezes ao salário médio nacional. Ou a sua ressentida tendência para ajustar contas com adversários, como se ainda fosse um líder de fação.

A Nação não pode ser o grupo terapêutico do seu Presidente. E a República não pode tolerar que o seu rosto se torne o seu calcanhar de Aquiles.


Sem comentários:

Mais lidas da semana