domingo, 30 de setembro de 2012

Portugal: BORGES, O AUTO-ADMIRADOR

 

 
Paulo Ferreira – Jornal de Notícias, opinião
 
O consultor do Governo para as privatizações, António Borges, chamou ontem "ignorantes" aos empresários que se atreveram a criticar a famigerada taxa social única (TSU). O primeiro-ministro já tinha dito que a medida fora mal entendidada e desvirtuada pelos empresários. Ontem, no Algarve, certamente embalado pela anterior consideração de Passos Coelho, Borges ultrapassou os limites da decência, da boa educação e da racionalidade política.
 
"Que a medida [TSU] é extremamente inteligente, acho que é. Que os empresários que se apresentaram contra a medida são completamente ignorantes, não passariam do primeiro ano do meu curso na faculdade, isso não tenham dúvidas", afirmou o consultor perante uma plateia com 300 empresários, economistas e políticos de Portugal, Brasil, Angola, Índia, Emirados Árabes Unidos e Moçambique.
 
Há sempre a possibilidade de o sol algarvio ter batido com inusitada força na moleirinha de António Borges, provocando-lhe um passageiro curto-circuito nos neurónios. É a hipótese mais benevolente que encontro para que um avençado do Governo maltrate em público e com tamanho despudor os empresários portugueses, exatamente os mesmos a quem o Governo endereça declarações de amor quando usa o aumento das exportações como exemplo da infinita capacidade e resiliência, como agora se diz, do nosso tecido empresarial.
 
António Borges faz lembrar o trágico Narciso. É fácil imaginá-lo a contemplar a sua beleza (intelectual, no caso) frente ao espelho, enquanto se escanhoa vagorosamente. Como Narciso, Borges há de achar-se incomparável, semelhante a um deus, incompreendido pelo comum dos mortais, (quase) todos incapazes de o acompanhar nos frenéticos exercícios intelectuais que o distinguem.
 
Sabemos todos como acabou a figura da mitologia: encantado pela sua própria beleza, deitou-se no banco do rio e definhou até morrer enquanto mirava o seu reflexo. As ninfas construíram-lhe uma pira, mas, quando foram buscar o corpo, apenas encontraram uma flor no seu lugar: chamaram-lhe narciso.
 
As centenas de milhares de pessoas que têm vindo para a rua protestar também entram, por maioria de razão, na galeria dos "ignorantes" criada por Borges, porque é contra a TSU e medidas de impacto semelhante nas suas vidas que gritam. O povo, essa massa informe que não sabe governar-se nem se deixa governar, sempre atrapalhou os superiores desígnios dos infalíveis. Uma chatice.
 
Não imagino o que fará Passos a Borges depois deste episódio. Afastá-lo, já, do cargo é a única medida higiénica que vislumbro. Continuar a pagar-lhe 25 mil euros por mês será um insulto atirado à cara dos empresários e de todos os que sofrem com a crise.
 
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