quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A ESTRATÉGIA DO DESASTRE

 

Manuel Maria Carrilho – Diário de Notícias, opinião
 
Se a Europa vier a colapsar, será fácil indicar onde o desastre começou: foi na absurda invenção das "troikas" e dos "memorandos" com que, em 2010, se decidiu responder ao excessivo défice orçamental grego e à gigantesca dimensão do seu endividamento. Foi esse o ponto da bifurcação decisiva, fatal, entre a solução solidária e o descartar calculista.
 
A Europa, ao recorrer ao FMI, não só se assumiu impotente para tratar de um problema em rigor menor, como optou pelo egoísmo cego que tão bem caracteriza os seus líderes mais medíocres. Faltou então discernimento aos responsáveis políticos europeus, que tudo confundiram numa vertiginosa sucessão de diagnósticos errados e de cálculos estrita- mente nacionais, que naturalmente só podiam conduzir a soluções ineptas, ou mesmo - como cada vez mais se teme -, suicidárias.
 
O facto, é que a excessiva atenção à convergência dos critérios formais da moeda única (em termos de inflação, défice orçamental e dívida pública) levou a uma imprudente desvalorização da divergência que, ao mesmo tempo e na indiferença geral, decorria de grandes transformações por que passavam as economias europeias, aumentando as diferenças entre os países do Sul e do Norte da Europa.
 
Com efeito, a criação do euro desencadeou uma dinâmica que, contra todas as proclamadas expectativas, tornou as economias da Zona Euro mais heterogéneas, dinâmica que não foi detetada e cujas consequências não foram, portanto, avaliadas. Pelo contrário, continuou a olhar-se só para os critérios formais da convergência, e para a sua transgressão, ignorando-se o fundamental: a crescente heterogeneidade estrutural entre as diversas economias dos seus membros.
 
Primeiro foi a Grécia, depois a Irlanda, a seguir Portugal. Países com problemas inegavelmente graves, mas também indiscutivelmente diferentes, a exigir diagnósticos diferenciados e medidas específicas para cada caso. Entretanto juntaram-se ao clube dos países em grandes dificuldades a Itália e a Espanha, enquanto outros começaram a dar sinais de perigo. Este facto parece estar a mudar alguma coisa, desde logo porque os líderes políticos destes últimos países se recusaram a pôr-se de cócoras.
 
É que, ao contrário do que diz o Governo português e a "sua" troika, já ninguém acredita um segundo que seja - na Europa e não só - na solução engendrada na Primavera de 2010. A novela grega é, na verdadeira tragédia dos seus intermináveis episódios, uma lição absolutamente clara sobre este ponto, lição que só os militantes do fanatismo contabilístico-financista ainda não tiraram.
 
E também ao contrário do que dizem muitos tagarelas nacionais, ninguém está realmente preocupado com os "bons resultados" do "bom aluno" português. Tudo isto é conversa fiada, como o são as lérias sobre a dívida grega, cujo inevitável perdão está simplesmente à espera das eleições alemãs do outono de 2013. E como esta semana se percebeu, numa situação que acabou por ser bem humilhante para o Governo português, condições mais justas de juros e de prazos são só para situações terminais, quando já não há volta a dar...
 
É por isso que as soluções que as "troikas" e os seus "memorandos" engendraram (concebidas mais para responder às aflições dos credores do que ao desendividamento dos devedores) caíram no descrédito total. Dai, é preciso reconhecê-lo, a sagaz resistência de Mariano Rajoy às enormes pressões para pedir um resgate de forma "memorando-troikana".
 
M. Rajoy, com o apoio florentino de Mario Monti e a cumplicidade de François Hollande, tem conseguido até agora resistir e abrir outras vias para responder às dificuldades de Espanha, tendo entretanto obtido da Comissão Europeia um empréstimo de 37 mil milhões para reestruturar o sector bancário, com juros a 1%, enquanto (é bom lembrá-lo) nós quase pagamos quase 4%! Mas o horizonte continua muito carregado.
 
Resistir é talvez o termo que melhor caracteriza o estado de alma que está a generalizar-se nos povos do Sul da Europa, onde toda a gente já percebeu que nos últimos dois anos a Alemanha tem seguido uma política estritamente nacional, e que o fez e continua a fazer colando-se cinicamente aos mercados, transformando as contingências do momento em necessidades estruturais da sua conveniência - assim se impondo cada vez mais a toda a Europa.
 
Ironia do destino ou erro de estratégia, o facto é que o euro, que foi criado para controlar uma assustadora Alemanha reunificada, se transformou entretanto no instrumento da hegemonia alemã, perante a cegueira, a indolência e a irresponsabilidade dos seus parceiros, que a História julgará severamente.
 
Pressinto, por isso, que há palavras que vão aparecer cada vez mais no nosso vocabulário corrente: "resistência" é certamente uma delas, "aliados" será talvez a outra. E a sua conjunção devia, por si só, fazer pensar muita gente que anda muito distraída.
 
Gente que ainda não percebeu que a própria Europa está a tornar-se - mais do qualquer das clivagens políticas tradicionais - no tópico político mais fraturante nos países da União Europeia. Mas é justamente o que está a acontecer, com consequências facilmente previsíveis, que é assustador pensar.
 

Sem comentários:

Mais lidas da semana