Às vésperas de mais
uma cúpula da União Européia, vários analistas começam a falar de uma “década
perdida” no continente europeu. Na década vindoura, os planos de austeridade
ceifarão as possibilidades de recuperação, aprofundando a crise e correndo o risco
de transformá-la numa crise política de grandes proporções.
Flávio Aguiar* –
Carta Maior, em Debate Aberto
Às vésperas de mais
uma cúpula da União Européia, que começa em Bruxelas nesta quinta-feira, vários
comentários e comentaristas começam a falar de uma “década perdida” no
continente europeu. A referência é a crise do euro – a moeda única de mais da
metade dos países da UE.
O euro entrou em circulação há dez anos atrás, em 1 de janeiro de 2002, embora já fosse uma “moeda escriturária”, isto é, contábil, desde 1999. A princípio saudado como o resultado de um grande acordo político-financeiro e como o vetor de uma nova era de prosperidade para os países que o adotaram, aos poucos a nova moeda tornou-se a tela visível – a ponta do iceberg, em termos mais antigos – de uma profunda crise político-financeira no continente e o vetor de uma série de confrontos de fundo que evidenciam a construção de uma enorme desigualdade.
Essa passagem da imagem da panacéia para a imagem de uma crise se espelha na pauta real que se delineia para esta cúpula que ora se inicia. A pauta formal envolverá discussões sobre a Grécia e a Espanha, sobre a tangibilidade do fundo de emergência para se contrapor à crise financeira e outros pontos de acerto ou desacerto. A favor do encaminhamento desta pauta existe o apoio nada desprezível de que a UE ganhou o prêmio Nobel da Paz deste ano. De fato, este é um feito para um continente que há séculos via, pelo menos, uma grande guerra eclodir a cada duas gerações.
Entretanto, nos bastidores desta pauta há outra, a pauta real, das oposições e confrontos. Por exemplo: Norte x Sul, Endividados x Credores, “Austeros” x “Perdulários”, e assim por diante. De um lado, os “desenvolvimentistas”, capitaneados por François Hollande; do outro, os “austeros monetaristas”, liderados pela implacável Angela Merkel.
Ainda nos bastidores dos bastidores – já nos camarins do subsolo – outra guerra desponta: aquela entre Mario Draghi e o Banco Central Europeu, e Jens Weidmann e o Banco Central Alemão. Draghi continua insistindo nas sua proposta de comprar “bonds” diretamente dos países endividados, forçando os juros a baixarem; Weidmann, derrotado no Conselho do BCE, continua insistindo na tese de que isso transborda o escopo do BCE, que seria unicamente manter a estabilidade da moeda e dos preços, e passa a ser uma política fiscal, “politizando” indevidamente a sua ação. Não sei Weidmann pessoalmente o deseja, mas partidários de sua tese parecem dispostos até a levar o caso aos tribunais europeus, questionando legalmente a proposta de Draghi.
Se olharmos do ponto de vista conservador e ortodoxo, de fato, a primeira década do euro pafrece ser uma década perdida. Ou seja, os países do “Sul” da Europa perderam o tempo e a oportunidade de introduzirem as necessárias reformas no seu mercado de trabalho e nos investimentos públicos, levando o continente à presente crise de insolvência de vários de seus estados.
Mas se olharmos do ponto de vista de uma economia voltada para o social, as décadas perdidas serão duas. Na passada, a UE e a zona do euro em particular perderam a oportunidade de traçar regras claras para seu setor financeiro, cuja desordenação, combinada com políticas de natureza neo-liberal aceitas quase hegemonicamente como “salutares”, levou à atual situação de crise da dívida dos estados e crise do crédito das instituições bancárias, as primeiras e as segundas prisioneiras dos mesmos empréstimos recebidos e concedidos.
Na década vindoura, os planos de austeridade, brandidos como nova foice sobre o continente, ceifarão as possibilidades de recuperação, aprofundando a crise e correndo o risco de transformá-la numa crise política de grandes proporções, comn a possibilidade da consolidação de propostas de extrema-direita e inviabilizando o sonho europeu de união com prosperidade.
Fica a escolha, ao gosto da leitora ou do leitor: uma ou duas décadas perdidas.
O euro entrou em circulação há dez anos atrás, em 1 de janeiro de 2002, embora já fosse uma “moeda escriturária”, isto é, contábil, desde 1999. A princípio saudado como o resultado de um grande acordo político-financeiro e como o vetor de uma nova era de prosperidade para os países que o adotaram, aos poucos a nova moeda tornou-se a tela visível – a ponta do iceberg, em termos mais antigos – de uma profunda crise político-financeira no continente e o vetor de uma série de confrontos de fundo que evidenciam a construção de uma enorme desigualdade.
Essa passagem da imagem da panacéia para a imagem de uma crise se espelha na pauta real que se delineia para esta cúpula que ora se inicia. A pauta formal envolverá discussões sobre a Grécia e a Espanha, sobre a tangibilidade do fundo de emergência para se contrapor à crise financeira e outros pontos de acerto ou desacerto. A favor do encaminhamento desta pauta existe o apoio nada desprezível de que a UE ganhou o prêmio Nobel da Paz deste ano. De fato, este é um feito para um continente que há séculos via, pelo menos, uma grande guerra eclodir a cada duas gerações.
Entretanto, nos bastidores desta pauta há outra, a pauta real, das oposições e confrontos. Por exemplo: Norte x Sul, Endividados x Credores, “Austeros” x “Perdulários”, e assim por diante. De um lado, os “desenvolvimentistas”, capitaneados por François Hollande; do outro, os “austeros monetaristas”, liderados pela implacável Angela Merkel.
Ainda nos bastidores dos bastidores – já nos camarins do subsolo – outra guerra desponta: aquela entre Mario Draghi e o Banco Central Europeu, e Jens Weidmann e o Banco Central Alemão. Draghi continua insistindo nas sua proposta de comprar “bonds” diretamente dos países endividados, forçando os juros a baixarem; Weidmann, derrotado no Conselho do BCE, continua insistindo na tese de que isso transborda o escopo do BCE, que seria unicamente manter a estabilidade da moeda e dos preços, e passa a ser uma política fiscal, “politizando” indevidamente a sua ação. Não sei Weidmann pessoalmente o deseja, mas partidários de sua tese parecem dispostos até a levar o caso aos tribunais europeus, questionando legalmente a proposta de Draghi.
Se olharmos do ponto de vista conservador e ortodoxo, de fato, a primeira década do euro pafrece ser uma década perdida. Ou seja, os países do “Sul” da Europa perderam o tempo e a oportunidade de introduzirem as necessárias reformas no seu mercado de trabalho e nos investimentos públicos, levando o continente à presente crise de insolvência de vários de seus estados.
Mas se olharmos do ponto de vista de uma economia voltada para o social, as décadas perdidas serão duas. Na passada, a UE e a zona do euro em particular perderam a oportunidade de traçar regras claras para seu setor financeiro, cuja desordenação, combinada com políticas de natureza neo-liberal aceitas quase hegemonicamente como “salutares”, levou à atual situação de crise da dívida dos estados e crise do crédito das instituições bancárias, as primeiras e as segundas prisioneiras dos mesmos empréstimos recebidos e concedidos.
Na década vindoura, os planos de austeridade, brandidos como nova foice sobre o continente, ceifarão as possibilidades de recuperação, aprofundando a crise e correndo o risco de transformá-la numa crise política de grandes proporções, comn a possibilidade da consolidação de propostas de extrema-direita e inviabilizando o sonho europeu de união com prosperidade.
Fica a escolha, ao gosto da leitora ou do leitor: uma ou duas décadas perdidas.
* Flávio Aguiar é
correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
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