terça-feira, 7 de agosto de 2012

CONTRA-REVOLUÇÃO




Carvalho da Silva – Jornal de Notícias, opinião

As alterações à legislação laboral, que entraram em vigor em 1 de Agosto, são, sem dúvida, expressão máxima da contra- -revolução nas relações de trabalho. No decurso dos últimos 10 anos foi feito, passo a passo, debaixo de pressões e chantagens de setores patronais retrógrados, com cumplicidades de governantes que se situam entre o PP e o PS e a condescendência de algumas organizações sociais e também da UGT, um ataque continuado aos direitos dos trabalhadores. Agora consubstancia-se em lei, ao arrepio da Constituição da República, uma inversão do sentido progressista que marcou o caminhar da legislação do trabalho, desde os finais da década de sessenta do século passado.

Quero dizer que não ignoro três fatores que qualquer estudioso deste tema elencará imediatamente: primeiro, são muitos os impactos provocados pelas mudanças estruturais e organizacionais nas empresas e nos serviços, bem como os efeitos de avanços tecnológicos, comunicacionais e outros, que a evolução das leis laborais não pode deixar de ter em conta; segundo, a cartilha neoliberal está com muita força, tem dimensão europeia e mundial, não é fácil resistir às imposições dos "mercados", à substituição do valor do trabalho pela especulação financeira; terceiro, a responsabilidade de não se terem construído posições justas progressistas e dinâmicas assentes em consenso amplo à esquerda e com força na sociedade não é apenas de uma organização social ou política.

Esta legislação que vão tentar impor no mundo do trabalho tem por objetivos: flexibilizar e precarizar o trabalho até ao limite possível; aumentar o desemprego para instabilizar, inquietar e desassossegar o mais possível a vida dos trabalhadores e das suas famílias; prosseguir a imposição de formas cada vez mais expeditas de aumentar e multiplicar a riqueza dos que se apoderaram do poder sem controle, designadamente através da redução dos salários e do aumento do tempo de trabalho.

Os efeitos conjugados daqueles três objetivos colocam o trabalho a preço de saldo e são demolidores para o Estado social, outro dos pilares das democracias que o neoliberalismo está determinado em destruir.

Como o próprio Governo faz questão de provocatoriamente propagandear, apenas 3 ou 4 das medidas legislativas adotadas provocarão um corte de 5,23% de redução no custo por hora trabalhada. O valor real do impacto do conjunto das medidas deve ser muito maior e urge conhecê-lo.

Toda a redução é feita à custa dos trabalhadores. É um roubo descarado. É uma transferência direta de uma grande fatia do trabalho para o capital, num contexto em que os capitalistas pegam nos lucros que vão obtendo na economia real e colocam-nos na especulação financeira. Não reinvestem e estão-se borrifando para a necessidade de criação de emprego e para a existência e estabilidade do geral das pequenas e médias empresas. Desiludam-se os empresários destas se pensam que o "novo" Código lhes traz a oportunidade de futuro.

Centrando a "criação" de emprego na gestão de curto prazo de "novas iniciativas" assentes em trabalho precário e barato sem qualquer sustentação estratégica, e em programas de mera propaganda como o "impulso jovem", o "vida ativa", ou o "passaporte emprego", o modelo de desenvolvimento do país, já muito debilitado, cairá a pique. O desemprego em massa e o trabalho barato são inimigos da modernização das empresas e da inovação tecnológica.

O ataque à contratação coletiva é brutal. Governo, especuladores e grandes acionistas de grupos económicos e financeiros sonham destruir definitivamente a contratação coletiva, que foi o instrumento mais revolucionário da evolução institucional das relações de trabalho desde o final da 1.ª Guerra Mundial e o que mais contribuiu para melhorar a distribuição da riqueza.

O poder dos trabalhadores e dos sindicatos está a ser destruído. Sendo o lugar do trabalho central, isto significa que todo o equilíbrio de poderes na sociedade se está a desmoronar. A "questão social" fica prenhe de contradições e de potencial de conflito e acabará, inevitavelmente, por explodir.

Essa explosão pode causar sofrimentos e recuos civilizacionais inimagináveis se não formos capazes de travar a contra-revolução.

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