sábado, 24 de novembro de 2012

Portugal: O RUMO

 

Constança Cunha e Sá – Jornal i, opinião
 
Contra ventos e marés (e algumas almas mal intencionadas), o governo conseguiu transformar um “ajustamento” inexequível num extraordinário caso de sucesso de dimensão internacional. A sexta avaliação, como se sabe, revelou um país em vias de recuperação, com horizontes mágicos para 2013 – segundo o ministro das Finanças, algures, em meados do próximo ano, vamos assistir finalmente a uma pequenina mas valiosa recuperação económica, fruto de um rumo traçado a régua e esquadro, para o qual não existe qualquer alternativa.
 
Como é evidente, tendo em conta os resultados de 2012, o ministro não se compromete totalmente com as metas que ele próprio traçou – na sua opinião, não estamos propriamente num “campeonato de previsões” que nos obrigue a cumprir as metas estabelecidas no Orçamento do Estado. A estratégia é bastante mais subtil e traduz-se na necessidade de manter a todo o custo o rumo traçado, mesmo que pelo caminho tudo o resto esteja sujeito aos mais variados percalços. Caso alguns espíritos não tenham percebido, este é o ponto fundamental em que assenta a política do governo: a existência de um rumo que se define essencialmente pelo fracasso dos objectivos definidos.
 
Só assim se explica que o ministro das Finanças nos anuncie radiosamente que Portugal é hoje uma luminosa história de sucesso depois de ter falhado todas as previsões em 2012 e de rever em baixa o crescimento económico para os próximos anos. O défice ficou acima do previsto, as receitas fiscais não se cumpriram, o consumo interno caiu drasticamente, o número de falências aumenta de dia para dia, o desemprego atinge proporções alarmantes, o investimento privado está em queda acentuada? O governo não se comove: falhados os objectivos, resta-lhe repetir a receita para o ano de 2013, com um toque de imaginação. Para manter o rumo e compensar o fracasso da sua política, o governo decidiu brindar o país com um “enorme” aumento de impostos, cujos efeitos recessivos ignora olimpicamente, e um corte na despesa de “pelo menos” 4 mil milhões de euros – que entretanto o primeiro-ministro tentou embrulhar num debate-relâmpago sobre as funções do Estado que deve ocorrer algures entre o Natal e o Ano Novo.
 
Para os anos seguintes, o FMI, um dos entusiastas do nosso sucesso, não tem dúvidas. O país não vai poder abrandar a carga fiscal, o crescimento anémico até 2017 não baixa o desemprego nem trava a emigração, a austeridade é para manter embora vá desencadear “ventos contrários ao crescimento”, mas o “ajustamento” tem de continuar. E assim se explica como é que um país falido e a caminho do precipício, onde a coesão social é uma miragem e o consenso político tem os dias contados, se transforma num caso de sucesso. Porque o nosso sucesso, que o governo e a troika tanto enaltecem, é precisamente a chave de um verdadeiro beco sem saída.
 

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