segunda-feira, 12 de março de 2012

Regime de Eduardo dos Santos não quer. Mas o "Folha 8" já faz parte da história de Angola!




Orlando Castro*, jornalista – Alto Hama*

A Redacção do jornal angolano Folha 8 foi hoje invadida por cerca de 15 homens da DNIC - Direcção Nacional de Investigação Criminal sob mandato da Procuradoria Geral da Republica. Foram confiscados todos os computadores e os jornalistas foram confrontados com ameaças e actos de brutalidade.

O meu amigo António Kaquarta dizia-me um dias deste que temia pela vida, entre outros, do William Tonet, director do Folha 8. É caso para isso. Os ditadores não olham a meios.

Ao mesmo tempo que alguns ditadores (ainda poucos, é certo) começam a cair, o mundo dito (nem sempre é verdade, mas...) democrático começa a gerar outros e a aguentar alguns que ainda não passaram de bestiais a bestas.

No caso de Angola, José Eduardo dos Santos (no poder há 32 anos sem ter sido eleito) ainda está de acordo com o barómetro internacional dos ditadores bons. Não é que ele se preocupe muito com isso. E o caso de hoje com o Folha 8 revela que o regime ainda tem mais trunfos. A fase do mata primeiro e pergunta depois está para breve.

O governo angolano, no poder deste 1975, não tem tido vontade, embora tenha os meios, para resolver os problemas de água, luz, lixo, saúde, trabalho e educação dos angolanos. A juventude não tem casa, não tem educação, emprego e não tem futuro. Os trabalhadores têm salários em atraso e não conseguem obter crédito bancário.

E quando algum jornal resolve dizer, mesmo que com alguns excessos, estas verdade entra imediatamente na linha de fogo do regime. O Folha 8 está nessa linha há muito, muito tempo.

Estes são, contudo, problemas internos que não alteram a posição de José Eduardo dos Santos no ranking dos ditadores amigos do Ocidente que, hoje como no sábado, lhe dá cobertura total a troco do petróleo, por exemplo.

E não alteram o ranking porque coisas tão banais como casa, saúde, educação, comida, não são preocupações essenciais para os que vão a Angola e, através dela, a Cabinda, sacar a única coisa que lhes interessa e que é regra de ouro para uma boa qualificação entre os ditadores bestiais, o petróleo.

Estar 32 anos no poder, com o poder absoluto que tem nas mãos (é além de presidente da República e também líder do MPLA e chefe do Governo), faz de José Eduardo dos Santos um dos ditadores ou, na melhor das hipóteses, um presidente autocrático, há mais tempo em exercício.

O facto de não ser caso único, nomeadamente em África, em nada abona a seu favor. Sabe todo o mundo, mas sobretudo e mais uma vez África, que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. É o caso em Angola. Mas ninguém se preocupa com isso. Por enquanto, é óbvio.

Só em ditadura, mesmo que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase sempre pensa com a barriga (vazia) e não com a cabeça, é possível estar tantos anos no poder. Em qualquer estado de direito democrático tal não seria possível.

Aliás, e Angola não foge infelizmente à regra, África é um alfobre constante e habitual de conflitos armados porque a falta de democraticidade obriga a que a alternância política seja conquistada pela linguagem das armas. Há obviamente outras razões, mas quando se julga que eleições são só por si sinónimo de democracia está-se a caminhar para a ditadura.

Com Eduardo dos Santos passa-se exactamente isso. A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau. Permitiu ao actual presidente perpetuar-se no poder, tal como permitiu que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai vendo até parece que teve razão) a única via para mudar de dono do país.

É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para canhão.

Por outro lado, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente EUA e União Europeia, ajudou a dotar José Eduardo dos Santos com o rótulo de grande estadista. Rótulo que não corresponde ao produto. Essa opção estratégica de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no âmbito económico.

É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.

É, como acontece com José Eduardo dos Santos, muito mais fácil negociar com o líder de um clã que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracias, representante temporário do povo soberano.

Bem visível na caso angolano é o facto de, como em qualquer outra ditadura, quanto mais se tem mais se quer ter, seja no país ou noutro qualquer sítio. Por muito pequeno que seja o ditador, o que não é o caso de José Eduardo dos Santos, a História mostra-nos que tem sempre apreciável fortuna espalhada pelo mundo, seja em bens imobiliários (como era tradição) ou mais modernamente nos paraísos fiscais.

A partir do momento em que deixou de ter Jonas Savimbi como bode expiatório para tudo, Eduardo dos Santos arranjou outros alvos. Um deles foi a Imprensa que, apesar das dificuldades, ainda vai dizendo algumas verdades. Daí a razão pela qual, mais uma vez, os donos do país querem calar o Folha 8.

Desde 2002, o presidente vitalício (ao que parece) de Angola tem conseguido fingir que democratiza o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completamente quase todos aqueles que lhe poderiam fazer frente.

Não creio que, até pelo facto de o país ter estado em guerra dezenas de anos, José Eduardo dos Santos tenha as mãos limpas de sangue. Aliás, nenhuma ditador com 32 anos de permanência seguida no poder, tem as mãos limpas.

Mas essa também não é uma preocupação. Quando se tem milhões, pouco importa como estão as mãos. Aliás, esses milhões servem também para branquear, para limpar, para transplantar, para comprar (quase) tudo e (quase) todos.

Tudo isto é possível com alguma facilidade quando se é dono de um país rico e, dessa forma, se consegue tudo o que se quer. E quando aparecem pessoas como os jornalistas do Folha 8 que não estão à venda, e que por isso incomodam e ameaçam o trono, há sempre forma de os fazer chocar com uma bala.

Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes dos portugueses ou de qualquer outro povo, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que José Eduardo dos Santos tenha mais alguns fiéis seguidores, sejam militares, políticos, empresários e até supostos jornalistas.

É claro que, enquanto isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois... com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as assimetrias sociais são chagas imputáveis ao Poder. E quem está no poder há 32 anos é sempre o mesmo, José Eduardo dos Santos.

Vale, ao menos, que a equipa do Folha 8 consegue dar voz a quem a não tem. Eduardo dos Santos sabe que a verdade dói, mas ainda não compreendeu que – apesar disso – só ela pode curar.

É verdade que Eduardo dos Santos pode fazer quase tudo o que lhe apetece. Mas a dignidade dos jornalistas do Folha 8 ele não pode tirar. Nem o facto, que certamente o incomoda, de o Folha 8 fazer parte da História de Angola e da Lusofonia, seja quem for que a venha a escrever.

* Orlando Castro, jornalista angolano-português - O poder das ideias acima das ideias de poder, porque não se é Jornalista (digo eu) seis ou sete horas por dia a uns tantos euros por mês, mas sim 24 horas por dia, mesmo estando (des)empregado.

Título anterior do autor, compilado em Página Global: O SOL DO REGIME ANGOLANO

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