Bruno Faria Lopes –
Jornal i
Alerta de deflação.
Nível de preços na economia está a cair pela primeira vez em pelo menos três
décadas. Análises da UTAO e do banco Société Générale alertam para o impacto
negativo na sustentabilidade da dívida
Quando o Instituto
Nacional de Estatística publicou o reporte dos défices excessivos no final de
Setembro incluiu uma revisão em baixa do PIB em cerca de dois mil milhões de
euros face ao previsto seis meses antes – não porque a actividade tenha caído
inesperadamente, mas porque os preços no total da economia caíram
inesperadamente. Tal ritmo de queda dos preços implica um PIB nominal menor e
tem potencial para inviabilizar todo o esforço de redução da dívida pública
feito por Portugal, avisa um relatório da Unidade Técnica de Apoio Orçamental
(UTAO) e outro do banco francês Société Générale (SG).
“Até ao momento
esta tendência deflacionista está largamente ausente da última revisão da
troika e a previsão oficial mais recente [para os preços] parece estar
desajustada face aos dados actuais”, afirma James Nixon, analista do SG, numa
nota intitulada “Portugal’s slow descent into deflation”, publicada no final de
Novembro. “Tentar estabilizar níveis de dívida quando a economia está a cair em
termos reais e nominais é duplamente difícil. Assim, o lento deslizar para
deflação pode pôr em causa todos os progressos de Portugal até à data [para
travar a dinâmica de crescimento da dívida pública] ”, acrescenta.
A queda veloz da
procura interna em Portugal está a ter efeitos não só na actividade, mas também
nos preços – o deflator do PIB caiu no segundo e no terceiro trimestre deste
ano e será negativo (-0,2%) para o conjunto de 2012, prevê a OCDE e concordam
os técnicos da UTAO (um órgão de assessoria aos deputados à Assembleia da
República). A confirmar-se será a primeira vez desde 1993 que os preços para o
conjunto da economia contraem, segundo a base de dados da Comissão Europeia.
O rácio de dívida
pública - 119,1% do PIB em 2012 - é calculado sobre o PIB nominal, indicador
que mede a evolução da actividade e ainda o efeito causado pelos preços,
através do deflator do PIB (que dá a evolução dos preços médios em toda a
economia – difere da inflação, que mede a evolução dos preços num cabaz
pré-determinado de consumo das famílias).
Valores negativos
de deflação roubam décimas ao PIB nominal e dificultam, assim, a redução do
rácio da dívida – este ano, por exemplo, a alteração no deflator explica a
esmagadora maioria da revisão em alta do rácio de dívida em 2,5% por via do PIB
(comparação: se a oferta mais alta pela empresa pública ANA, de 2,5 mil milhões
de euros, fosse inteiramente usada este ano para reduzir a dívida o impacto
positivo seria apenas de 1,5%). Perante a queda dos preços, os técnicos da UTAO
lançam um aviso no mesmo sentido do publicado pelo banco francês. “Este período
de desinflação e de baixo crescimento económico terá de ser necessariamente
transitório e é pouco compatível com taxas de juro elevadas, sob pena de tornar
imparável a dinâmica de crescimento da dívida pública”, lê-se no documento
publicado ontem sobre a dívida pública.
UTAO cautelosa Para
já a UTAO vai assumindo que o valor negativo em 2012 “não representa
necessariamente um risco deflaccionista, no sentido estrito de uma redução generalizada
e autosustentada do nível de preços”, e que as revisões já feitas pela troika
dizem mais respeito ao nível de actividade. Para os técnicos “presume-se” que a
queda se deva à combinação entre a contracção da procura interna e a descida de
preços que faz parte da recuperação de competitividade externa – a mesma
interpretação do governo e da troika.
Mas a continuação
da contracção da procura interna no próximo ano e potencialmente em 2014 tornam
o risco suficientemente importante para ser notado pela UTAO – e para ser
destacado com mais peso pelo banco Société Générale. “De momento a queda dos
preços em Portugal está a ser mascarada pela recente subida do IVA, mas a
tendência subjacente é claramente visível na queda do deflator em 2012 – quando
a subida do IVA e dos preços da energia sair da comparação anual a tendência
será evidente”, aponta James Nixon, que prevê quedas dos preços na ordem dos
0,5% em 2014 (a troika prevê um deflator positivo de 1%). Nixon refere o
colapso da procura interna e o desemprego crescente como forças que jogam a
favor da evolução negativa dos preços na economia portuguesa.
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