Rui Peralta, Luanda
Venezuela
I - A situação
política da Venezuela oscila em torno da saúde de Hugo Chávez. Com particular
incidência na estrutura politica e na incipiente mas palavrosa superestrutura
ideológica que suporta o processo revolucionário bolivariano em curso no país.
O actual momento poderá ser caracterizado de várias formas, sob o ponto de
vista da estrutura de suporte político: os mais ansiosos e apressados vivem
numa fase em que “o socialismo não acaba de chegar”. São acompanhados de perto
por algumas tendências da superestrutura ideológica que divagam retoricamente
sobre a “transição indefinida”.
Ainda na
superestrutura ideológica existem os que reflectem sobre o facto de afinal o “socialismo
do século XXI ser apenas uma capa latina do capitalismo de estado”, seguidos de
perto pelas tendências da estrutura politica que falam em “cesarismo” (o mais
correcto seria a híper-liderança, mas isso tem outras causas, como iremos ver depois)
e as tendências mais realistas na estrutura politica e na superestrutura
ideológica que começam a reflectir sobre se o processo revolucionário
bolivariano não será uma nova forma de reformismo desenvolvimentista.
Em suporte desta
ideia alguns avançam para um cenário de nacionalismo burgues, construído em
torno de Bolivar, um populismo multi-discursivo, que de socialismo do seculo
XXI apenas contem a retorica, sendo na práctica uma reposição histórica do
pensamento burgues de Bolivar e de contextos sociais provenientes de outras
épocas e regiões, como o nacionalismo turco do período pós império otomano ou
os populismos latino-americanos dos anos trinta do seculo XX.
II - Qualquer um
destes cenários ou reflexões contem uma base, mais solida ou menos solida, de
suporte. E isto porque o processo revolucionário em curso na Venezuela é isso
tudo que atrás foi dito ao que há ainda a acrescentar algumas questões que
ainda não forma referidas. Mas iniciemos pela primeira: “o socialismo não acaba
de chegar!”Esta afirmação poderá revelar um caso de impaciência (daquela
impaciência que antecede o desespero), mas pode também ser reveladora de um
certo mal-estar do proletariado venezuelano (peço desculpas aos meus
companheiros do socialismo do seculo XXI por utilizar um termo e um conceito,
melhor uma figura, que segundo eles é do século XIX, mas presumo que os pobres,
como lhes gostam de chamar no socialismo do século XXI, não são detentores de
propriedade, dai serem proletários), criado por promessas incumpridas ou por
compromissos assumidos cujo prazo já passou e que uma das partes teima em
esquecer.
A principal
desconfiança dos que partilham a tese “o socialismo não acaba de chegar” tem a
ver com o comportamento de alguns ministros, alcaides, candidatos a alcaides,
deputados, governadores, dirigentes da estrutura partidária de suporte ao
processo bolivariano, gente que rodeia Chávez. Ou seja: “por Chávez já
estaríamos no socialismo, mas estes tipos que o rodeiam…”Este não é um fenómeno
original da Venezuela. Passa-se um pouco por todo o lado e tem diversos
aproveitamentos e diversas leituras políticas e sociológicas.
Aqui em Angola é
frequente ouvir: “A culpa não é do presidente. O problema está nos que o
rodeiam” E acredito que até mesmo na Coreia do Norte, por entre o silêncio
nocturno das quatro paredes da casa, os cidadãos também possam comentar,
sussurrando que o problema não é o querido e amado líder, mas sim, o partido e
os que rodeiam o líder. Aliás isto é patente em todo o mundo político e em
todas as sociedades humanas. A figura do líder continua a ser a figura a que se
recorre quando é necessário lembrar o compromisso assumido, o contracto social
e portanto enquanto o contracto estiver em vigor, mesmo que não esteja a
funcionar, enquanto a figura do líder for a do compromisso assumido, o
contracto não é rasgado.
Esta questão
transporta-nos directamente para a questão da híper-liderança (o cesarismo, o
culto da personalidade e outras figuras de retorica inerentes ás estruturas
organizativas carismáticas, no sentido weberiano do conceito), mas primeiro
quero referir uma questão que é adjacente á figura do “socialismo que não acaba
de chegar” e que é expressa na “transição indefinida”.
III - Dizer “transição
indefinida” é praticar pura retórica. Todas as transições são indefinidas. Seja
nos processos biológicos, químicos, físicos, sociais, psicológicos, as fases de
transição são sempre indefinidas. Sabe-se de onde se parte mas não se sabe onde
chega, porque pelo caminho existem infinitas variáveis que não podem ser
equacionadas no ponto de partida, porque apenas surgem durante a transição e
são produtos da especificidade do processo de transição.
No caso especifico
do processo bolivariano da Venezuela, Chávez arranca com o apoio popular
massivo. A sociedade venezuelana tinha passado por uma crise sem precedentes,
que afectou todos os níveis da estrutura social, politica e económica. A
economia em crise, a classe politica desmascarada, as elites económicas a
ausentarem-se do país, transportando consigo os capitais, o estado em
decomposição, o aparelho militar á deriva, assim como todo o aparelho
repressivo do estado, enfim, quando Chávez assume o poder, com o apoio popular,
a Venezuela era uma sociedade traumatizada.
Chávez foi portador
de um projecto emancipador, de uma palavra de esperança, com um discurso que
era compreendido e sentido pelas mais amplas camadas da população, um homem
cujo passado inspirava confiança e que assumia de forma corajosa a
transformação necessária. Se analisarmos o que foi feito desde a chegada ao
poder de Chávez, ou seja, desde o primeiro momento da fase de transição, o
resultado é positivo. A Venezuela de hoje já não é uma sociedade traumatizada,
as amplas camadas da população vive em melhores condições, a escola tornou-se
uma realidade, a saúde pública assumiu forma de serviço público social, a
habitação deixou de ser um monopólio do mercado e torna-se um direito, enfim a
fase de transição, desde o momento zero até ao momento actual, já produziu
resultados concretos e palpáveis.
Se os objectivos
finais, ou cronológicos, outros ainda não foram atingidos, ou não foram
atingidos dentro do tempo previsto, isso tem a ver com as infinitas variáveis
que já referimos, geradas pela dinâmica do processo. É obvio que têm de ser
efectuados reajustamentos e é óbvio estes processos não são lineares, comportam
contradições e geram contradições. Da resolução dessas contradições comportadas
e geradas depende o avanço do processo, se avança mais rápido ou mais
lentamente, ou se é reajustado, adiando objectivos ou atingindo objectivos mais
cedo, ou redefinindo prioridades.
IV - Esta questão
da “transição indefinida” levou alguns, que não suportam a indefinição, a
arranjarem um percurso. Pesaram as circunstâncias, mediram os comportamentos da
nova camada burocrática e concluíram: “a transição vai-nos conduzir ao
capitalismo estado!” Analisemos com cautela esta possibilidade, que
representaria uma crueldade histórica: acontecer ao socialismo latino-americano
do século XXI o que aconteceu ao socialismo real.
Atendendo ao
contexto internacional em que se move o processo revolucionário venezuelano,
situado numa região onde o capitalismo BRICS, representado pelo Brasil, mas com
fortes candidatos na zona a pretenderem acrescentar-se á sigla, será com
certeza uma tentação para as camadas burocráticas, que ascenderam com o actual
processo bolivariano. Mas atenção: não será um capitalismo de estado o modelo
que se implantará na Venezuela, caso a alternativa socialista não prevaleça e
morra em função das suas contradições.
Será o tal modelo
de capitalismo BRICS, em que o Estado tem uma função importante na mobilização
de recursos e na definição de estratégias, depois executadas pela nova
burguesia nacional (globalizada, porque inserida nos mercados internacionais
através das parcerias), proveniente do processo bolivariano. E esta é uma via
que permanecerá na encruzilhada pantanosa da actual fase de transição.
Se as dinâmicas
socialistas suplantarem as dinâmicas capitalistas originadas pelo processo de
emancipação da Venezuela, o socialismo prevalecerá como opção de
desenvolvimento e far-se-á sentir através da socialização da produção. Se as
dinâmicas capitalistas prevalecerem, agrupadas como estão em torno do aparelho
do estado e da estrutura política do processo revolucionário e dominantes na
superestrutura ideológica (o socialismo XXI é um produto hibrido, como o
socialismo democrático), então a aliança táctica entre as novas elites
aspirantes á posição de burguesia nacional e as velhas estruturas e
representantes da burguesia nacional tradicional e oligárquica da sociedade
venezuelana (cujo aparelho ainda não foi destruído), o capitalismo BRICS (que
está patente na ovulação do processo bolivariano) será a resultante do
processo.
V - Analisemos
então a questão da híper-liderança, que alguns definem por cesarismo (a
aplicação deste conceito na politica actual é errado. Na actualidade o
cesarismo poderia germinar nos USA, na Federação Russa ou na China, mas não nos
restantes sistemas. É que o cesarismo implica um aparelho estatal forte, sob o
ponto de vista da estrutura repressiva: forças armadas e policia, para alem de
apenas ser possível em potencias económicas. Portanto só em sociedades que
aliem estes factores, o cesarismo pode tornar-se uma realidade).
A híper-liderança é
um fenómeno transversal na estrutura politica. Tanto existe em regimes estatais
como de mercado, tanto existe nas formas socialistas de desenvolvimento, como
no capitalismo. Comparemos, por exemplo, a Coreia do Norte e a Coreia do Sul,
ao nível da liderança. O papel do líder na Coreia do Norte é exacerbado. O
líder é grande, querido e amado. Está em todo o lado, sabe tudo e aparentemente
comanda tudo. A sua omnipresença e omnisciência é incontestável, conseguida
através da máquina de propaganda e dos serviços de informação. Mas a sua
omnipotência, não.
Os inúmeros casos
existentes de híper-liderança não são despóticos, por uma simples razão: a
dinâmica da circulação de elites no capitalismo, obriga, mesmo nos sistemas que
no seu discurso e praxis estão afastados dos modelos capitalistas, obriga a um
dialogo nos meios do poder, a uma partilha funcional, por muito que isso custe
ao amado líder. Mas é essa partilha que lhe permite assumir a função de grande
líder e ele depende desse compromisso, entre partido e exercito, por exemplo.
Na Coreia do Sul
esta estrutura carismática não é visível ao nível do poder político mas é
práctica comum no poder económico. As grandes corporações sul-coreanas são
todas lideradas por excelsos líderes, que comportam os mesmos títulos dos seus
compadres políticos do norte.
Não é objectivo
deste texto discutir as razoes antropológicas (para ser mais exacto deveria
escrever sociobiológicas, porque não são um exclusivo das sociedades humanas)
deste comportamento, pelo que esta abordagem ligeira parece-me ser suficiente
para explicar o que vem a seguir.
Já foi referido que
a figura do líder é uma figura do compromisso assumido. O processo venezuelano
sempre teve em Chávez a figura impulsionadora, o homem que assumiu um novo
contrato social e que dinamizou novos conceitos de soberania popular e de
democracia participativa (ou seja, reanimou o procedimento democrático). Não
foi uma força política organizada, uma estrutura político-militar ou um momento
eleitoral de circunstância que forjaram a liderança de Chávez. Foi a dinâmica
popular, apoio massivo, a soberania popular que o assumiu como líder.
Neste sentido a
Venezuela é um caso diferente da Líbia de Kadhafi, (outro líder que não foi consequência
de uma organização politica, ou que tivesse alguma a suportá-lo. Como se sabe a
única instituição criada pela revolução líbia dos Oficiais Livres foi o
Congresso Popular e era essa a instituição base. A figura de Kadhafi foi,
também ela, assumida pelas amplas camadas da população líbia e pelos diversos
grupos tribais durante o processo revolucionário), da Síria de Bashar (a
liderança do pai de Bashar, Afez al Assad, foi uma liderança estabelecida
através do partido BAAS sírio), ou do Iraque de Hussein (que também não foi uma
liderança assumida pela soberania popular mas pelo partido BAAS iraquiano) e
mesmo diferente da liderança de Fidel, embora este seja um caso completamente
aparte a nível mundial e que tem muito a ver com a especificidade da sociedade
cubana no momento em que se realiza o assalto ao Quartel de Moncada.
Chávez foi um líder
naturalmente aceite pelo proletariado venezuelano, que deposita nele a
confiança necessária enquanto perdurar o seu compromisso com o contracto social
estabelecido no processo de emancipação. No dia que terminar este apoio, Chávez
não é líder de nada e sucumbirá aos golpes que a nova camada burocrática,
nascida do processo bolivariano, lhe infligir. Quanto muito procurará a solução
turca, mas será que a espiral dinâmica da burguesia nacional venezuelana
necessitará dele? (Continua)
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1 comentário:
O caso da refinaria de Pasadena é um considerável escárnio, que exige explicação por parte de Dilma Rousseff e de Lula, mas o calo maior no pé da Petrobras está construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.
Anunciada por Lula com a pirotecnia oficial que todos conhecem, a refinaria de Abreu e Lima deveria seria erguida em parceria com a Venezuela do tirano e moribundo Hugo Chávez, que até o momento não aportou um tostão no empreendimento. Com a Venezuela, que tem 40% do negócio, deixando de honrar o compromisso, restou ao governo brasileiro usar o dinheiro do contribuinte para não interromper a obra.
Com previsão inicial de investimento na casa dos US$ 3 bilhões, o orçamento da refinaria pernambucana já saltou para incríveis e absurdos US$ 20 bilhões, podendo ganhar, até o final do empreendimento, um acréscimo de mais US$ 10 bilhões.
Como o anúncio da morte de Hugo Chávez é uma questão de tempo e será feito somente quando interessar aos bolivarianos que brigam pelo poder na Venezuela, a participação do governo de Caracas na refinaria pernambucana passa a ser uma inflamável incógnita. Pelo desenrolar dos fatos em Caracas, o governo brasileiro terá de arcar com toda a conta referente à construção da refinaria Abreu e Lima. O que permitirá que a corrupção circule à vontade nas raias de mais uma fanfarrice com o carimbo estelar do Partido dos Trabalhadores.
Fonte: Ucho.info
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