terça-feira, 16 de outubro de 2012

Portugal: Ferreira Leite avisa que Orçamento para 2013 “não tem execução possível”

 


Carlos Santos Neves, RTP
 
É “inviável” a execução da proposta de Orçamento do Estado para 2013 ontem submetida ao Parlamento e impõe-se que o Governo explique em que estado ficará o país se falhar a concretização das metas acertadas com os credores internacionais, defendeu esta terça-feira Manuela Ferreira Leite. Um aviso deixado na Conferência “O estado e a competitividade da economia portuguesa”, promovida pela Antena 1 e pelo Jornal de Negócios com o apoio da Faculdade de Economia da Universidade Nova. Rejeitando que Portugal esteja a encaminhar-se para a porta de saída da Zona Euro, a antiga ministra das Finanças sustentou que a única alternativa é “negociar com a troika, que cometeu um “erro básico” na “receita” aplicada ao caso português.
 
“Engordámos comendo aquilo que não devíamos, comendo mais do que aquilo de que precisávamos”. Foi com esta imagem que Manuela Ferreira Leite recuou a um dos registos políticos que mais marcaram a sua passagem pela liderança do PSD, quando, na Oposição ao Governo de José Sócrates, se desdobrava em alertas para o sobre-endividamento do país.

“É preciso emagrecer e o emagrecimento mantém-se exatamente exigente. Aquilo que eu gostaria de recomendar é que as pessoas não aceitassem morrer antes de emagrecer. Isto é, morrer gordo é do pior que há depois de se ter feito uma dieta tremenda”, admitiu a antiga titular da pasta das Finanças na conferência organizada pela rádio pública e pelo Jornal de Negócios.
 
Todavia, continuou a antecessora de Pedro Passos Coelho na liderança dos social-democratas, a solução para o quadro de colapso das contas públicas não pode passar pelas fórmulas inscritas pelo Ministério de Vítor Gaspar na proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano – um processo de reequilíbrio do défice em que a receita a encaixar com o agravamento de impostos tem um peso calculado em 80 por cento.

O Orçamento ontem entregue à Assembleia da República, afirmou Manuela Ferreira Leite, é “inviável” e “não tem execução possível”.

“Como eu acho que os objetivos não vão ser conseguidos, era bom que desde já o Governo, antes da aprovação do Orçamento ou durante a discussão do Orçamento, dissesse, se isto não for conseguido, onde é que estará o país nessa situação, porque há aqui um ponto fundamental pensando na macroeconomia. Efetivamente, não há macroeconomia sem pessoas. A economia é uma ciência social e, quando não se pensa como é que as pessoas, as empresas e o país estão depois de determinado tipo de receita, então realmente mais vale não fazer nada”, reforçou.

“O erro básico”

Ao intervir num painel partilhado com os antigos ministros Bagão Félix e Vieira da Silva e o economista Vítor Bento, Ferreira Leite apontou também um “erro básico” à missão do Fundo Monetário Internacional, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia. Um erro que radica no “desenho” do Programa de Assistência Económica e Financeira. “E daí o Governo não tem culpa”, contemporizou.

“E onde é que está o grande erro, que não tem nada a ver com 83 e 84? É que quando desenharam a receita esqueceram-se de um pormenorzito (sic): é que as nossas famílias estavam profundamente endividadas e, como tal, o efeito recessivo de, por exemplo, aumento de impostos é muitíssimo superior àquele que estaria se não houvesse esse endividamento das famílias”, propugnou.

“Por outro lado, simultaneamente ao nosso desequilíbrio externo - era o grande problema de 83 e 84 -, nós tínhamos um problema orçamental e estamos através de uma determinada receita a tentar bater os dois défices que são incompatíveis. E portanto é uma situação complexa cujo desenho, do meu ponto de vista, está errado. Porque exatamente, logo na primeira previsão de desemprego e recessão, ficaram muito espantados com o resultado, ficaram espantados porque se esqueceram de que o efeito recessivo é muito superior quando as famílias e as empresas estão muito endividadas”, insistiu a antiga dirigente do PSD.

“Nós neste momento estamos perante a situação que é o sector das famílias endividado a tentar corrigir o sector do Estado endividado. Portanto, só pode dar profundíssima recessão e um aumento enorme de desemprego”, rematou.

“Negociar com a troika”

Na perspetiva da antiga governante, não haverá “outra alternativa” que não passe por uma renegociação das condições do empréstimo com as instituições que formam a troika: “Provavelmente não é só o Governo, é o Governo, são várias entidades, é quem tem capacidade para isso”.

Manuela Ferreira Leite considera que o Ministério de Paulo Portas poderia desempenhar um papel mais relevante. E recusa que Portugal esteja condenado a abandonar a moeda única. Para tal, socorre-se da situação grega.

 
“Eu vejo, por exemplo, o ministro dos Negócios Estrangeiros pouco envolvido na questão europeia. Se calhar precisava de estar mais envolvido. Lembro-me que anteriormente, quando havia as grandes negociações com a Europa, através dos fundos, era sempre o ministro dos Negócios Estrangeiros, o primeiro-ministro, todos esses, que estavam envolvidos na negociação. Porque, quando o Vítor Bento me diz que nós não temos outra saída sem ser sair do euro, eu recuso completamente semelhante alternativa. Pela simples razão de que ainda não vi essa decisão aplicada à Grécia”, notou.

“A Grécia não tem cumprido absolutamente nada, dizem para fazer e não fazem. Há quantos anos está isto a suceder? Objetivos, não cumpre nenhum. Não têm um governo que os mantenha, não tem máquina fiscal, não tem acordos sociais, não tem nada. Não cumpre. Já algum dia disseram que a Grécia vai embora do euro, que não os financiamos? Somos nós que, sendo bem comportados, que temos estado a fazer tudo aquilo que devemos, todos os sacrifícios possíveis, que temos tido uma estrutura que nos ajuda, desde acordos políticos até acordos sociais, máquina fiscal eficaz, é a nós que nos vêm dizer não vos damos mais nada, porque vocês têm que se ir embora?”, questionou Ferreira Leite, para quem este é um argumento que “devia ser explorado”.

“Se não houver hipóteses nenhumas, como o ministro das Finanças diz, que não há saída absolutamente nenhuma - portanto a troika está fechadíssima para nós e abertíssima para a Grécia, o que é uma coisa absolutamente bizarra -, vamos admitir que isto é assim, então há uma coisa que os portugueses deverão exigir. É que nos digam, perante a inviabilidade de haver qualquer tipo de alteração, perante a única possibilidade e única alternativa que existe para este país, é isto que neste momento está consagrado no Orçamento, que me digam qual é que é o desenho que fazem do país e da sociedade portuguesa ao fim deste tempo”, instou.
 
Bagão Felix
 
Na conferência desta terça-feira, o antigo ministro das Finanças e do Trabalho Bagão Félix alertou que o Governo está a atuar mal ao privilegiar um aumento de impostos no Orçamento para 2013.

Bagão Félix considerou mesmo que a “carga fiscal pode gerar uma septicemia na economia”.
 
Vitor Bento
 
No mesmo painel, Vítor Bento quis assinalar que o país está “numa situação de insolvência potencial”. Que poderá desembocar na inevitabilidade de uma saída do euro.

“Nós dependemos dos balões de oxigénio que nos são dados pela troikae pelo BCE. Ninguém diz como é que se cresce. Cresce-se. Devemos crescer. Eu também sou a favor do crescimento, acho que toda a gente é a favor do crescimento. Mas se durante dez anos atrás, com todos os instrumentos, não conseguimos crescer, é agora sem dinheiro que vamos conseguir crescer? Com que instrumentos?”, perguntou o economista.

O ajustamento, prognosticou ainda Vítor Bento, vai prosseguir por via da redução da “procura interna” e de “um equilíbrio muito abaixo do pleno emprego”.

“Isso pode-se tornar socialmente insustentável e nessa altura as pessoas vão pedir para sair do euro. E portanto, se queremos politicamente estar no euro, nós temos que criar um pacto, um pacto entre as forças políticas e as forças sociais de fazer o que é necessário para nos mantermos no euro. Porque não tenhamos ilusões: se não fizermos o que é necessário, nós vamos sair do euro mais cedo ou mais tarde”, concluiu.
 

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