Andrea Dip/aPublica
- de São Paulo – Correio do Brasil
Acolhendo as
denúncias dos movimentos populares sobre as remoções forçadas de comunidades
para obras da Copa, o Conselho de Defesa do Direito da Pessoa Humana (CDDPH) da
Secretaria Nacional dos Direitos Humanos criou o Grupo de Trabalho Moradia Adequada
em uma inciativa inédita. O GT, criado em agosto, vai recolher informações
sobre os problemas de moradia enfrentados pela população, com foco nos impactos
de megaprojetos e megaeventos, e encaminhar recomendações aos Municípios e
Estados.
Professor e
conselheiro do CDDPH, Eugênio Aragão confirmou, em entrevista à agência de
notícias Copa Pública que
a criação do GT é fruto da mobilização da sociedade e da cobrança dos
movimentos populares, o que também facilitou o diagnóstico do problema: depois
de algumas visitas às cidades sede, o grupo identificou um padrão de violação
de direitos:
– Com a desculpa de
que os moradores são invasores, as prefeituras ignoram por completo seus
direitos. Muitas vezes a comunidade está ali há 10, 20 anos e é
sistematicamente assediada pela prefeitura – afirmou.
Aragão afirma
também que a desinformação da população sobre as áreas que serão despejadas e o
destino que será dado às comunidades é parte de uma tática das gestões
municipais para evitar enfrentamento:
– Eu diria que
manter a população desinformada é parte da tática, para poder surpreendê-la e
não contar com resistência organizada judicialmente inclusive.
– Por que o grupo
foi criado?
– O GT foi criado a
pedido da sociedade civil e de várias entidades vinculadas ao direito de
moradia. Temos no grupo representantes dessas entidades, inclusive. O conselho
foi pautado pelos movimentos sociais. Nós visitamos até agora Fortaleza,
Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Temos duas linhas:
impactos de megaeventos e impactos de desastres naturais. Muitas vezes a gente
sabe que existem obras públicas que não têm nada a ver com a Copa mas que
simplesmente são rotuladas assim para passar por cima de tudo e todos.
Simplesmente porque tem um “selinho” da Copa do Mundo. Muitas obras são
oportunistas neste sentido.
– E o que o senhor
já pode dizer sobre essas primeiras visitas?
– Nós ainda vamos
fazer o relatório oficial e as recomendações, mas o que eu posso antecipar é
que os problemas são parecidos em todas as cidades. O principal deles é que as
obras são feitas implicando no desalojamento de pessoas que nunca são
informadas sobre os projetos, datas, quais são os direitos, o que elas vão
ganhar em troca, para onde vão, ou seja: se mantém a população afetada em
absoluto desconhecimento. Em alguns casos por desorganização e em outros é
parte da tática: manter a população desinformada para poder surpreendê-la e não
contar com resistência organizada.
O segundo problema
é a deslegitimação dos moradores. Com a desculpa de que são invasores, se
ignora por completo o direito deles à moradia. Muitas vezes as comunidades
estão a 10, 20 anos no mesmo lugar e são sistematicamente assediadas pela
prefeitura. Isso é um padrão nas cidades, de desrespeito aos direitos das
pessoas, de recusa de diálogo com a comunidade. É uma coisa assustadora. E
apoiado por uma classe média que gosta muito dessas medidas de gentrificação
urbana que “tiram o feio” de suas vistas.
– O senhor falou
sobre algumas obras que nem são para os megaeventos…
– Mas levam esse
“selinho”. Um exemplo é o VLT de Fortaleza. Eu chamo aquilo de uma obra
oportunista. O presidente do Metrofor [Companhia Cearense de Transportes
Metropolitanos S.A] estava muito bravo quando falou com a gente, dizendo que
está fazendo um favor ao contribuinte já que a obra está sendo muito barata.
Bom, então por que não aproveita e investe nos bairros? Por que expulsa as
pessoas de bairros onde elas estão a 40, 50 anos? A gente ouve falar que não se
faz omelete sem quebrar ovos, mas o problema é: de quem se quebram os ovos?
– Essa inciativa da
Secretaria de Direitos Humanos é inédita, não?
– No Brasil as coisas
se fazem para inglês ver e a gente sabe como nossos administradores trabalham.
Por isso a gente tem que ter esta cautela. Talvez a situação mais grave que
encontramos tenha sido a da Vila Autódromo no Rio de Janeiro, que está titulada
pelo Governo do Estado. O Leonel Brizola deu a eles a concessão de uso para
fins de moradia pelo prazo de 99 anos, o Estado depois cedeu uma área enorme ao
município mas deixou bem claro que deveria respeitar a Vila Autódromo e a
prefeitura diz que não tem nenhuma obrigação com aqueles moradores e que vai
tirar de qualquer jeito. E diz que a Vila Autódromo polui a lagoa de
Jacarepaguá por causa de aterros, só que ao lado tem o Rock’n’Rio, que invadiu
mais de 500 metros
da lagoa. Mas aterrar a lagoa tudo bem, sobre isso a prefeitura não reclama.
Existe inclusive um projeto de revitalização feito pela UFRJ para a Vila
Autódromo que poderia ser um cartão de visitas do Brasil ao mostrar a
integração social e ambiental com um projeto de dignificação de vulneráveis. Ao
invés disso, o prefeito prefere destruir.
– Quais são os
próximos passos do GT?
– Nós paramos as
visitas por causa das eleições, para não parecer algo eleitoreiro, e vamos
retomar em novembro. Mas
já temos dados suficientes para mostrar nossa tese a respeito de várias
recomendações que vão ser feitas. Vamos fazer um relatório com recomendações,
que vai ser submetido ao ao CDDPH. Aprovado, ele será remetido à Secretaria dos
Direitos Humanos para se articular com outros ministérios e os governos
federais e municipais para implementar estas recomendações.
– E existe uma
data?
– Queremos entregar
essas recomedações até março no máximo. A situação é muito grave, não dá para
esperar mais.
A Copa Pública é
uma experiência de jornalismo cidadão que mostra como a população brasileira
tem sido afetada pelos preparativos para a Copa de 2014 – “e como está se
organizando para não ficar de fora”, afirma o enunciado da agência de notícias.
Sem comentários:
Enviar um comentário