Luís Rosa – i online, editorial
Passos Coelho deu ontem mais um passo rumo a uma crise política. A reconstrução do consenso passa pelo Presidente
Portugal não precisa e não pode ter uma crise política neste momento. Seria deitar ao lixo tudo o que foi feito desde Maio de 2011 – quando Portugal assinou o Memorando de entendimento com a troika – e aproximarmo-nos perigosamente da Grécia. E alguns resultados positivos, é preciso dizer, já começaram a chegar.
Mas tudo aponta para que uma crise política surja nos próximos tempos.
A quase unânime rejeição do pacote de austeridade anunciado há uma semana pelo primeiro-ministro exige uma resposta política que tem de passar por um recuo do governo. Nenhuma medida de austeridade pode ser aplicada com eficácia sem apoio social, muito menos quando o líder de um dos partidos da coligação e muitos deputados da maioria têm profundas dúvidas sobre a sua eficácia.
A entrevista de Passos Coelho à RTP saiu-lhe melhor do que a comunicação ao país, mas não vai inverter o problema por si criado. O primeiro-ministro dramatizou o discurso (péssimo sinal), recusa recuar e agarra-se às cedências que conseguiu da troika – mas não são estas que estão em causa.
Passos continua a não conseguir explicar com eficácia o que ganha o país com o aumento das contribuições da Segurança Social para os trabalhadores – essa é a causa da contestação. De nada serve argumentar que noutros países europeus essa contribuição é superior, quando o rendimento médio desses países é, também ele, muito superior ao português.
O problema desse recuo inevitável tem apenas um nome: Vítor Gaspar. O ministro das Finanças é o nó górdio da actual crise na maioria, já que as suas teorias macroeconómicas, como o financiamento da descida da TSU à custa dos trabalhadores, estão na origem da quebra de confiança entre a maioria e a sua base social de apoio.
Passos Coelho podia estar a salvo se tivesse mantido algum distanciamento de Gaspar. O ministro das Finanças seria, aliás, um sério candidato à remodelação, pois errou nas previsões orçamentais e provocou mais uma dose de austeridade pura e dura. Mas esse não parece ser um cenário exequível.
Por opção própria, o primeiro-ministro ficou refém das teorias do seu ministro das Finanças – como ontem voltou a demonstrar. Seria bom distanciar-se dele, pois a remodelação de Gaspar resolvia-lhe boa parte dos problemas, mas Passos não quer afastá-lo, sob pena de renegar um plano apresentado há menos de uma semana e de pôr ainda mais em causa a sua credibilidade.
Mas o que acontecerá se o Tribunal Constitucional rejeitar o Orçamento do Estado para 2013? O que acontecerá se as medidas de austeridade agravarem a situação económica do país, como se poderá comprovar no primeiro trimestre de 2013? Se isso se verificar, uma remodelação será demasiado tarde para responsabilizar Vítor Gaspar. Será o próprio Passos Coelho a estar em causa.
Por tudo isto, o papel de Cavaco Silva será central nos próximos meses. O Presidente da República tentará certamente reconstruir o consenso político que ontem foi extinto com o anúncio do voto do PS contra o OE para 2013. Resta saber se será necessário outro ciclo político para tal reconstrução.
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