Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião
O presidente da República (PR) promulgou, no dia 18 de junho, a lei que introduziu a terceira alteração ao Código de Trabalho, depois da sua configuração de 2003. Todas as revisões ao Código foram apresentadas pelos governantes como mudanças necessárias para estabilizar a regulação das relações de trabalho, assegurar a criação de emprego e o aumento da produtividade e da competitividade. Os resultados foram sempre no sentido oposto.
O PR, no comunicado em que anunciou a promulgação do diploma, repete mais uma vez: "Com a entrada em vigor desta reforma da legislação laboral, deverá assegurar-se, a partir de agora, a estabilidade das normas reguladoras das relações laborais, com vista à recuperação do investimento, à criação de novos postos de trabalho e ao relançamento sustentado da economia portuguesa".
Esta é uma afirmação politicamente fraudulenta. As provas desta acusação estão naquilo que observamos sobre o passado e em dois factos do presente que o PR escamoteia.
Primeiro, a troika, na recente avaliação do Memorando, afirmou-se "preocupada" com a escalada do desemprego, mas considerou que "são urgentemente necessárias mais medidas para melhorar o funcionamento do mercado laboral" e sugeriu o fim da contratação coletiva. Tais posições públicas surgiram quando a lei que o PR agora promulgou já estava aprovada e a caminho da promulgação, ou seja, a escalada continuará.
Segundo, a troika assumiu que o aumento do desemprego é superior ao esperado em função da queda do Produto Interno Bruto (PIB), e esta semana o Ministério da Economia disse o mesmo. De facto, o desemprego aumenta mais do que seria de prever face à queda do PIB, porque a volatilidade que marca a criação/destruição de emprego, conjugada com o aumento da precariedade e da desproteção dos trabalhadores, é demolidora para o emprego.
A defesa do emprego é um imperativo estratégico de qualquer política que vise a saída da crise. O PR colocou-se do lado dos que utilizam o desemprego como instrumento para o empobrecimento da sociedade portuguesa.
O presidente afirma, também, que "não foram identificados indícios claros de inconstitucionalidade que justificassem a intervenção do Tribunal Constitucional". Trata-se da interpretação de quem considera as receitas da troika como expressão do "interesse nacional", ou seja, de quem coloca os interesses egoístas e prementes dos nossos credores e dos agiotas acima do Estado de Direito e da Constituição da República (CR).
Existem múltiplos pronunciamentos, que o PR conhece, de destacados juristas e constitucionalistas, com fortes argumentos que evidenciam diversas inconstitucionalidades. A CGTP-IN remeteu-lhe um texto bem contido identificando violações da CR.
António Monteiro Fernandes, um dos mais conceituados especialistas do Direito do Trabalho enuncia, no "Público" do passado dia 20, quatro matérias que considera apenas "as mais visíveis" enquanto portadoras de "indícios claros" de inconstitucionalidade. São elas: os bancos de horas; a eliminação de feriados e a redução das férias; a suspensão de cláusulas das convenções coletivas que tratam das contrapartidas do trabalho suplementar; a reformulação do processo de cálculo das compensações por despedimento.
A lei promulgada pelo PR constitui, sem dúvida, uma brutal operação de transferência de riqueza dos trabalhadores para as mãos dos grandes acionistas de grupos económicos, de reforço do poder patronal e um contributo para o agravamento do desemprego.
Os novos regimes de bancos de horas, garantindo aos patrões sem escrúpulos a total substituição do trabalho suplementar, valem milhões por ano.
A eliminação de quatro feriados e três dias de férias são 7 dias de trabalho gratuito.
A redução em 50% da remuneração por trabalho suplementar e a eliminação do descanso compensatório eliminam a retribuição e o tempo dos trabalhadores.
A redução das indemnizações por despedimento, que gerará mais desemprego, é para os grandes grupos empresariais um ganho financeiro chorudo.
Os trabalhadores portugueses estão convidados a trabalharem muito mais, recebendo muito menos. Declinemos o convite!
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