terça-feira, 14 de agosto de 2012

Jogos Olímpicos: SERÁ QUE VALEM A PENA?




La Vanguardia, Barcelona – Presseurop - 13 agosto 2012 – foto AFP

Para os partidários da organização dos Jogos Olímpicos, as somas colossais investidas têm um impacto positivo em termos de turismo, de renovação urbana e de saúde pública. Na verdade, isso raramente acontece, como o demonstram as cidades que receberam as últimas edições da competição.


Além da magia eterna do desporto, os organizadores dos Jogos Olímpicos e os seus patrocinadores multinacionais costumam esgrimir três argumentos para justificar o enorme gasto de dinheiros públicos que as Olimpíadas implicam: mais de 15 mil milhões de euros no caso de Londres – segundo um relatório do parlamento britânico – sete vezes mais do que o orçamentado em 2005.

Primeiro, argumenta-se, os Jogos têm um impacto económico imediato, devido à chegada de centenas de milhares de participantes e turistas. Além disso, a presença de milhares de executivos de empresas internacionais cria abundantes oportunidades de captação de investimentos. O primeiro-ministro britânico, David Cameron, disse na semana passada que o lucro olímpico para a economia ascenderá a quase 16 mil milhões de euros.

Segundo, os Jogos e outros grandes eventos tornam possível a recuperação de bairros degradados como o East End de Londres, onde foi construído o estádio e a cidade olímpica. Barcelona '92 costuma ser citado como exemplo paradigmático dos Jogos como catalisadores da modernização urbana. E, terceiro, dada a epidemia de excesso de peso e obesidade que afeta sociedades cada vez mais sedentárias, os abdominais esculturais de desportistas como Jessica Ennis ou Usain Bolt podem levar as pessoas a fazer mais exercício.

Postos de trabalho suprimidos

"O que é estranho porque, segundo todos os estudos, nenhum dos três corresponde à realidade", diz Mark Perryman, autor do livro Why the Olympics aren’t good for us (Os Jogos Olímpicos não são bons para nós, OR Books, 2012).

Este comentário pode parecer demasiado contundente mas, em Londres, ao fim de uma semana apenas, o primeiro fator a favor das Olimpíadas foi posto em causa. Habitualmente, Londres recebe a visita de milhão e meio de turistas estrangeiros e nacionais, no mês de agosto, mas calcula-se que, este ano, metade poderá ter decidido não vir, para evitar os problemas logísticos criados pelos Jogos – segundo o economista Michael Burke, vinculado ao antigo presidente da Câmara de Londres, Ken Livingstone. Isto só é compensado pelo número estimado de turistas olímpicos: 800 mil. "Os turistas normais não vieram, o que terá um impacto negativo sobre a economia", opina Burke.

Nestas semanas, em Londres, os únicos estabelecimentos comerciais que aumentam as vendas são as cadeias internacionais e o novo mega centro comercial de Westfield, construído junto ao parque olímpico de Stratford e propriedade de uma imobiliária australiana.

Também são muito poucos os motivos para se pensar que o impacto económico – depois dos Jogos – seja positivo. Na Grécia, verificou-se um crescimento de 1,5% do PIB durante os anos anteriores aos Jogos (1997-2004). Mas, depois, o impacto "decaiu, para não dizer que se esfumou por completo", diz Evangelia Kasimati, economista grega da Universidade de Bath, que acaba de elaborar um relatório sobre os Jogos de Atenas.

A criação de emprego para construir instalações, proporcionar segurança ou guiar as pessoas não dura muito. Segundo Evangelia Kasimati, nos três meses a seguir aos Jogos de Atenas, em 2004, foram suprimidos 70 mil postos de trabalho, principalmente na construção. Passar-se-ia o mesmo com as centenas de milhares de guias e guardas de segurança contratados à última hora por empresa privadas como a G4S.

Poucos aspirantes a desportistas

A mais longo prazo, os Jogos de Atenas – "financiados quase exclusivamente com dinheiros públicos", recorda Evangelia Kasimati – tiveram "um impacto económico bastante modesto". Muitos gregos pensam agora que os Jogos agravaram a já endémica cultura de esbanjamento público na burocracia grega.

Os edifícios icónicos e a nova rede de metro e elétricos deram muito trabalho a empresas estrangeiras como a Siemens e a arquitetos de renome como Santiago Calatrava, mas os custos para o contribuinte foram exorbitantes: pelo menos 12 mil milhões de euros, quatro vezes mais do que o orçamento inicial. O Estado grego está agora a vender, a preços de saldo, algumas instalações olímpicas, como parte do seu programa de privatizações forçadas.

Nalguns casos, o modelo de transformação urbana imposto pelos Jogos Olímpicos é o mundo ao contrário. "Em Atenas, tal como em Sydney, encontrar um uso para os parques olímpicos exigiu grande esforço", diz Beatriz García, especialista em Jogos Olímpicos da Universidade de Liverpool.

Quanto à transformação do East End, Beatriz García mostra-se mais otimista que Sinclair ou Perryman: "Será um hub criativo com oportunidades de crescimento económico". Com o tempo, tal como em Barcelona, "criar-se-á uma comunidade em torno da cidade olímpica e das novas instalações". Mas, como aconteceu em Barcelona, há quem pergunte: que tipo de comunidade será?

Também há poucas provas de que o terceiro fator a favor das Olimpíadas seja verdade. "Só há provas circunstanciais de que o impacto sobre a participação do público em desportos é positiva", sublinha o relatório A lasting legacy for London (Um legado duradouro para Londres). Depois dos Jogos de Sydney só se produziu um aumento do número de praticantes de ginástica aeróbica. Depois dos de Atenas, sim: houve um efeito imediato. Mas logo desapareceu, voltando-se aos níveis anteriores.

Comentário

Demasiados jogos matam os Jogos

“Nos Jogos Olímpicos, há desportos que, de facto, parecem jogos”, observa o editorialista de La Stampa, Massimo Gramellini, que se interroga se não haverá demasiadas disciplinas lúdicas:

Apoio afetuosamente as raparigas com as fitas e os arcos, mas não posso deixar de me questionar: estaremos realmente nos Jogos Olímpicos ou no circo? Por que motivo é admitido o badminton e não os matraquilhos? E os flippers? O jogo da tração à corda daria um espetáculo extraordinário na televisão, já para não falar na corrida de sacos. Podem ter a certeza que, mais cedo ou mais tarde, este último fará parte das disciplinas oficiais.

Esta abundância é, segundo Gramellini, o sintoma de uma civilização corrompida pela incapacidade de escolher e a vontade compulsiva de agradar a todos. […] Felizmente, a memória é seletiva e a única coisa que restará dos jogos são as lembranças dos que correm, nadam, lutam e jogam basquetebol ou voleibol.

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