Mário Soares – Diário de Notícias, opinião
1 Os dirigentes
políticos europeus perdem tempo e dinheiro com estas cimeiras europeias que só
têm servido, quase sempre, para protelar decisões necessárias e urgentes.
Vivemos assim, pelo menos, desde 2008, em que as cimeiras se sucedem e os
resultados são nulos ou contraditórios. E a crise continua a agravar-se...
A chanceler Merkel,
vinda do Leste, lá saberá as linhas com que se cose. Mas com as suas
tergiversações nunca se sabe o que realmente quer. De seguro, só pensa em
ganhar as eleições... O que - diga-se - vai ser difícil. O certo é que passará
à história como a grande responsável pelo prolongamento de uma crise que
poderia ter evitado desde o início, quando os problemas começaram na Grécia. À
Alemanha não teria custado quase nada se, em nome da Zona Euro, tivesse
atalhado logo e ajudado a Grécia, como lhe cumpria. Não o fez. Os bancos
alemães saberão porquê. Talvez para os ajudar a ganhar um pouco mais, o que só
transitoriamente conseguiu. O resto foi o que se sabe e que vai custar muito
caro à Alemanha no final desta tristíssima história.
Não podendo
empurrar a União para uma terceira guerra mundial - a Alemanha não está,
felizmente, armada para tanto -, vai perder muito, financeira e economicamente,
se a União Europeia não vencer a crise em que está cada vez mais envolvida. As
suas exportações para os Estados europeus estão a diminuir, por força das
circunstâncias. É um sintoma grave.
A cimeira de
Bruxelas, que ocorreu nos dias 18 e 19 do corrente mês, foi, ao contrário do
que alguns esperavam, um balde de água fria. Mais uma vez, discutiu-se muito e
adiaram-se todas as medidas que haviam sido prometidas...
François Hollande
queria mais. Disse-o numa entrevista ao Le Monde, intitulada "O pior já
passou". O que não é o caso. A chanceler Merkel opôs-se. Menos austeridade
e mais crescimento para diminuir o desemprego? Nem pensar nisso! A chanceler
Merkel não deixou concretizar nada em matéria de redução da austeridade,
atirando para outra cimeira - como tanto gosta de fazer - as decisões a tomar.
E os outros Estados membros obedeceram. Até quando esta contradança vai
continuar? Hollande, é certo, lutou. Mas perdeu, bem como todos os Estados
vítimas dos mercados. E, assim, se continua a caminhar para o abismo, numa total
irresponsabilidade. Tudo pode acontecer...
Além dos três
primeiros Estados vítimas dos mercados usurários, outros vão aparecendo: a
Espanha, nossa vizinha, da qual não temos sido suficientemente solidários, está
a entrar numa situação explosiva. A Itália e, mais tarde ou mais cedo, a
França, vão ser igualmente vítimas e arrastarão, necessariamente, outros
Estados membros. Alguns, aliás, já estão na calha...
Notei, pelo que vi
nas televisões, que o nosso primeiro-ministro esteve muito silencioso e que, praticamente,
só falou com a senhora Merkel, não demonstrando qualquer solidariedade pelos
representantes dos Estados que são vítimas, como nós, dos mercados usurários.
Não é de admirar, dada a sua ideologia neoliberal. Mas é lamentável. A falta de
solidariedade, em política, paga-se...
No entanto, a
opinião europeia começa a manifestar-se por toda a União e a vir para a rua, o
que não deixa de ser perigoso - tenho-o escrito várias vezes - para aqueles
Governos para os quais as pessoas não contam. Atenção! A revolta que está a
amadurecer nas ruas vai complicar-se. E tudo indica, infelizmente, que pode
tornar-se violenta... Oxalá me engane!
2 Portugal e a
Europa - A crise que afeta o nosso país tem tudo a ver com o euro e a União
Europeia em geral. É por isso que a diplomacia portuguesa - e o próprio Governo
- deveria estar a seguir com toda a atenção, intervindo sempre que necessário,
a evolução política europeia e, em especial, mantendo ligações permanentes e
solidárias com os Estados vítimas da especulação dos mercados usurários. Não é
o que tem acontecido, infelizmente, ao longo deste último ano. Realmente, que
se saiba, o ministro dos Negócios Estrangeiros, empenhado no que tem chamado
"diplomacia económica" - veremos quais serão os resultados -, nunca
debateu com os seus homólogos a crise europeia e como a vencer. Ou será que o
primeiro-ministro lhe retirou essa competência para a dar ao senhor ministro de
Estado e das Finanças?
Contudo, como se
sabe, o ministro das Finanças é, e sempre foi, um economista tecnocrata,
distinto, ao que se diz, mas quanto ao problema político e social da crise,
como se tem visto, não sabe nada. E falta-lhe de todo a sensibilidade social.
Tem isto a ver com
a importância que tem para Portugal a evolução (contraditória, é certo) que
está a ocorrer em toda a Zona Euro e que irá intensificar-se se o Presidente
Barack Obama, como espero, ganhar as eleições de 6 de novembro. Contudo, o
desconhecimento do Governo quanto ao que se passa na Europa é péssimo para
Portugal!
Passos Coelho, discípulo
confesso e obediente da senhora Merkel e mais papista do que o Papa, em relação
à troika, talvez ainda não tenha percebido que ninguém já parece acreditar nas
políticas de austeridade para vencer a crise da Zona Euro. Nem sequer - julgo
eu - a sua professora Angela Merkel, embora às vezes não pareça e nunca o diga.
Contudo, os factos
são o que são. O Governo português, influenciado pela sua ideologia neoliberal,
obedece sem discussão à troika, que nas suas grandes linhas é contraditória
entre os seus membros. E, obviamente, à senhora Merkel. Por isso se
desinteressa dos Estados vítimas seus parceiros, a começar pela nossa vizinha
Espanha, economicamente tão importante para nós. Ao contrário do Governo, o
secretário--geral do PS, António José Seguro, tem vindo a criar uma rede
importantíssima de contactos europeus. É o único político português com grandes
responsabilidades que o tem feito!
Esteve recentemente
em Berlim, onde foi recebido, para dialogar sobre a crise, pelos líderes do SPD
(Partido Social Democrata Alemão), que, com bastante probabilidade, ganhará,
talvez com o voto dos Verdes, as eleições legislativas de 2013. São eles: o
presidente do SPD, Sigmar Gabriel; o vice-presidente, Hubertus Heil; o
presidente do grupo parlamentar, Frank-Walter Steinmeier; o vice-presidente,
Axel Schäfer, e ainda o candidato do SPD a chanceler, Peer Steinbrück.
Nessa mesma linha,
Seguro foi recebido em Paris, no Eliseu, por François Hollande, com o qual
falou largamente, pelo líder do Partido Socialista Francês, Harlem Désir, e
pelo presidente do Senado e almoçou na Assembleia Nacional com Philip Cordery,
membro da Comissão dos Negócios Estrangeiros para os Assuntos Europeus.
Antes desta viagem,
tão importante, Seguro tem estado frequentemente com o presidente do PSOE
(Espanha), Alfredo Rubalcaba, e com outros camaradas; na Itália, foi recebido
pelo Presidente da República, Giorgio Napolitano, e pelo presidente do Partido
Democrático, herdeiro do ex-PSI, Luigi Bersani. E tem feito viagens frequentes
a Bruxelas, para sentir o pulso do que se passa na União e no Parlamento.
Vem isto a
propósito para salientar como é incompreensível que os dirigentes políticos
portugueses da coligação não se encontrem para debater a crise que se arrasta,
nomeadamente o senhor primeiro-ministro. Talvez por isso tenha tanta facilidade
de dizer que a austeridade é decisiva e o resto não conta. Ora não é assim. A
austeridade leva--nos ao abismo, e é isso que é necessário evitar. Além de
afetar duramente o povo português, para nada, como se tem visto. Os europeístas
Helmut Schmidt e Jacques Delors - para só citar os mais prestigiados - bem nos
avisaram, mas até agora, infelizmente, para nada. O Governo não os ouviu...
Os partidos
portugueses da coligação desconhecem, por falta de contactos, o que está a
passar-se na Europa e em especial na Zona Euro. O primeiro-ministro só fala - e
ouve - a chanceler Merkel. É muito pouca coisa. E hoje é o pior conselho. Vem
visitar-nos e será homenageada pelo Governo, mas não poderá, seguramente,
descer à rua. Como sucedeu na Grécia. Entretanto, o primeiro-ministro não tem
manifestado solidariedade com os Governos de Espanha, Itália e mesmo França -
para não falar da Irlanda e da Grécia, de que só sabe dizer, com uma ponta de
desprezo, "não somos a Grécia". É péssimo, porque parece não
compreender o que representa a solidariedade. É um dos grandes valores da União
Europeia...
Ora a austeridade -
tal como a entende Passos Coelho, Gaspar e agora Portas - leva-nos à ruína mais
negra. Todos os portugueses já o compreenderam. É, por isso, urgente mudar de
política: pôr o acento tónico no crescimento económico e lutar, ativamente,
contra o desemprego. É o que o atual Governo não quer fazer. Por isso, quanto
mais tempo passar pior. É preciso que se demita ou seja obrigado a deixar o
poder. Para se salvar o pouco que nos resta. Isso, sim, é o que se impõe em
termos de interesse nacional.
O Partido
Socialista Europeu está a reagir bem em cooperação, aliás, com o português. Mas
a democracia cristã faz-nos grande falta. A doutrina social da Igreja deve
voltar, para ser coerente com o que se passa. É necessário que os católicos
compreendam - como já aconteceu com alguns - que a austeridade leva-nos ao
desastre e que só a solidariedade europeia e ocidental nos podem salvar, desenvolvendo
o projeto europeu. Esta é a alternativa necessária!
3 A caça às bruxas
- Há alguns meses que tenho vindo a dar-me conta de que o Governo está a
destruir, sistematicamente, o nosso Estado; embora não lhe tenha tirado as
"gorduras", vai dando lugares aos seus apaniguados. Tenho para mim
que é normal a substituição de pessoas nos cargos públicos, desde que mereçam.
Mas uma tal substituição tem regras legais e éticas. Este Governo criou por lei
uma comissão elegendo a necessidade de transparência para substituir os
titulares de empresas públicas ou equiparadas. Ora o Governo não cumpriu essa
lei, e não é a primeira vez que o faz. Dou o exemplo do que se passou com Vítor
Ramalho, presidente do Conselho de Administração da Fundação INATEL. Foi
nomeado pelo Governo Sócrates. Quando o atual Governo tomou posse, Vítor
Ramalho pôs o seu lugar à disposição, por ser socialista.
Como tinha feito
uma excelente gestão na Fundação, com 76 anos de existência e que tem hoje 200
mil associados, normalmente gente humilde, foi-lhe dito pelo ministro da
tutela, Pedro Mota Soares, que não se justificava. Que "nem pensasse
nisso". Passos Coelho foi perguntado sobre a eventual demissão de Vítor
Ramalho, e foi-lhe respondido da mesma maneira.
Vítor Ramalho
ficou. Passou um ano e tal, em que realizou um trabalho excecional. Abriu novas
unidades hoteleiras nos Açores (na Graciosa e nas Flores, onde não havia) e
outra em Linhares da Beira. Tornou o "grupo Inatel" o terceiro da
hotelaria em Portugal, requalificando quase todos os equipamentos! Em 2011,
apesar da crise, teve o melhor resultado de sempre na INATEL, tendo realizado
inúmeras iniciativas (teatro, séries de conferências, várias atividades
desportivas, etc.). Toda a gente interessada sabe que é a verdade.
Curiosamente, o
ministro da tutela nunca se interessou pela INATEL. Nunca recebeu Vítor
Ramalho, que já leva mais de um ano sobre o atual mandato, nem respondeu às
várias cartas que lhe escreveu. Silêncio total. O que além do mais representa
um ato de indelicadeza inaceitável.
Na quarta-feira
passada, às nove e meia da noite, o ministro telefonou-lhe. E deu-lhe a
conhecer, abruptamente, que no dia seguinte de manhã havia um Conselho de
Ministros, no qual seria substituído no seu cargo de presidente.
Claro que Vítor
Ramalho não precisa da INATEL para ganhar a sua vida. Mas podia não ser assim.
Tanto que há um ano e tal pôs o lugar à disposição. Mas as pessoas não são
trapos e não podem ser tratadas como tal. É isso o que conta nesta triste
história. O senhor ministro procedeu com total indelicadeza. Embora para o que
se tem visto de injustiça, de irregularidades e de desprezo pelas pessoas, que
este Governo tem praticado, este gesto não passe de uma pequeníssima gota de
água. Mas que, naturalmente, afetou os amigos de Vítor Ramalho, como eu.
1 comentário:
ERRO DE OMISSÃO!!!
Se fosse a exame de geografia Só-Ares não levava nota 10...
Por que razão omitirá ele a Islândia do mapa Europeu?
Em ciências políticas ainda levaria uma nota pior!
Porquê?
Lá diz o ditado: diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és, ou seja, quem anda com Carlucci tem neste momento e neste caso deliberadamente de esquecer a Islândia!
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