Ana Sá Lopes,
publicado em 24 Set 2012, em i online, com foto
Os instrumentos
económicos existem mas a opinião política dominante proíbe o fim da crise. Paul
Krugman, Prémio Nobel da Economia, apela ao fim dessa corrente austeritária,
sacrificial e assassina de empregos. Ana Sá Lopes leu e gostava de assinar por
baixo
Nestes últimos três
anos caiu-nos uma depressão em cima da cabeça, e o que fizemos? Procurámos
culpados. O “viver acima das nossas possibilidades” e “os malefícios do
endividamento” são duas cantigas populares dos últimos anos. E, no entanto,
antes de a crise ter rebentado na América e de se ter propagado à Europa, o
nível de endividamento de alguns dos países do sul da Europa, como Portugal e
Espanha, tinha vindo a reduzir-se. Os gráficos estão lá e mostram que sim (como
mostram que o gigante alemão também está fortemente endividado). Mas porque é que
as pessoas não querem acreditar nisto? Nem sequer apreender o facto de terem
sido “praticamente todos os principais governos” que, “nos terríveis meses que
se seguiram à queda do banco de investimento Lehman Brothers, concordaram em
que o súbito colapso das despesas do sector privado teria de ser
contrabalançado e viraram-se então para uma política orçamental e monetária
expansionista num esforço para limitar os danos”? A Comissão Europeia e a
Alemanha estavam “lá”. E, de repente, tudo mudou.
Uma das maiores
dificuldades de lidar com esta crise é, em primeiro lugar, o facto natural de
tanto o cidadão comum como Jesus Cristo não perceberem nada de finanças, a
menos quando lhe vão ao seu próprio bolso (ou perde o emprego). A outra é o
poder da narrativa do “vivemos acima das nossas possibilidades”, aquilo a que
Krugman chama a “narrativa distorcida” europeia , “um relato falso sobre as
causas da crise que impede verdadeiras soluções e conduz de facto a medidas
políticas que só pioram a situação”. Krugman ataca “uma narrativa absolutamente
errada”, consciente de que “as pessoas que apregoam esta doutrina estão tão
relutantes como a direita americana em ouvir a evidência do contrário”.
Três quartos do
livro-manifesto “Acabem com esta crise já” é dedicado aos Estados Unidos,
pátria de Krugman. Mas tendo em conta o nosso “interesse nacional”,
centremo-nos no que diz sobre a Europa.
Krugman refuta a
explicação popular e maioritária sobre a situação actual na Europa – países sob
tutela de troika e pedidos de resgate à média de dois por ano. “Eis, então, a
Grande Ilusão da Europa: é a crença de que a crise da Europa foi essencialmente
causada pela irresponsabilidade orçamental. Diz essa história que os países
europeus incorreram em excessivos défices orçamentais e se endividaram
demasiado – e o mais importante é impor regras que evitem que isto volte a
acontecer”.
Krugman aceita que
a Grécia (e Portugal, “embora não à mesma escala) incorreu em
“irresponsabilidade orçamental”, mas recusa a “helenização” do problema
europeu. “A Irlanda tinha um excedente orçamental e uma dívida pública reduzida
na véspera do deflagrar da crise (...) A Espanha também tinha um excedente
orçamental e uma dívida reduzida. A Itália tinha um alto nível de endividamento
herdado das décadas de 1970 e 1980, quando a política era realmente
irresponsável, mas estava a conseguir fazer baixar de forma progressiva o rácio
do endividamento em relação ao PIB”. Ora um graficozinho do FMI demonstra que,
enquanto grupo, “as nações europeias que se encontram actualmente a braços com
problemas orçamentais conseguiram melhorar de forma progressiva a sua posição
de endividamento até ao deflagrar da crise”. E foi só com a chegada da crise
americana à Europa que a dívida pública disparou. Explicar isto aos
“austeritários” é uma tarefa insana. Diz Krugman: “Muitos europeus em posições-chave
– sobretudo políticos e dirigentes na Alemanha, mas também as lideranças do
Banco Central Europeu e líderes de opinião espalhados pelo mundo das finanças e
da banca – estão profundamente comprometidos com a Grande Ilusão e nada
consegue abalá-los por mais provas que haja em contrário. Em consequência
disso, o problema de responder à crise é muitas vezes formulado em termos
morais: as nações estão com problemas porque pecaram e devem redimir-se por via
do sofrimento”. Ora é esta exactamente a história que nos conta o governo e que
é, segundo Paul Krugman, “um caminho muito mau para se abordar os problemas que
a Europa enfrenta”.
Ao contrário do que
muita gente possa pensar, Krugman não é um perigoso socialista. E, céus, até
defende a austeridade (alguma, mas não esta). Vejam como ele explica a crise
espanhola, que considera a crise emblemática da zona euro: “Durante os
primeiros oito anos após a criação da zona euro a Espanha teve gigantescos
influxos de dinheiro, que alimentaram uma enorme bolha imobiliária e conduziram
a um grande aumento de salários e dos preços relativamente aos das economias do
núcleo europeu [Alemanha, França e Benelux]. O problema essencial espanhol, do
qual derivam todos os outros, é a necessidade de voltar a alinhar custos e preços.
Como é que isso pode ser feito?”. O Nobel explica: “Poderia ser feito por via
da inflação nas economias do núcleo europeu. Imagine-se que o BCE seguia uma
política de dinheiro fácil enquanto o governo alemão se empenhava no estímulo
orçamental; isto iria implicar pleno emprego na Alemanha mesmo que a alta taxa
de desemprego persistisse em Espanha. Os salários espanhóis não iriam subir
muito, se é que chegavam a subir, ao passo que os salários alemães iriam subir
muito; os custos espanhóis iriam assim manter-se nivelados, ao passo que os
custos alemães subiriam. E para a Espanha seria um ajustamento relativamente
fácil de fazer: não seria fácil, seria relativamente fácil”.
Ora, esta maneira
“relativamente fácil” de resolver a crise europeia tem estado condenada (vamos
ver o que se segue ao novo programa de compra de dívida do BCE, criticado pelo
presidente do Bundesbank) pela irredutibilidade alemã relativamente à inflação,
“graças às memórias da grande inflação ocorrida no início da década de 1920”.
Krugman lembra bem que estranhamente “estão muito mais esquecidas as memórias
relativas às políticas deflacionárias do início da década de 1930, que foram na
verdade aquilo que abriu caminho para a ascensão daquele ditador que todos
sabemos quem é”.
O que trama as
nações fracas do euro (como Espanha e Portugal) é, não tendo meios de
desvalorizar a moeda – como fez a Islândia no rescaldo da crise com sucesso –
estão sujeitas ao “pânico auto--realizável”. O facto de não poderem “imprimir
dinheiro” torna esses países vulneráveis “à possibilidade de uma crise
auto-realizável, na qual os receios dos investidores quanto a um incumprimento
em resultado de escassez de dinheiro os levariam a evitar adquirir obrigações
desse país, desencadeando assim a própria escassez de dinheiro que tanto
receiam”. É este pânico que explica os juros loucos pagos por Portugal, Espanha
e Itália, enquanto a Alemanha lucra a bom lucrar com a crise do euro – para
fugir ao “pânico” os investidores emprestam dinheiro à Alemanha sem pedir juros
e até dando bónus aos alemães por lhes deixarem ter o dinheirinho guardado em
Frankfurt.
Se Krugman defende
que “os países com défices orçamentais e problemas de endividamento terão de
praticar uma considerável austeridade orçamental”, defende que para sair da
crise seria necessário que “a curto prazo, os países com excedentes orçamentais
precisam de ser uma fonte de forte procura pelas exportações dos países com
défices orçamentais”.
Nada disto está a
acontecer. “A troika tem fornecido pouquíssimo dinheiro e demasiado
tardiamente” e, “em resultado desses empréstimos de emergência, tem-se exigido
aos países deficitários que imponham programas imediatos e draconianos de
cortes nos gastos e subidas de impostos, programas que os afundam em recessões
ainda mais profundas e que são insuficientes, mesmo em termos puramente
orçamentais, à medida que as economias encolhem e causam uma baixa de receitas
fiscais”. Conhece esta história, não conhece?
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