domingo, 16 de setembro de 2012

Portugal: A INDIGNAÇÃO SAIU À RUA

 

Diário de Notícias, editorial
 
Foi impressionante a massa humana que ontem saiu à rua em Portugal. Um grito de indignação que teve Lisboa como principal palco, mas que se ouviu em todo o país, com destaque para Porto e Coimbra onde também muitos milhares de pessoas fizeram questão de se manifestar contra o rumo da governação, contra a renovada austeridade e sobretudo contra as novas medidas cujo alcance e sentido de justiça poucos conseguem compreender. Haverá dúvidas sobre os números, exageros em alguns cálculos, comparações mais ou menos acertadas com manifestações do imediato pós-25 de abril de 1974 ou mais recentes como a do ano passado da autointitulada geração à rasca. Mas é evidente que houve um grande protesto. Imenso.
 
Incidentes escassos. Um detido em Lisboa frente à representação do FMI, um homem desesperado que se tentou imolar pelo fogo em Aveiro e sobretudo, já ao final do dia, a tensão com a polícia junto à Assembleia da República. A regra de Norte a Sul foram manifestações ordeiras, carregadas de palavras de ordem e expressões de revolta, mas sempre cheias de responsabilidade, como que se os portugueses quisessem dar ao Governo, e a quem nos olha e fora, que na hora de protestar é possível manter a dignidade, não dando pretextos para quem quer desvalorizar uma luta justa. Este sentido de responsabilidade, esta dignidade, é tanto mais de elogiar quando se tratava de um movimento contestatário nascido nas redes sociais, sem o habitual enquadramento dos partidos ou das centrais sindicais, habituados a evitar os extremismos.
 
Para a imagem do país, também não houve dano. Talvez pelo contrário. À Europa que nos impõe austeridade foi mostrado que exigir sacrifícios apenas não é receita para nada, muito menos para sair de uma situação orçamental difícil e retomar o crescimento económico. E que os portugueses sabem que há erros do passado (de responsabilidades várias), mas exigem perceber qual o caminho para os corrigir. Não se podem aceitar imposições sem explicações.
 
Não somos a Grécia, nem queremos imitar os gregos. A história é diferente, a cultura também, assim como as causas do descontrolo das contas públicas e da necessidade de resgate internacional. E por isso os portugueses fazem bem em não imitar os excessos helénicos, sobretudo para seu benefício, mais ainda que para ganhar a boa vontade de quem nos ajuda.
 
Este protesto maciço foi uma mensagem fortíssima aos políticos. Um Governo sensato deve dar provas de maturidade, ouvir os cidadãos e emendar aquilo que é errado. Os avisos veem de muitos sectores, até de figuras da área da coligação governamental, e devem ser escutados. A proposta de taxar mais os trabalhadores para a segurança social em benefício das empresas conseguiu ser criticada tanto por sindicalistas como por patrões. E por ser vista como injustificada está a afectar toda a compreensão popular para a necessidade de austeridade. Insistir nesse caminho significa afrontar quem ontem se manifestou, também quem tem expresso na praça pública a sua discordância (incluindo ex-líderes do partido do primeiro-ministro) e até, está ainda por esclarecer, o próprio parceiro menor da maioria governamental.
 
Saber ouvir e emendar. Os governantes não podem arriscar um divórcio com o país. A situação nacional exige inteligência, um consenso alargado, um caminho que se se perceba como válido por muito duro que seja. A indignação pode um dia voltar a sair à rua. E de outra forma. Seria trágico.
 

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