domingo, 30 de setembro de 2012

UMA MORTE ANUNCIADA



Constança Cunha e Sá – i online

Perante a morte anunciada do governo, há quem suspire languidamente pelo milagre de uma remodelação. Como se a substituição de um conjunto sortido de personagens gastas pudesse ressuscitar um primeiro-ministro e uma coligação que se enterram diariamente à vista desarmada. Isto, para não falar do grupinho de suicidas na disposição de ingressarem num navio, para usar uma imagem náutica em voga, que meteu água com as alterações na TSU e se afunda a uma velocidade vertiginosa, levado pelos números da execução orçamental e por uma contestação social crescente.

Se há uns meses ainda valia a pena clamar contra o megaministério da Economia e contra a incompetência de quem o tutela, agora, depois dos acontecimentos das últimas semanas, o Álvaro, como o próprio gostaria de ser chamado, tornou-se um problema menor face aos “desvios colossais” de Vítor Gaspar, esse mago das finanças que se estatelou ao comprido com as suas amáveis previsões orçamentais. Pior ainda, tornou-se um problema menor face a um primeiro-ministro que, num misto de impreparação e de leviandade, conseguiu a proeza de unir o país inteiro contra uma medida, a TSU, cujos efeitos ele, obviamente, não mediu. Um primeiro-ministro que anuncia um corte salarial de sete por cento aos trabalhadores a favor das empresas com a mesma ligeireza com que anunciou, umas semanas antes, na famigerada festa do Pontal, um futuro luminoso, recheado de boas notícias e de piruetas na economia.

Entretanto, o ministro das Finanças emigrou para parte incerta, enquanto o primeiro-ministro se desdobra em declarações desastrosas, revelando, com uma confrangedora clareza, um total desconhecimento sobre a situação em que o país se encontra. Ainda esta semana, num discurso memorável, Pedro Passos Coelho decidiu informar-nos que assistira “com surpresa” à discussão em torno da TSU – como, aliás, assistiu “com surpresa” à subida do desemprego, à queda das receitas fiscais, ao aumento da recessão, ao chumbo do Tribunal Constitucional e a outras miudezas afins que não vale a pena elencar. Para completar este quadro de miséria, o primeiro-ministro alongou-se num raspanete aos empresários (que têm “medo” de sofrer as “represálias” dos trabalhadores) e achou por bem responsabilizar os portugueses pelo rumo que o país tem pela frente. Ele, aparentemente, deixou de ser responsável pelo que quer que seja.

Talvez por isso, ninguém no governo, a começar por Pedro Passos Coelho, se digna informar os portugueses sobre algumas questões relevantes. Seria interessante, para dizer o mínimo, saber como correram as negociações com a “troika”, quem foi o criativo que inventou a medida da TSU, qual o exacto desvio do défice deste ano – e já agora, se não for pedir demais, qual o valor do assalto fiscal que está em preparação para 2013. Quanto mais não seja, para se perceber porque é que, um ano e meio depois de nos ter sido infligida a receita que nos ia salvar, nos encontramos agora numa “situação gravíssima” de onde ninguém nos consegue tirar.

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