Paulo Ferreira –
Jornal de Notícias, opinião
O consultor do
Governo para as privatizações, António Borges, chamou ontem
"ignorantes" aos empresários que se atreveram a criticar a famigerada
taxa social única (TSU). O primeiro-ministro já tinha dito que a medida fora
mal entendidada e desvirtuada pelos empresários. Ontem, no Algarve, certamente
embalado pela anterior consideração de Passos Coelho, Borges ultrapassou os
limites da decência, da boa educação e da racionalidade política.
"Que a medida
[TSU] é extremamente inteligente, acho que é. Que os empresários que se
apresentaram contra a medida são completamente ignorantes, não passariam do
primeiro ano do meu curso na faculdade, isso não tenham dúvidas", afirmou
o consultor perante uma plateia com 300 empresários, economistas e políticos de
Portugal, Brasil, Angola, Índia, Emirados Árabes Unidos e Moçambique.
Há sempre a
possibilidade de o sol algarvio ter batido com inusitada força na moleirinha de
António Borges, provocando-lhe um passageiro curto-circuito nos neurónios. É a
hipótese mais benevolente que encontro para que um avençado do Governo maltrate
em público e com tamanho despudor os empresários portugueses, exatamente os mesmos
a quem o Governo endereça declarações de amor quando usa o aumento das
exportações como exemplo da infinita capacidade e resiliência, como agora se
diz, do nosso tecido empresarial.
António Borges faz
lembrar o trágico Narciso. É fácil imaginá-lo a contemplar a sua beleza
(intelectual, no caso) frente ao espelho, enquanto se escanhoa vagorosamente.
Como Narciso, Borges há de achar-se incomparável, semelhante a um deus,
incompreendido pelo comum dos mortais, (quase) todos incapazes de o acompanhar
nos frenéticos exercícios intelectuais que o distinguem.
Sabemos todos como
acabou a figura da mitologia: encantado pela sua própria beleza, deitou-se no
banco do rio e definhou até morrer enquanto mirava o seu reflexo. As ninfas
construíram-lhe uma pira, mas, quando foram buscar o corpo, apenas encontraram
uma flor no seu lugar: chamaram-lhe narciso.
As centenas de
milhares de pessoas que têm vindo para a rua protestar também entram, por
maioria de razão, na galeria dos "ignorantes" criada por Borges,
porque é contra a TSU e medidas de impacto semelhante nas suas vidas que
gritam. O povo, essa massa informe que não sabe governar-se nem se deixa
governar, sempre atrapalhou os superiores desígnios dos infalíveis. Uma
chatice.
Não imagino o que
fará Passos a Borges depois deste episódio. Afastá-lo, já, do cargo é a única
medida higiénica que vislumbro. Continuar a pagar-lhe 25 mil euros por mês será
um insulto atirado à cara dos empresários e de todos os que sofrem com a crise.
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