Constança Cunha e Sá – Jornal i, opinião
Contra ventos e
marés (e algumas almas mal intencionadas), o governo conseguiu transformar um
“ajustamento” inexequível num extraordinário caso de sucesso de dimensão
internacional. A sexta avaliação, como se sabe, revelou um país em vias de recuperação,
com horizontes mágicos para 2013 – segundo o ministro das Finanças, algures, em
meados do próximo ano, vamos assistir finalmente a uma pequenina mas valiosa
recuperação económica, fruto de um rumo traçado a régua e esquadro, para o qual
não existe qualquer alternativa.
Como é evidente,
tendo em conta os resultados de 2012, o ministro não se compromete totalmente
com as metas que ele próprio traçou – na sua opinião, não estamos propriamente
num “campeonato de previsões” que nos obrigue a cumprir as metas estabelecidas
no Orçamento do Estado. A estratégia é bastante mais subtil e traduz-se na
necessidade de manter a todo o custo o rumo traçado, mesmo que pelo caminho
tudo o resto esteja sujeito aos mais variados percalços. Caso alguns espíritos
não tenham percebido, este é o ponto fundamental em que assenta a política do
governo: a existência de um rumo que se define essencialmente pelo fracasso dos
objectivos definidos.
Só assim se explica
que o ministro das Finanças nos anuncie radiosamente que Portugal é hoje uma
luminosa história de sucesso depois de ter falhado todas as previsões em 2012 e
de rever em baixa o crescimento económico para os próximos anos. O défice ficou
acima do previsto, as receitas fiscais não se cumpriram, o consumo interno caiu
drasticamente, o número de falências aumenta de dia para dia, o desemprego
atinge proporções alarmantes, o investimento privado está em queda acentuada? O
governo não se comove: falhados os objectivos, resta-lhe repetir a receita para
o ano de 2013, com um toque de imaginação. Para manter o rumo e compensar o
fracasso da sua política, o governo decidiu brindar o país com um “enorme”
aumento de impostos, cujos efeitos recessivos ignora olimpicamente, e um corte
na despesa de “pelo menos” 4 mil milhões de euros – que entretanto o
primeiro-ministro tentou embrulhar num debate-relâmpago sobre as funções do
Estado que deve ocorrer algures entre o Natal e o Ano Novo.
Para os anos
seguintes, o FMI, um dos entusiastas do nosso sucesso, não tem dúvidas. O país
não vai poder abrandar a carga fiscal, o crescimento anémico até 2017 não baixa
o desemprego nem trava a emigração, a austeridade é para manter embora vá
desencadear “ventos contrários ao crescimento”, mas o “ajustamento” tem de
continuar. E assim se explica como é que um país falido e a caminho do
precipício, onde a coesão social é uma miragem e o consenso político tem os
dias contados, se transforma num caso de sucesso. Porque o nosso sucesso, que o
governo e a troika tanto enaltecem, é precisamente a chave de um verdadeiro
beco sem saída.
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