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Ainda é preciso construir a paz em Angola, considera José Patrocínio (na foto, com os braços erguidos). Ao falar à DW África, o ativista critica o favoritismo, fala em rever a Constituição e sonha com um país mais justo.
Há dez anos, foi assinado o acordo de paz em Angola. Para as armas, significou o silêncio. Para a população, a voz. Foi uma década de conquistas: eleições e uma nova Constituição. Mas ainda há que se construir a paz e avançar no âmbito social.
Segundo dados das Nações Unidas, Angola tem um desenvolvimento humano ao nível do Madagáscar, apesar de ter um PIB per capta cinco vezes mais alto que o do país insular. Para o coordenador da ONG Omunga, José Patrocínio, a explicação está na falta de vontade política e na má distribuição dos recursos económicos. Na entrevista a seguir, ele afirma que as conquistas são méritos do povo angolano e devem ser revertidas para o bem estar comum.
DW África: Quais são, no seu ponto de vista, as maiores conquistas nestes dez anos de paz?
José Patrocínio: Não considero que estamos a viver em paz. Considero, sim, que estamos a viver dez anos de calar das armas. Talvez esta seja a maior conquista, precisamente as armas terem se calado, a guerra ter terminado. Mas, obviamente, é necessário continuar a construir a paz.
DW África: Por que considera que não são dez anos de paz, mas dez anos do calar das armas?
JP: Porque continuamos com a intolerância política e com os ódios guardados dentro dos nossos corações. Não se fez um processo de pacificação, não se fez um processo de transição. Acredito que o processo constituinte poderia ser esse processo de pacificação e reunificação, mas não foi utilizado nesse sentido, já que o resultado é esse que estamos a ter agora.
DW África: A seguir à paz, Angola viveu um dos maiores crescimentos económicos entre todos os países do mundo, atingindo um crescimento de mais de 20%, em 2005 e em 2007. Apesar disso, muitos angolanos continuam a viver na pobreza. Como se explica esta falta do "dividendo da paz" para muitos?
JP: A questão fundamental está na vontade política, nas estratégias definidas, nas políticas traçadas e no sentido de justiça. Isso reverte-se porque precisamente esse calar das armas tem favorecido a vida de alguns cidadãos angolanos, mas isso em prejuízo da maioria.
Tem-se dado um enfoque à questão económica, mas essa questão económica apenas beneficia um grupo específico, ligado ao poder - seja o poder político, económico ou militar - e, portanto, eles têm ganho com o crescimento. Mas a maior parte da população obviamente não obtém benefícios. Não há um investimento do crescimento económico no bem social, no bem de todos.
DW África: Segundo dados das Nações Unidas, Angola tem um desenvolvimento humano ao nível do Madagáscar. Apesar de ter um PIB per capita cinco vezes mais alto. O que se passa?
JP: Os recursos que Angola ganha com a exportação de algumas matérias-primas, nomeadamente o petróleo, não são usados na melhoria da qualidade de vida dos próprios cidadãos. É revertido apenas no benefício da qualidade de vida de algumas das pessoas que cresceram a sua qualidade de vida - e muito mesmo.
DW África: Os recursos naturais que abundam em Angola, como o petróleo e os diamantes, são uma bênção ou uma maldição para o país?
JP: Obviamente que os recursos naturais nunca são uma maldição, são sempre uma bênção mesmo que não sejam geridos para o bem de todos. É mais importante termos petróleo do que não termos.
O que é importante agora é gerirmos esses recursos em benefício de todos. Das reservas de petróleo que temos, trazemos bens sociais nos setores da saúde, da educação e de todos os bens que as pessoas precisam para ter uma qualidade de vida digna.
DW África: Se compara o estado da liberdade antes do fim da guerra e a realidade nos dias atuais, qual é o seu balanço?
JP: Há mudanças e para o positivo. Portanto, só o calar das armas permite já às pessoas melhorias e certas condições. Poderem circular e se comunicar. As pessoas terem acesso a uma série de tecnologias que não tinham antes, no tempo da guerra. As pessoas terem mais possibilidades de se manifestar, de expressar as suas opiniões e de participar, mesmo que encontrem muitos obstáculos.
Mas há, com o calar das armas, muito mais conquistas e muito mais abertura. Não porque o poder nos facilita esta abertura, mas à custa das conquistas das lutas dos cidadãos.
DW África: Para os próximos dez anos de Angola, qual seria o seu desejo?
JP: Uma Angola mais justa para todos. Uma Angola em que as diferenças entre as pessoas seja a menor possível. Não estamos a dizer para acabar com os ricos, mas que haja menos diferença entre as pessoas mais ricas e as pessoas mais pobres.
Que todas as pessoas tenham acesso aos serviços de saúde e de educação, aos serviços sociais. Que tenham acesso ao respeito à sua dignidade, possam participar livremente e manifestar-se livremente. Possam ter acesso à informação e que os jornais não estejam controlados, mas sim livres.
Enfim, acredito num país justo e democrático, em que a Constituição deverá ser revista. Que voltemos a ter uma forma de eleição do presidente diferente daquela que consta na atual Constituição e que os cidadãos vão ter mais paz e participação.
Autor: Nelson Sul D'Angola (Benguela) - Edição: Cris Vieira/Renate Krieger
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