sábado, 2 de fevereiro de 2013

Portugal: DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS


Agiotas, vigaristas, banqueiros... (foto Manuel Azevedo)
Luís Rosa – Jornal i, editorial

Se o Banco de Portugal agiu em tempo útil nos casos de Jardim Gonçalves e Armando Vara, tem de ter a mesma atitude no caso do BES

Foi necessário passarem quase dois meses desde o início da investigação do i para o autêntico Muro de Berlim mediático sobre as rectificações fiscais de Ricardo Salgado e Amílcar Morais Pires, administradores do Banco Espírito Santo (BES), ser quebrado. Foi Ana Drago, deputada do Bloco de Esquerda, a romper com o ensurdecedor silêncio que pairava sobre um tema que em qualquer sociedade democrática corresponde a um exercício básico de escrutínio: podem os depositantes e accionistas confiar em banqueiros que recorreram a uma amnistia fiscal para regularizar mais de 26 milhões de euros de rendimentos obtidos no estrangeiro?

Perante Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, Drago afirmou peremptoriamente que a “idoneidade dos administradores-executivos do BES está claramente posta em causa devido à sua atitude perante o fisco português” e perguntou ao regulador dos gestores do BES se já abriu uma investigação para apurar o cumprimento dos critérios legais que permitem a Salgado e Pires ser administradores de instituições de crédito.

Carlos Costa, homem prudente, não quis responder, invocando a reserva legal a que está obrigado, mas acrescentou uma frase importante: “O que tenho a fazer faço e com a brevidade que alguns, julgo, já conhecem.”

É importante, de facto, o BdP esclarecer o tema e dar nota pública da sua actuação. Tal como já aconteceu com Armando Vara, quando este era vice-presidente do BCP e foi constituído arguido no Processo Face Oculta pelo crime de tráfico de influências, ou com Jardim Gonçalves e restante cúpula também do BCP, quando foram constituídos arguidos num caso de manipulação de mercado e burla, é fundamental que o regulador actue e dê nota pública da sua actuação.

Carlos Costa não pode deixar que se crie na opinião pública a ideia de que o BdP tem dois pesos e duas medidas. Se no caso dos gestores do BCP o seu antecessor, Vítor Constâncio, fez pressão no sentido de Armando Vara suspender as suas funções de vice-presidente do BCP e de Jardim Gonçalves e Filipe Pinhal não se recandidatarem a um novo mandato, o governador actual não pode deixar de actuar. A credibilidade das instituições bancárias deve ser salvaguardada, acima de tudo.

Uns são mais iguais do que outros

Ricardo Salgado decidiu esta semana explicar pormenorizadamente os 8,5 milhões de euros de rendimentos que declarou nas três rectificações fiscais. Fê-lo acompanhado de um despacho do procurador que investiga o Caso Monte Branco, o qual, segundo o “Jornal de Negócios”, atesta a inocência de Salgado. Não se critica, como é óbvio, a divulgação que o presidente-executivo do BES fez do referido documento – devidamente autorizado pelo procurador Rosário Teixeira, refira-se.

Mas vale a pena reflectir sobre tais despachos intercalares de inocência quando ninguém pôs em causa o estatuto processual de testemunha de Ricardo Salgado. Tais documentos só são passados pelo DCIAP e, que se saiba, apenas são emitidos a pedido de personalidade como José Sócrates (caso Freeport), Paulo Portas (caso submarinos) e Passos Coelho (por causa da escuta telefónica fortuita) no caso Monte Branco. Se somos todos iguais perante a lei, não devia ser só o DCIAP a emitir tais atestados de inocência. Ou será que o Zé das Iscas não tem o mesmo direito?

Sem comentários:

Mais lidas da semana