Mesmo após o fim do
regime do ex-ditador, democracia e Estado de Direito ainda são sonhos
distantes. País enfrenta problemas de segurança interna e não conseguiu punir
os responsáveis por crimes durante a revolução.
Ele se dizia amigo
do povo francês, recebeu um ou outro chefe de Estado e nos últimos anos de seu
governo parecia ter ficado um pouco moderado. Entretanto, fazia tempo que o
líder líbio Muammar Kadafi não tinha mais amigos ou aliados. Afinal, ele se
mostrava errático em suas alianças. Apoiou vários grupos terroristas, às vezes
colaborava para a unidade árabe, outras vezes lutava pela unidade africana e
agia de forma brutal contra seu próprio povo.
Por isso, sequer
uma voz no Conselho de Segurança discordou quando no começo de 2011 foi decidida
uma operação da Otan contra o ditador líbio. Era o fim da era Kadafi.
Entretanto, as consequências negativas da sua tirania ainda são visíveis.
Partidos proibidos,
oposição reprimida
Não é de se admirar
que Kadafi, filho de uma família de beduínos, tenha ditado a política líbia
durante quatro décadas – inicialmente como chefe de Estado e, a partir de 1979,
como autoproclamado líder revolucionário. Independentemente de quem era o chefe
de Estado ou o primeiro-ministro, todo o poder ficava de fato nas mãos do
líder.
Partidos não eram
permitidos, a oposição era reprimida. Temendo adversários fortes, Kadafi
negligenciava sistematicamente a infraestrutura de seu país. Centros
concorrentes de poder não deveriam sequer surgir, até mesmo o Exército era
praticamente incapacitado.
Agora, os líbios
precisam criar novas estruturas e instituições políticas a partir do zero. "É
um desafio muito grande reconstruir toda a administração pública, as forças de
segurança e o Exército", constata Günter Meyer, professor de Geografia
Econômica e diretor do Centro de Pesquisa sobre o Mundo Árabe na cidade alemã
de Mainz.
Controvérsia sobre
a reorganização do país
A reorganização do
país levou a forte controvérsias e debates nos últimos meses, por causa dos
diversos interesses do povo líbio. Isso tem raízes históricas: antes de Kadafi
tomar o poder por meio de um golpe em 1969, as três regiões Cirenaica, Fezzan e
Trípoli tinham identidades distintas.
Na gestão do
primeiro governante da Líbia, o rei Idris, o país teve até 1963 uma
Constituição federativa. Antes disso, as três regiões eram colônias italianas −
e nunca haviam sido uma unidade. Ainda hoje, muitos líbios dão mais valor à sua
cidade e à sua tribo do que ao Estado.
Uma razão é que
muitos líbios tiveram experiências ruins com um poder central. Kadafi
controlava a indústria do petróleo e, com isso, toda a economia do país. Sob
seu governo, sobretudo a capital, Trípoli, e sua região de origem, Sirte,
lucravam com a produção de petróleo.
A região de
Cirenaica, no leste, onde fica a metrópole Benghazi, foi fortemente
negligenciada. Não por acaso a revolução eclodiu ali em fevereiro de 2011 e Benghazi
serviu como capital do governo revolucionário até a queda de Trípoli.
Milícias poderosas
Atualmente existe
um forte movimento de independência exatamente em Cirenaica, região rica em
petróleo. O governo central ainda carece de uma liderança militar. As forças de
segurança dependem de um grande número de milícias regionais, baseadas em
grupos tribais ou regionais. Estas milícias também lutam entre si, causando um
problema de segurança grave para o país.
Ao mesmo tempo,
antigos bastiões de Kadafi, como Sirte e Bani Walid, ainda mantêm distância da
nova Líbia. "O Conselho Nacional, que é encarregado de formar um governo,
ainda não pôde garantir que a paz prevaleça no país", avalia Wenzel
Michalski, diretor organização Human Rights Watch na Alemanha. "Milícias
armadas e gangues criminosas aproveitam o vácuo de poder para impor suas
demandas ou demarcar seus territórios."
Os radicais
islâmicos tentam tirar proveito da situação incerta no país. O Islã
fundamentalista, entretanto, é impopular entre os líbios religiosos. A
destruição de santuários islâmicos causadas por salafistas prejudicou bastante
a popularidade dos islamistas radicais.
Eles também não
conseguem mobilizar muitos adeptos no país com seu ódio ao Ocidente. Isso ficou
evidente depois de 11 de setembro de 2012, quando um grupo terrorista em
Benghazi assassinou quatro norte-americanos, incluindo o embaixador dos EUA. Dezenas
de milhares de líbios foram às ruas e expulsaram da cidade duas milícias
radicais islâmicas, e até então influentes, da cidade.
Passado atrapalha
A Líbia ainda está
longe de conseguir colocar as milícias sob controle e punir os crimes cometidos
antes e durante a revolução. "É exatamente isso que emperra o
desenvolvimento do país", opina Wenzel Michalski.
Segundo um
relatório da Human Rights Watch, não somente os combatentes de Kadafi cometeram
crimes de guerra. As milícias que contribuíram definitivamente para a vitória
contra o ex-líder agiram brutalmente contra seus opositores e massacraram
soldados de forma maciça.
Um ano após a morte
de Kadafi, as autoridades líbias ainda sequer começaram a investigar e
processar os responsáveis por
crimes de guerra e outras violações do direito internacional em ambos os lados.
"Os responsáveis têm que
ser responsabilizados, de modo que aquilo que os revolucionários exigem possa
virar realidade, isto é, democracia e Estado de direito", conclui
Michalski.
Autora: Anne
Allmeling (md) - Revisão: Mariana Santos
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