Rui Moreira –
Jornal de Notícias, opinião
Segundo a Reuters,
Angela Merkel disse aos deputados alemães que pretende que o Chipre fique na
Zona Euro, mas que a pequena ilha mediterrânica "tem de perceber que o seu
atual modelo económico está morto". Mas, a chanceler ou não percebeu ainda
ou não quer reconhecer que é o modelo económico europeu que, de facto, já
morreu.
É uma morte
anunciada, é certo, mas é uma morte estúpida e desnecessária. Desnecessária,
porque a dimensão da economia cipriota não justificaria medidas tão drásticas.
Estúpida, porque essas medidas drásticas, para além de injustificáveis, tiveram
um efeito imediato, e terrível, em toda a Zona Euro.
A deliberação dos
ministros das Finanças da Zona Euro surpreende até aqueles que, como eu, já não
confiam no seu bom senso. Destruíram, ou puseram seriamente em causa, o
princípio da confiança nos bancos, o que é um princípio universal, pelo menos
nas economias de mercado. Um princípio que, ainda para mais, serviu de
justificação para que o sistema bancário europeu tivesse sido recapitalizado,
nos últimos anos, à custa dos contribuintes. Quem não se lembra, por exemplo,
do que nos tem sido dito, para explicar o buraco negro do BPN que todos
pagámos? Atentaram, também, ao respeito pela propriedade privada, ao
determinarem um confisco dos depósitos bancários.
Além do mais,
demonstraram que a solidariedade europeia não existe, principalmente no caso
dos pequenos países, como é o caso de Chipre, cujo problema, pela sua dimensão
absoluta, não justificaria uma medida dessa natureza.
Estarão os alemães
e os seus cúmplices à espera de que os europeus guardem, agora, as suas
poupanças debaixo do colchão? Não compreenderão, sequer, as consequências que
isso poderá acarretar para o sacrossanto sistema bancário? Ou estarão
interessados em que os depósitos dos russos, ou dos angolanos, fujam de países
como Chipre, e por que não dizê-lo como Portugal ou Irlanda, e se concentrem
nos bancos alemães?
É legítimo colocar
esta questão, por oposição ao absurdo da decisão. Uma decisão suportada, ainda
para mais, num argumento ridículo, relacionado com a eventual origem de uma
parte significativa dos depósitos no Chipre que terão, como titulares,
interesses russos ligados ao branqueamento de capitais.
Pois, é verdade que
Chipre era, até há dias, um paraíso fiscal. É verdade que o modelo não era
sustentável. Mas, ainda assim, é bom recordar que esse paraíso fiscal foi
construído, em larga medida, para servir interesses alemães. Nos anos 90 do
século passado, a gestão das tripulações e a gestão técnica dos navios de
armadores alemães concentraram-se nessa ilha, exatamente para baixar os seus
custos através da fuga aos impostos e do recrutamento de tripulantes de países
do Terceiro Mundo, com salários de escravos. Em 2009, estavam registados no
Chipre 1016 navios, que equivaliam a 2,6% da frota mundial. Em 2011, havia já
1867 navios registados no porto de Limassol. Muitos deles eram, de facto,
controlados por empresas anónimas, controladas por armadores alemães e
financiadas por bancos desse país. Chipre é líder mundial na gestão de
tripulações, o que representa cerca de 7% do seu PIB.
Ou seja, não foram
apenas os barões das máfias russas quem beneficiou do regime cipriota. Seria
interessante perguntar à Senhora Merkel se, em vez de confiscar uma percentagem
dos depósitos de cipriotas e dos russos, não seria, porventura, mais razoável
sugerir ao Governo cipriota que aplicasse, às empresas de gestão de
tripulações, uma taxa social única equivalente à que é paga, por exemplo, pelos
armadores portugueses.
Infelizmente, a
Europa não pode fazer essa pergunta, pela simples razão de que não existe. O
desamor dos europeus relativamente aos seus políticos, o seu desapego pelo
princípio da solidariedade não prenunciam nada de bom. Tal como o dinheiro
debaixo do colchão que, ou muito me engano, ou não será em notas de euro.
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