Ana Sá Lopes –
Jornal i, opinião
O PS votou ontem
com alegria a favor da ilegalização do keynesianismo
Em duas semanas,
António Costa optou pelo suicídio político assistido, em vez do combate contra
a adversidade – de que muitos, dentro e fora do PS, o consideravam capaz. Mas a
falência de António Costa enquanto alternativa socialista (com todas as cenas patéticas
que a rodearam, os pretensos ultimatos e os apoiantes de peso que afinal quem
apoiavam mesmo era o secretário-geral, como foi o caso flagrante de Francisco
Assis) é um episódio menor de um fenómeno assustador que atravessa a Europa. A
social-democracia já não está apenas em crise: está moribunda, quase morta,
quase enterrada. Foi a vítima política da crise do euro.
O dia de ontem foi
um mimo deste paradoxo: enquanto os socialistas discutiam nos corredores da
Assembleia da República as amenidades da comissão nacional de amanhã ou a
entrevista que António Costa haveria de dar à noite, no plenário votavam
disciplinadamente o famoso “défice zero”. O “défice zero” foi o compromisso
histórico que os partidos socialistas e social-democratas da Europa assumiram
com a senhora Merkel e amigos para tentar “salvar o euro”. Esse compromisso,
como já foi amplamente escrito, ilegaliza na Europa o keynesianismo, por
proibir políticas públicas expansionistas. E se ilegaliza políticas públicas
expansionistas, obviamente ilegaliza o socialismo e a social-democracia. Não
deixa de ser interessante que os deputados de esquerda do PS tenham votado com
alegria a favor dessa ilegalização. Carlos Zorrinho, o líder parlamentar,
congratulou-se, sabe Deus porquê: “O PS diz sim à permanência de Portugal na
zona euro, à necessidade de rigor orçamental e à urgência do crescimento
económico. Em coerência, votaremos a favor desta lei que transporta para o
direito interno o tratado que aqui aprovamos.” No PS registaram-se apenas três
abstenções. A saber, recusaram ilegalizar o keynesianismo os deputados
socialistas Isabel Moreira, Pedro Delgado Alves e Rui Pedro Duarte.
É evidente que o
ministro Vítor Gaspar mostrou com gáudio o seu triunfo. A política do custe o
que custar tinha acabado de ser sufragada pelo PS, ainda que, em discursos, o
PS pareça agora mais distante do governo: “A sétima alteração à Lei de
Enquadramento Orçamental constitui uma verdadeira transformação nas finanças
públicas portuguesas.” Não deixa de ser sintomático dos loucos tempos que
atravessamos que um dos grandes opositores do défice zero tenha sido Cavaco Silva,
um homem de direita. Mas isto já está tudo baralhado.
Sem comentários:
Enviar um comentário