Ana Sá Lopes –
Jornal i, opinião – foto Tony Gentile/Reuters
A cantiga é uma
arma, mas o voto é a arma suprema e decisiva da democracia
O resultado das
eleições italianas foi um terrível balde de água fria para o mainstream
europeu. O adorado Monti (uff, ainda existe agora algum candidato ao cargo de
Monti português?) naufragou – depois de ter utilizado em campanha, além de
outros bons argumentos, o facto de ser o candidato que mais agradava a Berlim.
Tratava-se de uma verdade inconveniente que, sabe Deus como, Monti decidiu
utilizar como arma eleitoral. Saiu-lhe tudo ao contrário.
Um cómico
anti-sistema, anti-partidos, anti-políticos e com eurodúvidas é agora uma
espécie de fiel da balança; um Berlusconi acossado por escândalos renasce das
cinzas com uma única palavra de ordem – contra a ditadura da Alemanha, marchar,
marchar; o programa contra a austeridade de Bersani lidera as duas câmaras mas
sem maioria absoluta. Os italianos chumbaram ontem, em primeiro lugar, a
política europeia fundada na austeridade, humilhando o tecnocrata enviado de
Berlim para a chefia do governo. Mas, ainda mais significativo e inesperado,
mostraram uma entusiástica adesão ao partido anti-sistema de Beppe Grillo. A
coligação de esquerda de Bersani está em apuros para conseguir cumprir um
programa aceitável em Bruxelas – de um lado tem o cada vez mais anti-germânico
Berlusconi, do outro o humorista que admite a saída do euro.
Como o socialista,
ex-candidato presidencial, Manuel Alegre afirma nesta edição do i, o que se
passou em Itália demonstra “a implosão do sistema político tal como ele
existe”. O risco da emergência dos populismos na Europa na sequência da “ditadura
do défice” e da imposição de políticas violentas nas costas das populações já
tinha sido pré-anunciado por muitos. A ascensão do cómico – que foi desprezado
durante a campanha pelos jornalistas italianos como se fosse apenas um episódio
folclórico – respondeu a estas dúvidas. A ressurreição de Berlusconi com um
programa anti-europeu também.
Era este o momento
para Bruxelas e Berlim perceberem finalmente o que se está a passar, já que não
aprenderam nada com as eleições gregas. Infelizmente, começa a ser demasiado
tarde para uma mudança substancial nas políticas europeias a tempo de travar a
catástrofe social e aquilo que vão considerar uma catástrofe política: os vetos
nacionais à austeridade e os populismos anti-europeus. Itália mostrou que, ao
contrário da máxima do banqueiro Ulrich, as pessoas não aguentam. E que se a
cantiga é uma arma, o voto é a arma suprema.
Áudio-Vídeo: A cantiga é uma arma
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