Lucinda Canelas e Isabel Salema - Público
Exército português
participou em Angola numa “acção punitiva” em que “terroristas” foram
decapitados. Havia testemunhos pessoais destas práticas, mas este é o primeiro
documento escrito.
A violência do
documento é óbvia e incómoda, por vezes desconcertante. Tão desconcertante na
sua brutalidade, que se tivesse sido produzido pelos inimigos dos militares
portugueses que participaram na guerra colonial em Angola, dificilmente seria
mais verosímil.
A “cerimónia” de
fuzilamento com mutilação de cadáveres começou às 10h30 na sanzala Mihinjo, a
cerca de 20 quilómetros de Luanda. É descrita em 11 pontos, sendo o primeiro
uma explicação muito incompleta dada ao povo pelo soba, o chefe tribal, para a
presença de um pelotão de execução português.
Segue-se o disparo
do que devem ser seis pistolas-metralhadoras. E os suspeitos de terrorismo
caíram. Depois, vem a violência extrema.
“5 – Avançaram os
cortadores de cabeças. Cumpriram a sua missão.
6 – Avançou o soba.
Colocou as cabeças nos paus. Ficaram dois sem cabeça. As cabeças ficaram
espetadas pela boca, submissamente viradas para o chão.
7 – Clarim tocou
ombro arma, apresentar arma.
8 – Soba falou ao
povo, explicando a razão porque tinham ficado dois paus sem cabeça, à espera
dos futuros não respeitadores da lei.
9 – Ao soba eu
disse: os corpos podem ser enterrados as cabeças ficam sete dias, os paus ficam
para sempre.”
Quem quer deixar a
mensagem dos paus vazios “para sempre” é um capitão do Exército português e
autor do relatório militar onde são descritos os acontecimentos que tiveram
lugar a 27 de Abril de 1961. Este capitão de cavalaria do 1.º Esquadrão dos
Dragões — cujo nome o PÚBLICO não revela porque a lei dos arquivos o impede ao
abrigo da protecção da imagem e da vida privada — comanda uma “acção punitiva
de pacificação”, segundo o título do próprio documento, muito provavelmente uma
reacção aos massacres da União dos Povos de Angola (UPA), que ocorreram nas
fazendas do norte do país, um mês e meio antes, em que morreram milhares de
colonos brancos e os seus empregados africanos, muitos deles também mutilados.
Catorze dias antes
desta cerimónia, a 13 de Abril, António de Oliveira Salazar, presidente do
conselho, profere o célebre discurso de “andar rapidamente e em força” para
Angola, onde formalmente é anunciada a intenção de fazer a guerra de África.
Este documento, que
é publicado na íntegra pela primeira vez, é revelado no livro O Império Colonial
em Questão (sécs. XIX-XX), que acaba de ser lançado pelas Edições 70, num
artigo da autoria do historiador António Araújo.
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