Raul Senda – Savana, com foto
Alguns camaradas de peso preparam-se para bloquear as pretensões do actual PR no Congresso
Pela primeira vez em 37 anos da independência nacional, o país poderá ser controlado por dois centros de poder, um mais forte vindo da presidência do partido Frelimo, dirigido por Armando Guebuza, e, outro cosmético, vindo da Presidência da República, cujo candidato às eleições presidenciais de 2014 será indicado em meados do próximo ano.
O Comité Central da Frelimo (CC) acaba de legitimar as declarações do Secretário-Geral da Frelimo, Filipe Paúnde e do Secretário para a Mobilização e Propaganda, Edson Macuácua que classificou Guebuza de “candidato natural” à sua própria sucessão da presidência do partido.
Reunido em VII Sessão Ordinária, o CC proclamou por “unanimidade” e “aclamação” a figura de Armando Guebuza como candidato único à presidência do partido Frelimo nos próximos cinco anos. A candidatura de Guebuza na presidência da Frelimo será selada no próximo mês de Setembro em Pemba, durante os trabalhos do X Congresso, cuja agenda foi aprovada na Matola.
Lembre-se que em Junho passado, Filipe Paúnde dissera ao SAVANA que, pelo desempenho positivo que Guebuza teve à frente do partido, não havia outra alternativa que não fosse a sua recandidatura.
Os últimos desenvolvimentos confirmam as especulações que vinham sendo feitas de que Guebuza teria orquestrado o movimento que se galvanizou dentro da Frelimo em torno de uma revisão constitucional que lhe daria um terceiro mandato como Presidente da República. Contudo, fracassado esse plano, devido a fortes contestações por parte da sociedade em geral, o plano alternativo foi reconduzir Guebuza à presidência da Frelimo, abrindo uma situação em que o futuro Chefe de Estado obedecerá aos comandos do líder do partido.
Isso conseguiu-se através de uma revisão dos estatutos, onde se torna explícito que todos os dirigentes executivos do Estado a todos os níveis, sendo membros da Frelimo, subordinam-se aos seus equivalentes na hierarquia do partido.
O quinhão de toda a questão gira em torno do artigo 75 dos estatutos.
Nos estatutos actualmente em vigor, este artigo reza, no seu ponto número 1, o seguinte: “Os eleitos e os executivos coordenam a sua acção com os órgãos do Partido do respectivo escalão e são perante estes pessoal e colectivamente responsáveis”. O número 2 estabelece: “quando se trata de cargos de âmbito nacional, os eleitos e os executivos serão responsáveis perante a Comissão Política”.
A nova letra deste artigo vem propor: “Os eleitos e os executivos coordenam a sua acção com os órgãos do partido do respectivo escalão e são perante este pessoal e colectivamente responsáveis pelo exercício de funções que desempenham nos órgãos do Estado ou autárquicos”.
Assim, todos membros do governo ou dos órgãos municipais deverão coordenar as suas actividades com os órgãos locais do partido Frelimo que por sua vez, em fórum próprio, deverão prestar contas ao presidente do Partido.
Tradição pontapeada
Sendo a Frelimo o partido que sempre esteve à frente do Estado desde a independência, em 1975, foi tradição deste partido que o seu presidente (a quem não há limitação de mandatos) é automaticamente candidato à Presidência da República.
Reza a história do partido Frelimo, desde a sua fundação em 1962, que o presidente do partido é também o Presidente da República. Foi em obediência a esta tradição que em 2005, o antigo Presidente, Joaquim Chissano, foi obrigado a ceder o seu lugar a Guebuza, que assumira a Presidência da República depois da vitória nas eleições gerais de 2004.
Todos os sinais dão a entender que Guebuza não tenciona seguir esse exemplo, e a campanha liderada pelo seu fiel seguidor, Filipe Paúnde, ao promover a sua imagem como líder carismático e insubstituível, visava justamente criar esse efeito nos militantes do partido, que votaram sem questionamento na moção apresentada no final da sessão.
Assim, Guebuza sairá da chefia do Estado (por imperativos da Constituição) mas continuará a controlar o poder do Estado através da nova engenharia estatuária que lhe confere directamente esse poder. O futuro Presidente da República, sendo da Frelimo, será subordinado do Presidente da Frelimo, neste caso Armando Guebuza.
Será uma experiência nova, mas que poderá provocar tensões perigosas entre dois centros de poder; um legitimado pelo voto popular, e o outro pelos quatro mil delegados que consagrarão esta maquiavélica engenharia estatutária no congresso de Pemba.
Poder cosmético
A Constituição da República, na qualidade de lei fundamental, confere, através do artigo 159, um conjunto de competências ao chefe do Estado moçambicano.
Porém, pela forma como a actual estrutura está a ser desenhada, deixa transparecer que o poder presidencial, a partir de 2014, se for ganho pelo candidato da Frelimo, será simplesmente cosmético.
É que nos estatutos do partido Frelimo, em nenhum momento dá-se poder ao Presidente da República de dirigir sequer uma reunião do partido, sendo este o principal centro da definição de estratégias de governação.
Nesse contexto, não obstante ter deixado a Presidência da República, Guebuza, como presidente do partido, passará a ter poderes supremos em relação ao próximo Presidente da República, caso seja proveniente da Frelimo. Quer dizer, continuará a ditar as regras de jogo, uma vez que irá presidir aos órgãos do poder do partido, particularmente a Comissão Política e o Comité Central. Na razão inversa, o Presidente da República está desprovido de poder, ainda que provenha do partido Frelimo.
Assim, o próximo presidente da República terá ministros a si subordinados no Governo e seus superiores no partido, caso estes façam parte da Comissão Política.
Guebuza reclama ganhos
Ao contrário de outros encontros, onde Armando Guebuza dedicou parte dos seus discursos a atacar seus detractores apelidando-os de “apóstolos da desgraça, tagarelas, marginais e distraídos”, desta vez optou por evocar ganhos na presidência do partido e do país. Falando no fim do encontro da Matola, Armando Guebuza disse que sob a direcção da Frelimo e do Governo, o povo moçambicano empenhou-se na criação de uma maior prosperidade para o país. Disse que com a sua direcção muitos compatriotas construíram cada vez melhores e mais amplas e espaçosas habitações e adquiriram bens duradoiros como geleiras, bicicletas, motorizadas e viaturas.
Sublinhou que a prosperidade da sua governação expressou-se através do acesso à energia eléctrica, tanto para a iluminação como para a dinamização de iniciativas empresariais locais e implantação das tecnologias de informação e comunicação.
Armando Guebuza afirmou que muitas são as carências e desafios que passaram para a história. Indicou que as convincentes e esmagadoras vitórias da Frelimo nos pleitos eleitorais, a massiva aderência aos seus eventos, o número de canções criadas e de obras de arte produzidas, bem como a adesão de novos membros que induzem constantes redimensionamentos das células sublinham a simpatia, confiança e prestígio que o partido granjeia no seio da sociedade.
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