segunda-feira, 2 de abril de 2012

Angola: “UMA PAZ SEM VOZ NÃO É PAZ, É MEDO”, diz Kamalata Numa



Deutsche Welle

Dez anos depois do fim da guerra em Angola, o general Kamalata Numa, antigo secretário-geral do maior partido da oposição, UNITA, deseja mais alternância de poder na próxima década. E mais direitos e liberdades.

Abílio Kamalata Numa chegou a lutar ao lado de Jonas Savimbi, o líder histórico da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), cuja morte em fevereiro de 2002 iniciou o processo de reconciliação nacional. No dia 4 de abril desse ano foi assinado em Luanda o acordo de paz entre a UNITA e o governo do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder) que pôs fim a uma das mais longas e sangrentas guerras no continente africano.

Em entrevista à DW África, Abílio Kamalata Numa, um dos últimos generais da UNITA que ainda continua politicamente ativo, faz um balanço destes dez anos de paz em Angola. Um país onde, a seu ver, ainda é preciso lutar pelo direito à vida e onde muitos direitos consagrados na Constituição não são exercidos na sua plenitude.

DW África: Do seu ponto de vista, quais são as maiores conquistas nestes dez anos de paz?

Abílio Kamalata Numa (AKN): Primeiro, é ter terminado a guerra. Esta é uma das conquistas importantes. E a outra premissa é estarmos nos primórdios do Estado de direito democrático. Acho que estas duas conquistas têm de ser aprofundadas para que, de facto, todos nós consigamos usufruir dos seus frutos.

DW África: A seguir à guerra, Angola viveu um dos maiores crescimentos económicos no mundo, atingindo um crescimento do PIB de mais de 20% em 2005 e em 2007. Apesar desse crescimento, muitos angolanos continuam a viver na pobreza. Como explica esta falta de dividendos da paz para muitos?

AKN: O desenvolvimento de Angola é irrisório porque não reflete o desenvolvimento da economia nacional. É um desenvolvimento direcionado só para um setor da economia: a extração do petróleo e a extração de diamantes.

E naquela altura em que o preço do petróleo tinha atingido picos altos – quando o barril andava a volta dos cento e tal dólares – isso refletiu-se também na economia de Angola, sobretudo com o incremento da exploração do petróleo.

Em determinada altura, Angola chegou a exportar dois milhões de barris por dia. Isso refletiu-se nos indicadores que foram fornecidos à comunidade internacional, mas internamente esta situação não teve nenhum efeito.

DW África: Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), Angola tem um desenvolvimento humano ao nível de Madagáscar, apesar de ter um Produto Interno Bruto (PIB) cinco vezes mais alto do que o de Madagáscar. Como se explica isso?

AKN: Os níveis de corrupção são tão altos no país que a maior parte do dinheiro que vem do setor extrativo do petróleo e dos diamantes é desencaminhado para mãos indevidas. [Daí] o enriquecimento ilícito de muitas famílias, enriquecimento de todos os funcionários, corrupção endémica em todos os setores do Estado angolano.

Isso tem feito com que os dinheiros públicos não sejam encaminhados prioritariamente para a saúde, para a educação e para o desenvolvimento económico na área primária, isto é, fomento das zonas rurais, com maior produção agropecuária e também da pequena indústria que deve ser o fundamento de qualquer desenvolvimento sustentável de um país como o nosso, saído de um colonialismo que foi longo e de uma guerra que também foi longa.

DW África: Os recursos naturais que abundam em Angola, como o petróleo e os diamantes, são uma bênção ou uma maldição para o país?

AKN: São uma bênção. Agora nós é que temos de ter consciência de que devem servir os angolanos e não mãos indevidas. O que tem acontecido nos últimos tempos é que [os recursos] têm sido desencaminhados.

Angola foi abençoada com esses recursos e os angolanos têm de ter consciência de que esses recursos têm de servir os angolanos e não pequenos grupos e famílias bem conhecidas.

DW África: Se comparar o estado de liberdade antes do fim da guerra e hoje, qual é o seu balanço?

AKN: Eu tenho dito que uma paz sem voz não é paz. É medo. Nós aqui em Angola ainda lutamos pelo direito à vida e isso significa que, em termos de liberdades consagradas na Constituição, não usufruímos de nenhuma.

Fala-se do direito de expressão, do direito à manifestação e de outros direitos consagrados na nossa Constituição, mas nenhum desses direitos é exercido na sua plenitude, porque há um senhor que quer que assim seja. O senhor Presidente da República fez recuar imenso Angola nesse contexto.

E neste preciso momento, em Angola não há direitos. Um cidadão como o Filomeno Vieira Lopes, [secretário-geral] do Bloco Democrático, vai para uma manifestação e sai de lá machucado, com um braço machucado. Um cidadão vai para uma manifestação e é preso.

Portanto, não pensemos que estamos com mais liberdades neste momento em Angola, mas temos de ir à conquista desses direitos.

DW África: Para os próximos dez anos, o que é que deseja?

AKN: O meu primeiro desejo é que os angolanos entendam que o MPLA precisa de um tempo para refletir melhor como gerir os angolanos. Isso significa que nos próximos dez anos devíamos ter alternância de poder em Angola para termos um regime que refunde o Estado angolano.

Autor: Nelson Sul D’Angola (Benguela) - Edição: Madalena Sampaio/Johannes Beck

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