terça-feira, 23 de outubro de 2012

CIMEIRA ATRÁS DE CIMEIRA

 

Mário Soares – Diário de Notícias, opinião
 
1 Os dirigentes políticos europeus perdem tempo e dinheiro com estas cimeiras europeias que só têm servido, quase sempre, para protelar decisões necessárias e urgentes. Vivemos assim, pelo menos, desde 2008, em que as cimeiras se sucedem e os resultados são nulos ou contraditórios. E a crise continua a agravar-se...
 
A chanceler Merkel, vinda do Leste, lá saberá as linhas com que se cose. Mas com as suas tergiversações nunca se sabe o que realmente quer. De seguro, só pensa em ganhar as eleições... O que - diga-se - vai ser difícil. O certo é que passará à história como a grande responsável pelo prolongamento de uma crise que poderia ter evitado desde o início, quando os problemas começaram na Grécia. À Alemanha não teria custado quase nada se, em nome da Zona Euro, tivesse atalhado logo e ajudado a Grécia, como lhe cumpria. Não o fez. Os bancos alemães saberão porquê. Talvez para os ajudar a ganhar um pouco mais, o que só transitoriamente conseguiu. O resto foi o que se sabe e que vai custar muito caro à Alemanha no final desta tristíssima história.
 
Não podendo empurrar a União para uma terceira guerra mundial - a Alemanha não está, felizmente, armada para tanto -, vai perder muito, financeira e economicamente, se a União Europeia não vencer a crise em que está cada vez mais envolvida. As suas exportações para os Estados europeus estão a diminuir, por força das circunstâncias. É um sintoma grave.
 
A cimeira de Bruxelas, que ocorreu nos dias 18 e 19 do corrente mês, foi, ao contrário do que alguns esperavam, um balde de água fria. Mais uma vez, discutiu-se muito e adiaram-se todas as medidas que haviam sido prometidas...
 
François Hollande queria mais. Disse-o numa entrevista ao Le Monde, intitulada "O pior já passou". O que não é o caso. A chanceler Merkel opôs-se. Menos austeridade e mais crescimento para diminuir o desemprego? Nem pensar nisso! A chanceler Merkel não deixou concretizar nada em matéria de redução da austeridade, atirando para outra cimeira - como tanto gosta de fazer - as decisões a tomar. E os outros Estados membros obedeceram. Até quando esta contradança vai continuar? Hollande, é certo, lutou. Mas perdeu, bem como todos os Estados vítimas dos mercados. E, assim, se continua a caminhar para o abismo, numa total irresponsabilidade. Tudo pode acontecer...
 
Além dos três primeiros Estados vítimas dos mercados usurários, outros vão aparecendo: a Espanha, nossa vizinha, da qual não temos sido suficientemente solidários, está a entrar numa situação explosiva. A Itália e, mais tarde ou mais cedo, a França, vão ser igualmente vítimas e arrastarão, necessariamente, outros Estados membros. Alguns, aliás, já estão na calha...
 
Notei, pelo que vi nas televisões, que o nosso primeiro-ministro esteve muito silencioso e que, praticamente, só falou com a senhora Merkel, não demonstrando qualquer solidariedade pelos representantes dos Estados que são vítimas, como nós, dos mercados usurários. Não é de admirar, dada a sua ideologia neoliberal. Mas é lamentável. A falta de solidariedade, em política, paga-se...
 
No entanto, a opinião europeia começa a manifestar-se por toda a União e a vir para a rua, o que não deixa de ser perigoso - tenho-o escrito várias vezes - para aqueles Governos para os quais as pessoas não contam. Atenção! A revolta que está a amadurecer nas ruas vai complicar-se. E tudo indica, infelizmente, que pode tornar-se violenta... Oxalá me engane!
 
2 Portugal e a Europa - A crise que afeta o nosso país tem tudo a ver com o euro e a União Europeia em geral. É por isso que a diplomacia portuguesa - e o próprio Governo - deveria estar a seguir com toda a atenção, intervindo sempre que necessário, a evolução política europeia e, em especial, mantendo ligações permanentes e solidárias com os Estados vítimas da especulação dos mercados usurários. Não é o que tem acontecido, infelizmente, ao longo deste último ano. Realmente, que se saiba, o ministro dos Negócios Estrangeiros, empenhado no que tem chamado "diplomacia económica" - veremos quais serão os resultados -, nunca debateu com os seus homólogos a crise europeia e como a vencer. Ou será que o primeiro-ministro lhe retirou essa competência para a dar ao senhor ministro de Estado e das Finanças?
 
Contudo, como se sabe, o ministro das Finanças é, e sempre foi, um economista tecnocrata, distinto, ao que se diz, mas quanto ao problema político e social da crise, como se tem visto, não sabe nada. E falta-lhe de todo a sensibilidade social.
 
Tem isto a ver com a importância que tem para Portugal a evolução (contraditória, é certo) que está a ocorrer em toda a Zona Euro e que irá intensificar-se se o Presidente Barack Obama, como espero, ganhar as eleições de 6 de novembro. Contudo, o desconhecimento do Governo quanto ao que se passa na Europa é péssimo para Portugal!
 
Passos Coelho, discípulo confesso e obediente da senhora Merkel e mais papista do que o Papa, em relação à troika, talvez ainda não tenha percebido que ninguém já parece acreditar nas políticas de austeridade para vencer a crise da Zona Euro. Nem sequer - julgo eu - a sua professora Angela Merkel, embora às vezes não pareça e nunca o diga.
 
Contudo, os factos são o que são. O Governo português, influenciado pela sua ideologia neoliberal, obedece sem discussão à troika, que nas suas grandes linhas é contraditória entre os seus membros. E, obviamente, à senhora Merkel. Por isso se desinteressa dos Estados vítimas seus parceiros, a começar pela nossa vizinha Espanha, economicamente tão importante para nós. Ao contrário do Governo, o secretário--geral do PS, António José Seguro, tem vindo a criar uma rede importantíssima de contactos europeus. É o único político português com grandes responsabilidades que o tem feito!
 
Esteve recentemente em Berlim, onde foi recebido, para dialogar sobre a crise, pelos líderes do SPD (Partido Social Democrata Alemão), que, com bastante probabilidade, ganhará, talvez com o voto dos Verdes, as eleições legislativas de 2013. São eles: o presidente do SPD, Sigmar Gabriel; o vice-presidente, Hubertus Heil; o presidente do grupo parlamentar, Frank-Walter Steinmeier; o vice-presidente, Axel Schäfer, e ainda o candidato do SPD a chanceler, Peer Steinbrück.
 
Nessa mesma linha, Seguro foi recebido em Paris, no Eliseu, por François Hollande, com o qual falou largamente, pelo líder do Partido Socialista Francês, Harlem Désir, e pelo presidente do Senado e almoçou na Assembleia Nacional com Philip Cordery, membro da Comissão dos Negócios Estrangeiros para os Assuntos Europeus.
 
Antes desta viagem, tão importante, Seguro tem estado frequentemente com o presidente do PSOE (Espanha), Alfredo Rubalcaba, e com outros camaradas; na Itália, foi recebido pelo Presidente da República, Giorgio Napolitano, e pelo presidente do Partido Democrático, herdeiro do ex-PSI, Luigi Bersani. E tem feito viagens frequentes a Bruxelas, para sentir o pulso do que se passa na União e no Parlamento.
 
Vem isto a propósito para salientar como é incompreensível que os dirigentes políticos portugueses da coligação não se encontrem para debater a crise que se arrasta, nomeadamente o senhor primeiro-ministro. Talvez por isso tenha tanta facilidade de dizer que a austeridade é decisiva e o resto não conta. Ora não é assim. A austeridade leva--nos ao abismo, e é isso que é necessário evitar. Além de afetar duramente o povo português, para nada, como se tem visto. Os europeístas Helmut Schmidt e Jacques Delors - para só citar os mais prestigiados - bem nos avisaram, mas até agora, infelizmente, para nada. O Governo não os ouviu...
 
Os partidos portugueses da coligação desconhecem, por falta de contactos, o que está a passar-se na Europa e em especial na Zona Euro. O primeiro-ministro só fala - e ouve - a chanceler Merkel. É muito pouca coisa. E hoje é o pior conselho. Vem visitar-nos e será homenageada pelo Governo, mas não poderá, seguramente, descer à rua. Como sucedeu na Grécia. Entretanto, o primeiro-ministro não tem manifestado solidariedade com os Governos de Espanha, Itália e mesmo França - para não falar da Irlanda e da Grécia, de que só sabe dizer, com uma ponta de desprezo, "não somos a Grécia". É péssimo, porque parece não compreender o que representa a solidariedade. É um dos grandes valores da União Europeia...
 
Ora a austeridade - tal como a entende Passos Coelho, Gaspar e agora Portas - leva-nos à ruína mais negra. Todos os portugueses já o compreenderam. É, por isso, urgente mudar de política: pôr o acento tónico no crescimento económico e lutar, ativamente, contra o desemprego. É o que o atual Governo não quer fazer. Por isso, quanto mais tempo passar pior. É preciso que se demita ou seja obrigado a deixar o poder. Para se salvar o pouco que nos resta. Isso, sim, é o que se impõe em termos de interesse nacional.
 
O Partido Socialista Europeu está a reagir bem em cooperação, aliás, com o português. Mas a democracia cristã faz-nos grande falta. A doutrina social da Igreja deve voltar, para ser coerente com o que se passa. É necessário que os católicos compreendam - como já aconteceu com alguns - que a austeridade leva-nos ao desastre e que só a solidariedade europeia e ocidental nos podem salvar, desenvolvendo o projeto europeu. Esta é a alternativa necessária!
 
3 A caça às bruxas - Há alguns meses que tenho vindo a dar-me conta de que o Governo está a destruir, sistematicamente, o nosso Estado; embora não lhe tenha tirado as "gorduras", vai dando lugares aos seus apaniguados. Tenho para mim que é normal a substituição de pessoas nos cargos públicos, desde que mereçam. Mas uma tal substituição tem regras legais e éticas. Este Governo criou por lei uma comissão elegendo a necessidade de transparência para substituir os titulares de empresas públicas ou equiparadas. Ora o Governo não cumpriu essa lei, e não é a primeira vez que o faz. Dou o exemplo do que se passou com Vítor Ramalho, presidente do Conselho de Administração da Fundação INATEL. Foi nomeado pelo Governo Sócrates. Quando o atual Governo tomou posse, Vítor Ramalho pôs o seu lugar à disposição, por ser socialista.
 
Como tinha feito uma excelente gestão na Fundação, com 76 anos de existência e que tem hoje 200 mil associados, normalmente gente humilde, foi-lhe dito pelo ministro da tutela, Pedro Mota Soares, que não se justificava. Que "nem pensasse nisso". Passos Coelho foi perguntado sobre a eventual demissão de Vítor Ramalho, e foi-lhe respondido da mesma maneira.
 
Vítor Ramalho ficou. Passou um ano e tal, em que realizou um trabalho excecional. Abriu novas unidades hoteleiras nos Açores (na Graciosa e nas Flores, onde não havia) e outra em Linhares da Beira. Tornou o "grupo Inatel" o terceiro da hotelaria em Portugal, requalificando quase todos os equipamentos! Em 2011, apesar da crise, teve o melhor resultado de sempre na INATEL, tendo realizado inúmeras iniciativas (teatro, séries de conferências, várias atividades desportivas, etc.). Toda a gente interessada sabe que é a verdade.
 
Curiosamente, o ministro da tutela nunca se interessou pela INATEL. Nunca recebeu Vítor Ramalho, que já leva mais de um ano sobre o atual mandato, nem respondeu às várias cartas que lhe escreveu. Silêncio total. O que além do mais representa um ato de indelicadeza inaceitável.
 
Na quarta-feira passada, às nove e meia da noite, o ministro telefonou-lhe. E deu-lhe a conhecer, abruptamente, que no dia seguinte de manhã havia um Conselho de Ministros, no qual seria substituído no seu cargo de presidente.
 
Claro que Vítor Ramalho não precisa da INATEL para ganhar a sua vida. Mas podia não ser assim. Tanto que há um ano e tal pôs o lugar à disposição. Mas as pessoas não são trapos e não podem ser tratadas como tal. É isso o que conta nesta triste história. O senhor ministro procedeu com total indelicadeza. Embora para o que se tem visto de injustiça, de irregularidades e de desprezo pelas pessoas, que este Governo tem praticado, este gesto não passe de uma pequeníssima gota de água. Mas que, naturalmente, afetou os amigos de Vítor Ramalho, como eu.
 

1 comentário:

Anónimo disse...



ERRO DE OMISSÃO!!!

Se fosse a exame de geografia Só-Ares não levava nota 10...

Por que razão omitirá ele a Islândia do mapa Europeu?

Em ciências políticas ainda levaria uma nota pior!

Porquê?

Lá diz o ditado: diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és, ou seja, quem anda com Carlucci tem neste momento e neste caso deliberadamente de esquecer a Islândia!

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