Paulo Monteiro Jr* –
Expresso das Ilhas, opinião (cv)
O debate sobre o
Orçamento do Estado (OE) tem revelado a progressiva incapacidade do Governo
para resolver o problema fundamental da política orçamental em Cabo Verde : o
"gap" profundo e persistente entre as receitas orçamentais e as
despesas públicas. Neste âmbito, a despesa pública corrente tem sido o
instrumento privilegiado da governação orçamental, contribuindo para o aumento
contínuo do peso da despesa do sector público na despesa nacional. Por seu
turno, as receitas tributárias permanecem num nível inferior ao máximo atingido
em 2008, ano da eclosão da Grande Recessão.
A análise da proposta de Orçamento do Estado para 2013 deve ser realizada tendo em conta a avaliação macroeconómica que enquadra o OE e a estimativa de execução deste que estáem
vigor. De notar que a execução orçamental nestes primeiros
nove meses de 2012 traduz uma evolução negativa das receitas fiscais e uma
derrapagem na despesa corrente. Neste contexto, a previsão do crescimento do
produto interno bruto (PIB) em 2013 apresentada pelo governo (5%) é claramente
exagerada, sendo mais realista admitir o valor recentemente projetado pelo
Fundo Monetário Internacional no WEO (4.4%). Como o leitor facilmente compreende,
subindo o denominador, os rácios orçamentais que medem a orientação do OE-2013,
baixam.
O OE-2013 estabelece a meta de 7.4 por cento do PIB para o défice orçamental. Num contexto de aumento muito significativo da despesa corrente, a orientação da política orçamental, medida pela variação do saldo global, é moderadamente expansionista e anti - cíclica. A variação do saldo global entre 2012 e 2013 cifra-se em 0.8 p.p. do PIB. Quanto ao rácio da dívida, atingirá, no final de 2013, 90.1 por cento do PIB, que compara com o valor de 82.0.0 por cento em 2012.
Convém, todavia, sublinhar que o governo tem estado a garantir ou a avalizar dívidas de empresas públicas. O governo conhece a incapacidade destas empresas liquidarem a dívida, e viu recentemente que uma empresa pública (ELECTRA) não pôde sequer garantir o pagamento de juros nem muito menos das amortizações. Não obstante, o governo deixa as empresas contraírem nova dívida para o pagamento do serviço da dívida anterior, ficando a nova dívida acrescentada à dívida total dessas empresas, o que equivale à capitalização dos juros. Este expediente faz com que os juros não fiquem como encargos do governo, embora mais cedo ou mais tarde tenha de responder por eles e pela dívida. Sabendo que não há expectativas de lucros nem de patrimónios vendáveis para liquidar as dívidas, tornar-se-ia necessário em termos de transparência e hones-tidade de contas, que fossem feitos os devidos "write offs" (abatimentos) e a consequen-te assunção desses montantes como dívida pública. Em todo o caso, a dívida pública assumida mais a oculta, estará, no próximo ano, acima dos 100 por cento do PIB, verificando-se assim um processo de clara divergência em relação ao critério de dívida de Maastricht como disposto no artigo 4º do Acordo de Cooperação Cambial (ACC) assinado com Portugal e reconhecido pelas Autoridades da União Europeia. O teste da qualidade da dívida pública é o "risk premium" que os investidores e os bancos internacionais cobram. De notar também que há um forte consenso entre os economistas e banqueiros que um país com as características do nosso com um "stock" de dívida acima dos 100% do PIB entra numa zona perigosa e a credibilidade do Estado cai.
As alterações no sistema fiscal com reflexo na receita de impostos acolhidas no OE-2013 são no sentido de um aumento do nível de tributação, como seria de esperar. No âmbito dos impostos indiretos, são de destacar a subida da taxa do IVA para 15% no turismo e a subida do IVA sobre os preços administrados (por exemplo, eletricidade...).
O fetichismo da despesa e da dívida públicas enraíza na tradição deste governo. O go-verno continua a aumentar a despesa corrente e o "stock" da dívida e a acaparar o rendi-mento dos cidadãos.
O OE-2013 reflete uma política orçamental à beira do abismo. Não ajuda e sequer encara os verdadeiros desafios que a economia cabo-verdiana se confronta: o problema ime-diato da alta taxa média de desemprego e o duplo "gap" do produto (PIB) e entre a receita orçamental e a despesa pública.
Penso que há política fiscal e de despesa alternativas. O governo em vez de colocar o ónus demasiado elevado na fiscalidade indireta através, por exemplo, do aumento brutal do IVA no setor-chave do turismo, devia proceder à introdução de um imposto lá onde há exercício do "poder de mercado" e no setor financeiro (atividades "rent-seeking"). Um princípio de base na economia diz-nos que é altamente eficiente tributar as rendas porque tais impostos não causam distorção.
De sublinhar também que a política de estímulos orçamentais numa economia com o setor de exportação de bens e serviços atrofiado, como é o nosso caso, só pode conduzir a um endividamento crescente e a um impasse.
Estes erros de análise e de política económica têm consequências graves no futuro do país.
*Economista, Prof. Universitário.
A análise da proposta de Orçamento do Estado para 2013 deve ser realizada tendo em conta a avaliação macroeconómica que enquadra o OE e a estimativa de execução deste que está
O OE-2013 estabelece a meta de 7.4 por cento do PIB para o défice orçamental. Num contexto de aumento muito significativo da despesa corrente, a orientação da política orçamental, medida pela variação do saldo global, é moderadamente expansionista e anti - cíclica. A variação do saldo global entre 2012 e 2013 cifra-se em 0.8 p.p. do PIB. Quanto ao rácio da dívida, atingirá, no final de 2013, 90.1 por cento do PIB, que compara com o valor de 82.0.0 por cento em 2012.
Convém, todavia, sublinhar que o governo tem estado a garantir ou a avalizar dívidas de empresas públicas. O governo conhece a incapacidade destas empresas liquidarem a dívida, e viu recentemente que uma empresa pública (ELECTRA) não pôde sequer garantir o pagamento de juros nem muito menos das amortizações. Não obstante, o governo deixa as empresas contraírem nova dívida para o pagamento do serviço da dívida anterior, ficando a nova dívida acrescentada à dívida total dessas empresas, o que equivale à capitalização dos juros. Este expediente faz com que os juros não fiquem como encargos do governo, embora mais cedo ou mais tarde tenha de responder por eles e pela dívida. Sabendo que não há expectativas de lucros nem de patrimónios vendáveis para liquidar as dívidas, tornar-se-ia necessário em termos de transparência e hones-tidade de contas, que fossem feitos os devidos "write offs" (abatimentos) e a consequen-te assunção desses montantes como dívida pública. Em todo o caso, a dívida pública assumida mais a oculta, estará, no próximo ano, acima dos 100 por cento do PIB, verificando-se assim um processo de clara divergência em relação ao critério de dívida de Maastricht como disposto no artigo 4º do Acordo de Cooperação Cambial (ACC) assinado com Portugal e reconhecido pelas Autoridades da União Europeia. O teste da qualidade da dívida pública é o "risk premium" que os investidores e os bancos internacionais cobram. De notar também que há um forte consenso entre os economistas e banqueiros que um país com as características do nosso com um "stock" de dívida acima dos 100% do PIB entra numa zona perigosa e a credibilidade do Estado cai.
As alterações no sistema fiscal com reflexo na receita de impostos acolhidas no OE-2013 são no sentido de um aumento do nível de tributação, como seria de esperar. No âmbito dos impostos indiretos, são de destacar a subida da taxa do IVA para 15% no turismo e a subida do IVA sobre os preços administrados (por exemplo, eletricidade...).
O fetichismo da despesa e da dívida públicas enraíza na tradição deste governo. O go-verno continua a aumentar a despesa corrente e o "stock" da dívida e a acaparar o rendi-mento dos cidadãos.
O OE-2013 reflete uma política orçamental à beira do abismo. Não ajuda e sequer encara os verdadeiros desafios que a economia cabo-verdiana se confronta: o problema ime-diato da alta taxa média de desemprego e o duplo "gap" do produto (PIB) e entre a receita orçamental e a despesa pública.
Penso que há política fiscal e de despesa alternativas. O governo em vez de colocar o ónus demasiado elevado na fiscalidade indireta através, por exemplo, do aumento brutal do IVA no setor-chave do turismo, devia proceder à introdução de um imposto lá onde há exercício do "poder de mercado" e no setor financeiro (atividades "rent-seeking"). Um princípio de base na economia diz-nos que é altamente eficiente tributar as rendas porque tais impostos não causam distorção.
De sublinhar também que a política de estímulos orçamentais numa economia com o setor de exportação de bens e serviços atrofiado, como é o nosso caso, só pode conduzir a um endividamento crescente e a um impasse.
Estes erros de análise e de política económica têm consequências graves no futuro do país.
*Economista, Prof. Universitário.
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