Carlos Diogo Santos
e Luís Rosa – Jornal i
O governo continua
a manter em segredo muitosdos pormenores da operação de venda da EDP
O resultado das
privatizações da energia foi bom. Deu um encaixe de 3,3 mil milhões de euros,
muito acima do preço de mercado da EDP e da REN (Redes Energéticas Nacionais)
mas o processo foi pouco transparente desde o início.
O programa da era
da troika é o mais ambicioso desde os anos 90, mas arranca com a extinção dos
órgãos de fiscalização das privatizações: a Comissão Permanente de
Acompanhamento das Privatizações e a sessão especializada de apoio ao
Ministério das Finanças.
O governo cria
comissões adhoc para cada processo e escolhe figuras independentes para
fiscalizar o rigor das operações e produzir relatórios públicos. Mas as
comissões são nomeadas em cima da decisão final e os relatórios – o da EDP foi
entregue em Agosto de 2012 – continuam sem ver a luz do dia. O processo
prossegue com a contratação por ajuste directo da desconhecida, em Portugal,
Perella Weinberg, alegadamente por ordem de Vítor Gaspar. A decisão é
contestada na banca, em particular pelo BESI (BES Investimento) cujo
presidente, José Maria Ricciardi, telefona ao primeiro-ministro a queixar-se da
escolha.
A venda de 21,35%
da EDP era um teste decisivo sobre a capacidade de Portugal atrair investidores
internacionais para uma grande operação, meses após o pedido de resgate. Estava
muito em jogo, o que explica o envolvimento pessoal do primeiro-ministro e de
Vítor Gaspar. O papel do gabinete de Passos Coelho passa ainda pelo secretário
de Estado Adjunto Carlos Moedas e a sua equipa técnica.
Mais dois ministros
acompanharam de perto as operações da energia: Paulo Portas e Miguel Relvas.
Este chega a fazer contactos com investidores, sendo associado aos interesses
brasileiros, muitos fortes na EDP. Apesar de vistos por alguns como favorita e
de ter o apoio financeiro do banco público BNDES, a Electrobrás coloca-se fora
da corrida. A sua oferta é considerada inaceitável ao nível das regras de
governo e não passou no Conselho Geral da EDP – este órgão da eléctrica só
valida as propostas da E.ON e da China Three Gorges. O desinteresse de Dilma
Roussef em Portugal é apontado como factor de arrefecimento do investimento
brasileiro. A Petrobrás já tinha desistido da Galp no início do mandato da nova
presidente do Brasil.
No terreno, a
Perella, que muitos ligam a António Borges pela amizade com o partner Paulo
Pereira, tem um papel mais decisivo do que a Caixa BI, o adviser financeiro que
contratou a empresa americana como consultora. No Ministério da Economia, o
secretário de Estado da Obras Pública, Sérgio Monteiro, fica com a missão das
privatizações, apesar da delegação de competências atribuir a função accionista
na EDP e REN ao secretário de Estado da Energia. Henrique Gomes fica com as
matéria de mercado, que vão entrar em rota de colisão com a privatização.
PRIVATIZAÇÃO VERSUS
RENDAS
Gomes quer impor uma taxa sobre as produtoras de energia que
tiraria 250 milhões de euros ao valor da EDP. A proposta é trabalhada no Verão
para ser aprovada em Outubro, antes de começar o processo formal de
privatização. Mas o processo informal já estava em marcha. Desde Agosto que os
consultores do governo procuravam investidores para a EDP e a redução das
rendas “excessivas” não fazia parte do dote da noiva. A gestão de António Mexia
lança uma ofensiva junto do governo: tudo o que retirar valor à EDP é ameaça à privatização.
O gabinete de Carlos Moedas terá sido a principal porta de entrada destes
argumentos.
Henrique Gomes
invoca o risco do défice tarifário para os investidores na EDP, e numa reunião
em Setembro, com Gaspar, Moedas e Santos Pereira, o secretário de Estado joga a
carta mais forte. Baixar as rendas é a única medida ao alcance do governo com
efeito positivo nas empresas e famílias, argumenta. Seria uma decisão política
apoiada por todos. Mas se o argumento é político, o sucesso da privatização da EDP
está em primeiro lugar, terá respondido o ministro das Finanças. O negócio
contaminou a política de energia e os compromissos assumidos com os compradores
da EDP tornaram-se óbvios quando Henrique Gomes bate com a porta em Janeiro.
O DUELO ENTRE
CHINESES E ALEMÃES
De início, Passos Coelho, talvez por influência de
Gaspar, estaria convencido das vantagens de um comprador alemão para fortalecer
a posição de Portugal no quadro da crise do euro. O envolvimento político dá-se
ao mais alto nível e foi intenso na véspera da entrega das ofertas
vinculativas. O “Financial Times” noticia a intervenção directa de Angela
Merkel junto de Passos Coelho. O primeiro-ministro recebe o presidente da E.ON,
numa viagem a Alemanha.
António Mexia
também vai à sede da empresa alemã, gerando rumores sobre alegadas preferências
do gestor por um grupo que lhe poderia abrir a porta a uma carreira num dos
maiores player mundiais. O lado chinês, que poucos contactos fez com o governo
português, não gostou e fez constar que se ganhasse não manteria Mexia. Mas o
presidente da EDP sobreviveu. Até Vítor Gaspar terá transmitido pessoalmente a
boa vontade de Lisboa para o investimento alemão, desde que o preço fosse
competitivo. A conversa terá ocorrido quando se sabia que os chineses ofereciam
mais.
Não seria
sustentável escolher uma oferta muito inferior ao melhor preço, apesar do
relatório de avaliação da Parpública ter deixado o caminho aberto a qualquer
decisão, ao não fazer recomendação. Mais do que a diferença de preços, o acesso
ao financiamento chinês a custos baixos foi decisivo. Ainda assim, Gaspar
defendeu a proposta alemã na reunião do Conselho de Ministros que escolheu o
vencedor. O ministro das Finanças começou por passar a palavra aos consultores
que fizeram a sua apresentação, mas Passos Coelho rapidamente os terá mandado
sair, deixando Gaspar sozinho a explicar os seus argumentos.
Apesar de algum
desconforto no governo perante a ofensiva chinesa, que transpareceu numa
entrevista de Pedro Passos Coelho, preterir a oferta financeira mais alta teria
consequências negativas em outras privatizações, designadamente na REN.
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