sábado, 2 de fevereiro de 2013

EDP. Os critérios nunca revelados de uma operação que está a ser investigada pelo DCIAP




Carlos Diogo Santos e Luís Rosa – Jornal i

O governo continua a manter em segredo muitosdos pormenores da operação de venda da EDP

O resultado das privatizações da energia foi bom. Deu um encaixe de 3,3 mil milhões de euros, muito acima do preço de mercado da EDP e da REN (Redes Energéticas Nacionais) mas o processo foi pouco transparente desde o início.

O programa da era da troika é o mais ambicioso desde os anos 90, mas arranca com a extinção dos órgãos de fiscalização das privatizações: a Comissão Permanente de Acompanhamento das Privatizações e a sessão especializada de apoio ao Ministério das Finanças.

O governo cria comissões adhoc para cada processo e escolhe figuras independentes para fiscalizar o rigor das operações e produzir relatórios públicos. Mas as comissões são nomeadas em cima da decisão final e os relatórios – o da EDP foi entregue em Agosto de 2012 – continuam sem ver a luz do dia. O processo prossegue com a contratação por ajuste directo da desconhecida, em Portugal, Perella Weinberg, alegadamente por ordem de Vítor Gaspar. A decisão é contestada na banca, em particular pelo BESI (BES Investimento) cujo presidente, José Maria Ricciardi, telefona ao primeiro-ministro a queixar-se da escolha.

A venda de 21,35% da EDP era um teste decisivo sobre a capacidade de Portugal atrair investidores internacionais para uma grande operação, meses após o pedido de resgate. Estava muito em jogo, o que explica o envolvimento pessoal do primeiro-ministro e de Vítor Gaspar. O papel do gabinete de Passos Coelho passa ainda pelo secretário de Estado Adjunto Carlos Moedas e a sua equipa técnica.

Mais dois ministros acompanharam de perto as operações da energia: Paulo Portas e Miguel Relvas. Este chega a fazer contactos com investidores, sendo associado aos interesses brasileiros, muitos fortes na EDP. Apesar de vistos por alguns como favorita e de ter o apoio financeiro do banco público BNDES, a Electrobrás coloca-se fora da corrida. A sua oferta é considerada inaceitável ao nível das regras de governo e não passou no Conselho Geral da EDP – este órgão da eléctrica só valida as propostas da E.ON e da China Three Gorges. O desinteresse de Dilma Roussef em Portugal é apontado como factor de arrefecimento do investimento brasileiro. A Petrobrás já tinha desistido da Galp no início do mandato da nova presidente do Brasil.

No terreno, a Perella, que muitos ligam a António Borges pela amizade com o partner Paulo Pereira, tem um papel mais decisivo do que a Caixa BI, o adviser financeiro que contratou a empresa americana como consultora. No Ministério da Economia, o secretário de Estado da Obras Pública, Sérgio Monteiro, fica com a missão das privatizações, apesar da delegação de competências atribuir a função accionista na EDP e REN ao secretário de Estado da Energia. Henrique Gomes fica com as matéria de mercado, que vão entrar em rota de colisão com a privatização.

PRIVATIZAÇÃO VERSUS RENDAS 

Gomes quer impor uma taxa sobre as produtoras de energia que tiraria 250 milhões de euros ao valor da EDP. A proposta é trabalhada no Verão para ser aprovada em Outubro, antes de começar o processo formal de privatização. Mas o processo informal já estava em marcha. Desde Agosto que os consultores do governo procuravam investidores para a EDP e a redução das rendas “excessivas” não fazia parte do dote da noiva. A gestão de António Mexia lança uma ofensiva junto do governo: tudo o que retirar valor à EDP é ameaça à privatização. O gabinete de Carlos Moedas terá sido a principal porta de entrada destes argumentos.

Henrique Gomes invoca o risco do défice tarifário para os investidores na EDP, e numa reunião em Setembro, com Gaspar, Moedas e Santos Pereira, o secretário de Estado joga a carta mais forte. Baixar as rendas é a única medida ao alcance do governo com efeito positivo nas empresas e famílias, argumenta. Seria uma decisão política apoiada por todos. Mas se o argumento é político, o sucesso da privatização da EDP está em primeiro lugar, terá respondido o ministro das Finanças. O negócio contaminou a política de energia e os compromissos assumidos com os compradores da EDP tornaram-se óbvios quando Henrique Gomes bate com a porta em Janeiro.

O DUELO ENTRE CHINESES E ALEMÃES 

De início, Passos Coelho, talvez por influência de Gaspar, estaria convencido das vantagens de um comprador alemão para fortalecer a posição de Portugal no quadro da crise do euro. O envolvimento político dá-se ao mais alto nível e foi intenso na véspera da entrega das ofertas vinculativas. O “Financial Times” noticia a intervenção directa de Angela Merkel junto de Passos Coelho. O primeiro-ministro recebe o presidente da E.ON, numa viagem a Alemanha.

António Mexia também vai à sede da empresa alemã, gerando rumores sobre alegadas preferências do gestor por um grupo que lhe poderia abrir a porta a uma carreira num dos maiores player mundiais. O lado chinês, que poucos contactos fez com o governo português, não gostou e fez constar que se ganhasse não manteria Mexia. Mas o presidente da EDP sobreviveu. Até Vítor Gaspar terá transmitido pessoalmente a boa vontade de Lisboa para o investimento alemão, desde que o preço fosse competitivo. A conversa terá ocorrido quando se sabia que os chineses ofereciam mais.

Não seria sustentável escolher uma oferta muito inferior ao melhor preço, apesar do relatório de avaliação da Parpública ter deixado o caminho aberto a qualquer decisão, ao não fazer recomendação. Mais do que a diferença de preços, o acesso ao financiamento chinês a custos baixos foi decisivo. Ainda assim, Gaspar defendeu a proposta alemã na reunião do Conselho de Ministros que escolheu o vencedor. O ministro das Finanças começou por passar a palavra aos consultores que fizeram a sua apresentação, mas Passos Coelho rapidamente os terá mandado sair, deixando Gaspar sozinho a explicar os seus argumentos.

Apesar de algum desconforto no governo perante a ofensiva chinesa, que transpareceu numa entrevista de Pedro Passos Coelho, preterir a oferta financeira mais alta teria consequências negativas em outras privatizações, designadamente na REN.

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