quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O ÚLTIMO 11 DE SETEMBRO – III

 

Martinho Júnior, Luanda
 
11 – Em Maio de 2011 eu escrevi que “O arco de crise” atingia cada vez mais África (“O arco de crise em direcção a África” – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/05/o-arco-de-crise-em-direccao-africa.html) e sustentava:
 
“Dois acontecimentos mediáticos violentos e relevantes, separados por escassas horas, ocorreram:
 
- O ataque à residência de Kadafi em Tripoli, Líbia.
 
- O pretenso abate de Bin Laden em Abbottabad, no Paquistão (cidade a norte de Islamabad).
 
De entre as múltiplas leituras que se podem fazer relativamente a esses dois acontecimentos mediáticos de primeira água, há três que me parecem relevantes:
 
- Que o clímax emocional conseguido à escala global propicia de forma estratégica às forças coligadas ocidentais desencadear mais ofensivas ao longo dos próximos anos, incrementando desde já as suas acções, tirando partido dos efeitos psicológicos obtidos, das expectativas de resposta por parte de radicais não necessariamente islâmicos, ou islamizados e das constantes manipulações sob controlo que estão em vigor abrangendo para já sobretudo o espaço do mundo árabe.
 
- Que o arco de crise se alargue a ocidente, tendendo a penetrar profundamente em África, onde atingiu um dos principais produtores africanos de petróleo (a Líbia) e, a sul do Sahara, ainda que numa conjuntura distinta, um país chave para a África Ocidental (a Costa do Marfim).
 
- Que em relação a África, onde as sequelas da Conferência de Berlim continuam evidentes e onde proliferam elites mais ou menos afins, geradas pelo espectro do capitalismo, o campo está fértil, mesmo que alguns líderes procurem respostas apelando à unidade continental, condenando as sucessivas intervenções cirúrgicas contra Kadafi, ou propondo políticas de diálogo e de concertação”…
 
12 – A quase ano e meio da altura em que escrevi esse artigo, verifica-se que um dos grupos que mais vantagem tem tirado dos acontecimentos na Líbia para se expandir é o AQMI (“Al Qaeda do Magreb Islâmico” – http://es.wikipedia.org/wiki/Al_Qaeda_del_Magreb_Isl%C3%A1mico), que está a utilizar a plataforma da formação do Azawad (norte do Mali), para disseminar a sua actuação que antes se circunscrevia mais à Argélia.
 
Em cima do acontecimento da formação da Azawad fiz uma série de artigos.
 
Em “Azawad – a areia e a fúria – I” (http://paginaglobal.blogspot.com/2012/04/azawad-areia-e-furia-i.html) considerei:
 
… “Uma Líbia dividida pode ser muito importante para se continuar o jogo africano, explorando as sequelas da Conferência de Berlim e de outros Tratados coloniais de conveniência, entre eles o de Simulambuco…
 
Efectivamente, o caso da Líbia evidenciava sob o ponto de vista político-social e desde logo uma mistura explosiva para África: impulsionava-se regionalismo e tribalismo, ao mesmo tempo que se abriam espaços a todo o tipo de fundamentalismos, incluindo aqueles que foram forjados à imagem e semelhança da Al Qaeda, o que era um precedente de consequências nefastas para uma África cujas fronteiras são como o vento, forjadas que foram pelas potências coloniais nos finais do século XIX!
 
A percepção do império em relação a isso tem vindo de longe e voltou a ser lembrada em 2006, pela então Subsecretária da Defesa para os Assuntos Africanos dos Estados Unidos, Theresa Whelan, numa conferência em Lisboa (A política dos EUA em África) e a propósito de Angola e Moçambique, mas no fundo referindo-se a toda o continente (Áreas sem governação em Angola e Moçambique preocupam EUA – http://www.rtp.pt/noticias/?article=127780&layout=121&visual=49&tm=7&)”...
 
13 – Na sequência “Azawad – a areia e a fúria – II” (http://paginaglobal.blogspot.pt/2012/04/azawad-areia-e-furia-ii.html), constatava:
 
… “Os aliados do governo do Mali, Estados Unidos e França incluídos, poderiam previamente informar o Presidente Amadou Toumani Touré dos movimentos hostis que os tuaregues faziam no Sahara / Sahel, mas como a sua pretensão no quadro das políticas neo liberais é cada vez mais enfraquecer os africanos à custa de regionalismos e divisões, redesenhando assim o mapa do continente, preferiram aguardar a evolução dos acontecimentos, até por que desse modo obtinham acrescidas garantias de aumento de capacidades nas suas ingerências e manipulações em todos as dinâmicas do seu relacionamento: político, económico, financeiro, social, militar e de inteligência, conforme aliás ao carácter das estruturas, no caso norte americano, do AFRICOM”…
 
Essa constatação coadunava-se com alguns acontecimentos em África particularmente no Sudão e na Somália.
 
A divisão do Mali seria muito difícil de combater por parte dum país enfraquecido e com uma envolvente CEDEAO cujos poderes nacionais reflectiam a influência histórica em termos neo coloniais da “Françafrique” (http://en.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7afrique).
 
14 – Em “Azawad – a areia e a fúria – III” (http://paginaglobal.blogspot.com/2012/04/azawad-areia-e-furia-iii.html), concluía:
 
… “Sob o ponto de vista táctico, primeiro o MNLA atacou as povoações periféricas junto às fronteiras da Argélia, do Níger e do Burkina Faso, para depois confluir nas direcções centrais sucessivas de Kidal, Gao e, por fim da milenar Tombuctu, fechando o ciclo ofensivo bem no âmago do território reclamado e aprontando-se para consolidar defensivamente as suas posições.
 
Isso provocou em cadeia resultados geo estratégicos que conduzem a uma cada vez maior fragilização de África (e ao neo colonialismo em época de globalização, com todas as suas consequências, inibições e contradições), dos quais destaco cinco deles:
 
- O golpe militar em Bamako;
 
- O aprofundar da fragilização da resposta do Mali, tirando partido do facto de sair imediatamente derrotado a norte;
 
- A impotência dos países componentes da ECOWAS e da CEDEAO, que tomaram decisões rápidas contra os militares malianos golpistas, seguindo a cartilha ocidental, por que se vêem impotentes para fazer face à emergência de Azawad, o território reclamado para chão-pátrio dos tuaregues.
 
- A impotência da União Africana, presa aos conceitos sócio-políticos que directa ou indirectamente têm sido absorvidos essencialmente a partir dos interesses ocidentais e integraram a cultura das revoltas no âmbito da primavera árabe na Tunísia, no Egipto e, de forma tão militarmente sangrenta, na Líbia.
 
- A expectativa das potências ocidentais com implicações de inteligência e militares em África, nomeadamente os Estados Unidos, o Reino Unido e a França, até por que qualquer evolução que haja vai ao encontro dos seus interesses, particularmente aqueles que se referem ao “redesenhar” do mapa político do continente, tal como em relação às parcerias cultivadas e às potenciais”…
 
Naquela altura o AQMI em Azawad aproveitava com forças ainda pouco expressivas a tomada do norte do Mali pelos tuaregues, mas a partir do momento em que os “rebeldes” passaram a dominar na Líbia, começaram a beneficiar de apoios que nunca até ali haviam conseguido.
 
Os apoios têm a mesma origem das iniciativas que, a partir da Líbia, elementos da Al Qaeda estão a propiciar aos “rebeldes” sírios!
 
É de notar que enquanto se multiplicaram as acções do AQMI a ocidente, elas desapareceram momentaneamente na Líbia para, ao que parece, reaparecerem agora com o assassinato em Benghazi!
 
Em causa está o petróleo da Mauritânia e do Mali, mas também o alastramento das disputas por África, conforme tive oportunidade de detalhar em “O petróleo e as outras riquezas minerais incitam as disputas” (http://paginaglobal.blogspot.com/2012/04/mali-o-petroleo-e-as-outras-riquezas.html):
 
… “O petróleo e as riquezas minerais, estão a fazer desencadear um conjunto cada vez mais alargado de processos marcados por clivagens e assimetrias acentuadas, por vezes derivando para conflitos sangrentos, que se reflectem na vida de todas as nações da vasta parte de África a norte do Equador, sobretudo a região que se estende ao longo da mancha que integra o Sahara e o Sahel, desde o Sudão, no leste, à Mauritânia no oeste, comprimindo as nações situadas mais a sul, Nigéria incluída.
 
Os interesses em jogo atraem ainda outros, provenientes de outras plataformas agenciadas pelo capitalismo neo liberal com predominância de capital especulativo, entre eles a plataforma de Angola, num papel emergente aliás que lhe é profundamente contraditório, pois poderá, mais cedo ou mais tarde, acarretar graves problemas na garantia da sua própria identidade e soberania nacional!
 
As manipulações evidenciam que por via étnica e por via religiosa, em função desses interesses em jogo, os mapas nacionais de África tendem a dissolver-se, fazendo proliferar outras identidades nacionais!”…
 
15 – A situação de disseminação do AQMI é agora inquietante para a África do Oeste, mas também para países que recebem migrantes dessa região, uns europeus, outros africanos.
 
Tendo em conta os parâmetros emocionais das guerras psicológicas desencadeadas pelos Estados Unidos e a NATO nas “primaveras árabes” movidas à sua feição (à excepção do Bahrein que só serve para confirmar a regra de salvar os reis);
 
Tendo em conta o tipo de provocações das mensagens emitidas para derrubar governos como os da Tunísia, da Líbia, do Egipto e o da Síria, bem como o modelo organizacional das “rebeliões”;
 
Tendo em conta que tudo isso inclui o recurso a grupos da Al Qaeda que são introduzidos muito em especial quando as manifestações são ultrapassadas e atinge-se o clímax da guerra;
 
Tendo em conta que os próprios Estados Unidos se sujeitam a reveses como o deste último 11 de Setembro de 2012;
 
É evidente que todos os países africanos, Angola incluída, que recebem migrações do norte afectado pela Al Qaeda, não podem perder de vista o alastramento desses grupos por todo o continente, nem o facto de que quer o AFRICOM, quer a NATO espreitam por essa via a sua oportunidade, acabando por se socorrer em seus argumentos dos reveses que foram os Estados Unidos que criaram!
 
As manipulações “ambíguas” e utilizando a mentira estão na ordem do dia!
 
Em Angola, se os factores de risco externos um dia se conjugarem com factores de risco interno, é a própria identidade nacional, de acordo com o projecto do movimento de libertação, que ficará ameaçada, podendo deixar de ser “de Cabinda ao Cunene e do mar ao Leste, um só povo, uma só nação”!
 
Gravura: Mapa da expansão do AQMI no Sahel.
 
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