Pedro Bacelar de
Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
A construção de uma
alternativa política aos desvarios do atual Governo é uma preocupação cada vez
mais premente e um dever incontornável dos partidos, sobretudo os da Oposição
e, em especial, do Partido Socialista. A alternativa que se procura não se resume
a um mero programa, à elaboração de um elenco de medidas logicamente
articuladas e sistematizadas com vista à resolução dos problemas
diagnosticados: a dívida, o desemprego, o almejado crescimento da economia.
Tão-pouco se constrói, apenas, pela mudança de caras, protagonistas ou
figurantes, ou pela celebração festiva de congressos.
A construção de uma
alternativa política precisa de coragem, consistência e credibilidade. Coragem
para que o principal partido da Oposição leve até ao fim um debate sério sobre
as suas responsabilidades próprias, enquanto força governante, nas políticas
erradas que conduziram o país à situação presente. Consistência nas soluções
que há de propor e que terão de conciliar os recursos de que dispomos com os
padrões de decência próprios do Estado de Direito e da democracia
constitucional em cuja defesa estamos comprometidos. Credibilidade que apenas
se obtém pelo amplo envolvimento da sociedade civil, pela prática de uma
cultura de transparência, pela capacidade de persuadir os eleitores de que
existe, realmente, uma alternativa séria, ponderada, merecedora da sua
confiança.
Há que compreender
que as eleições que mais tarde ou mais cedo irão ter lugar poderão representar
a derradeira oportunidade para impedir que esta crise comprometa também o
modelo de convivência democrática que fomos capazes de construir desde a
revolução democrática de Abril de 1974. Os erros cometidos vêm de muito longe,
pelo menos, desde o primeiro governo de Cavaco Silva, mas a crise política do
regime foi inaugurada pelo ciclo das "fugas".
Primeiro, com a
renúncia de Guterres que esculpiu na história da democracia, como epitáfio
paradoxal, a conhecida frase - "é a vida!". Seguiu-se a retirada
oportuna de Barroso, pouco depois de anunciar que o país estava "de
tanga", prenunciando a queda do mal-amado Santana Lopes. Depois, apesar da
conquista da primeira maioria absoluta do partido, José Sócrates achou prudente
declarar um período de luto - alegadamente para avaliar a real situação das
finanças do país - antes de lançar as medidas de austeridade que permitiriam a
Portugal cumprir as metas do equilíbrio financeiro impostas pela Europa, já no
limiar da crise internacional de 2008. Mas logo em 2009 regressava a
instabilidade governativa e o salve-se quem puder.
Uma revisão
constitucional era uma ideia bem interessante para acabar de vez com o
messianismo envergonhado que sustenta o nosso sistema semipresidencial, mas já
basta de pretextos para adiar decisões simples e prementes que poderiam dar um
poderoso sinal da vontade de reabilitar o Estado e de reanimar esta democracia
claudicante. Por exemplo, se a própria Constituição prevê que a Assembleia da
República possa funcionar apenas com 180 deputados, por que razão temos de
continuar a eleger 220? Se os eleitores desconfiam dos seus representantes
parlamentares - porque não os conhecem nem sabem como ou por que razão foram
escolhidos - por que é que se mantém o sistema de eleição em listas fechadas e
não são criados os círculos uninominais que aliás estão previstos, até agora
inutilmente, na lei fundamental?
A obsolescência do
sistema político, a perversão da representação democrática e o desprestígio dos
partidos políticos são realidades indesmentíveis. As próprias instituições
soberanas, de um ou de outro modo, estão implicadas nos escândalos económicos e
financeiros que impunemente arruinaram a nossa economia - do Governo ao
Parlamento, do Presidente da República aos tribunais. Em vez de deplorar a
chamada "onda populista", é urgente contrapor respostas práticas e
convincentes ao ceticismo que crescentemente se apodera dos cidadãos.
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