terça-feira, 14 de agosto de 2012

PIRATARIA NO GOLFO DA GUINÉ



Martinho Júnior, Luanda

1 – Em Luanda reuniu-se o Conselho de Ministros da Comissão do Golfo da Guiné, preocupado naturalmente com os objectivos geo estratégicos e atirado para uma situação de impasse: não possui sequer sede, nem pessoal… (“Combate à pirataria no Golfo da Guiné” – http://jornaldeangola.sapo.ao/20/0/combate_a_pirataria_no_golfo_da_guine)...

Essa não é uma situação original: África tem sido palco de muitas iniciativas, todavia quantas não se tem volatilizado por que são constantes os desencontros entre os interessados, quase sempre por que eles reflectem opções neo coloniais por via de ambiguidades de toda a ordem, de manipulação, ou de ingerência, com as principais potências ocidentais a tirarem partido de seus vínculos.

A Unidade Africana tem sido uma utopia e há sobejas e trágicas provas disso em praticamente todos os conflitos e guerras que vêm eclodindo, particularmente desde o fim do “apartheid”…

Quando há referências ao Golfo da Guiné sistematicamente se recorre ao risco da “pirataria”, a “pirataria” é a “mensagem” dominante, como se os Ministros das Relações Exteriores e outros dignitários (incluindo militares) dos países africanos que assinaram o respectivo Tratado fossem vassalos de potências externas ao Continente e respondessem ao seu domínio em prejuízo das soberanias dos frágeis estados africanos (“Na esteira dum navio pirata” – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/07/na-esteira-dum-navio-pirata.html).

2 – Para além das dificuldades inerentes à Comissão do Golfo da Guiné há dificuldades múltiplas sob o ponto de vista geo estratégico (ver “Ilhas do Atlântico Sul” – Wikipedia – http://pt.wikipedia.org/wiki/Ilhas_do_Atl%C3%A2ntico_Sul):

- A Guiné Equatorial possui em território insular 2.035,5 km2 e 303.509 km2 no espaço Atlântico da sua ZEE;

- São Tomé e Príncipe possui um território totalmente insular com 1.001 km2 e uma ZEE de 131.397 km2 que com outras áreas reivindicadas atinge cerca de 160.000 km2;

- A Grã Bretanha controla por via dos territórios insulares de Ascenção, Santa Helena e Tristão da Cunha, no miolo do Atlântico Sul e em outras regiões importantes (caso das Malvinas), quase 4.000.000 km2 geograficamente situados entre África e a América Latina;

- Os estados das frágeis nações africanas têm dificuldades na definição de suas respectivas Zonas Económicas Exclusivas; (ver a propósito a Wikipedia – http://pt.wikipedia.org/wiki/Zona_econ%C3%B3mica_exclusiva).

- Os estados africanos não possuem meios capacitados para assumir vigilância, controlo e intervenção em relação a esses enormes espaços, alguns deles extremamente sensíveis, como acontece principalmente com as minúsculas e impotentes nações insulares como São Tomé e Príncipe e a Guiné Equatorial (http://www.telanon.info/politica/2010/11/26/5752/pela-primeira-vez-guarda-costeira-fiscaliza-a-zee/);

- As potências ocidentais, particularmente a França, a Grã Bretanha e os Estados Unidos, possuem durante todo o ano naquela região Atlântica meios de inteligência, de reconhecimento e aero-navais com potência superior à de qualquer um dos assinantes do Tratado;

- Os Estados Unidos não é signatário da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar, que está na base da formulação do conceito de Zona Económica Exclusiva, o que pode ser motivo do mais variado leque de implicações (http://www.mar.mil.br/menu_h/noticias/ccsm/Entrevista_Amazonia_Azul/CRE.html);

- A “doutrina” que se aplica por parte dos africanos, é em muitos aspectos subalterna às da NATO e do AFRICOM, o que reflecte a sua impotência e subalternização.

- A supremacia geo estratégica das potências ocidentais é até evidente no tipo de “mensagens” que os africanos difundem, como se fossem “caixas de ressonância”, ou “vassalos” da NATO e do AFRICOM!

3 – De facto nenhum estado africano tem demonstrado por exemplo, uma preocupação prioritária sobre o controlo da sua respectiva Zona Económica Exclusiva, sabendo-se que qualquer uma é manancial de imensas riquezas submersas, ou ainda e por exemplo, preocupação sobre a invasão de frotas de pesca de potências externas ao continente africanos, entre elas várias frotas europeias e asiáticas, um fenómeno que vai ocorrendo impune década após década…

Entre os signatários do Tratado há estados, como por exemplo o Gabão, muito próximo dos países insulares do meio do Golfo da Guiné, que se pode considerar de “estado vassalo”, neste caso da França (“France-Afrique: des accords militaires nouvelle génération” – http://blog.mondediplo.net/2009-06-10-France-Afrique-accords-nouvelle-generation).

O Gabão merece ser observado também sem equívocos, levando em atenção a óptica dos serviços diplomáticos franceses, ou seja, a capacidade de inteligência de Paris sobre Libreville e as implicações que iddo tem no Gabão (“La France et le Gabon” – http://www.diplomatie.gouv.fr/fr/pays-zones-geo/gabon/la-france-et-le-gabon/)...

Basta por exemplo uma onda de protestos em época eleitoral para o governo de turno em Paris decidir uma “ementa militar” secreta, com cobertura mediática apropriada e com um rótulo inócuo, aparentemente inofensivo, mas “operacionalmente” decisivo… (“Protestos no Gabão deixam tropas francesas em alerta” – http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,protestos-no-gabao-deixam-tropas-francesas-em-alerta,429674,0.htm).

4 – Se em relação às potências os estados africanos têm muitas dificuldades em se afirmar, vínculos como os proporcionados pelas multinacionais do petróleo, acabam por influenciar em toda a linha política-administrativa e económico-financeira, esbatendo-se nos fenómenos político-sociais e na antropologia do poder.

Uma multinacional como a Noble Energy, capaz de jogar com um “lobby” tão poderoso que acaba por mexer com o par Clinton conforme se comprovou com o recente anúncio da existência de petróleo no Mar Egeu, pode facilmente estabelecer vínculos noutros mares fechados para além do Mediterrâneo Oriental: no Golfo da Guiné, ou no Golfo do México e Caraíbas… (“Petróleo grego em alta tensão” – http://inteligenciaeconomica.com.pt/?p=13565).

A Noble Energy está presente na Guiné Equatorial (“Noble Energy” – Wikipedia – http://en.wikipedia.org/wiki/Noble_Energy)...

5 – O papel da França no Golfo da Guiné, na África Central, na África Ocidental e por fim na África do Norte, no caso da Líbia), tem sido marcado desde a “Operação Licorne”, conforme chama a atenção Pierre Weiss (“L’Opération Licorne en Cote d’Ivoire: Banc d’essai de la nouvelle politique française de sécurité en Afrique” – http://www.afri-ct.org/IMG/pdf/afri2004_weiss.pdf).

O Presidente francês cessante, Nicolas Sarkozy, tirou partido disso por diversas ocasiões de forma a lançar uma “nova vaga de iniciativas”, estimuladas ainda pelas imensas riquezas do continente e a fragilidade dos estados africanos, alguns dos quais “vassalos” à força (“Sarkozy ressuscita o pré carré com novas tendências!” – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/04/sarkozy-ressuscita-o-pre-carre-com.html).

Os acontecimentos que têm sacudido os países da região da CEDEAO após a Líbia e a forma como os golpes de estado têm sido “resolvidos” no Mali e na Guiné Bissau, indiciam as enormes potencialidades de ingerência francesa, utilizando ou não os estados “vassalos” como autênticas “correias de transmissão” para os seus interesses.

No que diz respeito ao Mali, por exemplo, referi em conclusão em “O petróleo e as outras riquezas minerais incitam as disputas” (http://paginaglobal.blogspot.com/2012/04/mali-o-petroleo-e-as-outras-riquezas.html):

“Sob o meu ponto de vista e em nome da cultura de paz que não se cansa de apregoar, Angola deve rever imediatamente as suas políticas em direcção à África do Oeste (Mali e Guinés), tal como em relação ao Sudão, pelo mais simples dos motivos: depois da saga histórica que tem vivido, aqueles que estiveram tão vinculados ao movimento de libertação em África, esperam que nunca venha a acontecer que os feitiços desta globalização capitalista neo liberal com sinal de hegemonia anglo-saxónica, que passam pelo redesenhar neo colonial do mapa de África, não se venham a voltar contra este tão pouco previdente, quão imprudente aprendiz de feiticeiro!”

No que diz respeito à Guiné Bissau na “Rapidinha nº 76 – Uma aventura sem conteúdo e com o pior dos rumos” (http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/rapidinhas-do-martinho-76.html), confirmava:

“Estes jogos africanos só favorecem os interesses neo coloniais: África está a perder capacidades próprias de se assumir, sendo pasto de contradições que respondem a manipulações que vêm de fora e de longe, o que só favorece as potências e o império, que neste caso continuarão a agir “por procuração”, mudando de mão nas execuções que estiverem na ordem do dia.

É evidente que a integração absoluta na Françafrique é o pior dos medicamentos!”

6 – Em terra como no mar, o comportamento da França tem sido dum autêntico “abutre” (“Rapidinhas do Martinho – Uma contínua ingerência neo colonial – Opération Corymbe!” – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/01/rapidinhas-do-martinho-68.html).

Deveria ser em relação a esse tipo de riscos que os africanos deveriam estar prevenidos e preocupados também no Golfo da Guiné, todavia todos os sinais contrariam essa muito remota hipótese.

A “pirataria” no golfo da Guiné enquanto “mensagem” da NATO e do AFRICOM é para uma vez mais confundir, dividir e manipular os africanos, não para fortalecê-los, ou seja, é prova de mais uma tendência para as grandes manobras neo coloniais em curso, envolta na maior nuvem alguma vez vista de cinismo e hipocrisia!

O cinismo e a hipocrisia dos ricos para com os pobres, “Os saqueadores de dia contra os saqueadores da noite” (http://paginaglobal.blogspot.com/2011/08/os-saqueadores-do-dia-contra-os.html), conforme Naomi Klein!

Os piratas criam quantas vezes o imaginário para esconder a sua própria atitude real comprovada pela história, ou não fosse África, por inteiro, a maior das “ilhas do tesouro”!

Conforme no ano passado me referi em relação à Líbia, que os africanos não se esqueçam que “os erros de apreciação estratégica pagam-se caro!”

Conselho de Ministros da Comissão do Golfo da Guiné.

Imagem: Mapa das intervenções de tropas francesas durante 15 anos em África de 1986 a 2002; é evidente a sua preocupação em relação aos estados com costa Atlântica no Golfo da Guiné.

Lembrando a Líbia:
- “Os erros de apreciação estratégica pagam-se caro – I” – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/10/kadafi-os-erros-de-apreciacao.html
- “Os erros de apreciação estratégica pagam-se carto – II” – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/10/kadafi-os-erros-de-apreciacao_25.html
- “Os erros de apreciação estratégica pagam-se carto – III” – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/10/kadafi-os-erros-de-apreciacao_28.html

Lembrando o Mali:
- “Azawad – a areia e a fúria – I” – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/04/azawad-areia-e-furia-i.html
- “Azawad – a areia e a fúria – II” – http://paginaglobal.blogspot.pt/2012/04/azawad-areia-e-furia-ii.html
- “Azawad – a areia e a fúria – III” – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/04/azawad-areia-e-furia-iii.html

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