Nuno Saraiva – Diário de Notícias, opinião
Há várias semanas,
vão-se avolumando as pressões sobre o Tribunal Constitucional por causa da
decisão sobre o Orçamento do Estado que está em execução. Há os que exigem o
chumbo no espaço público e os que apelam à responsabilidade dos juízes, porque "vivemos
tempos históricos" e os magistrados têm de ser responsabilizados pelo
"impacto" que a sua decisão possa vir a ter no País.
Uns e outros violam
da forma mais grosseira o princípio sagrado de um Estado de direito que é o da
separação de poderes.
Entendamo-nos, para
começo de conversa, sobre aquela que é a única responsabilidade de um Tribunal
Constitucional: garantir o cumprimento escrupuloso da Constituição em todas as
dimensões do Estado.
Dito isto, a forma
como esta semana, mais uma vez, o PSD e o primeiro-ministro entenderam comentar
a decisão, esperemos que iminente, dos juízes do Palácio Ratton, configura,
obviamente, uma forma de chantagem ilegítima e inaceitável sobre aquele
tribunal.
Dizer em jeito de
advertência que o TC está "vinculado" ao memorando, insinuar em tom
de admoestação que uma eventual decisão desfavorável ao Governo será causa de
instabilidade e ruína é, no mínimo, um atropelo às instituições, à democracia e
ao Estado de direito. O único vínculo do Tribunal Constitucional, repito, é à
Constituição da República Portuguesa. Ao Governo e à Assembleia da República,
que, convém não esquecer, aprova os Orçamentos do Estado, compete a obrigação
de governar e legislar de acordo com a lei. E aqui, sejamos claros, os partidos
do chamado arco da governação foram cúmplices em 2011 ao viabilizarem - fosse
pelo voto a favor ou pela "abstenção violenta" - um orçamento que
veio a constatar--se inconstitucional.
Podemos ainda
interrogar-nos sobre o que fazer quando Governo e Parlamento ignoram as suas obrigações
mais elementares. A resposta é simples: compete ao Presidente da República,
mesmo que politicamente moribundo, cumprir e fazer cumprir a Constituição. E é
isto que se espera de Cavaco Silva em caso de chumbo das normas que foram para
apreciação do TC.
Isto é, se o corte
do subsídio de férias a pensionistas e funcionários públicos, se a contribuição
extraordinária de solidariedade, se os novos escalões de IRS - só para dar
alguns exemplos - não passarem no crivo dos juízes do TC, o Presidente da República
não pode deixar de atuar.
Já sabemos que
Pedro Passos Coelho e Vítor Gaspar não têm plano alternativo a este Orçamento -
o que foi, desde logo e quando verbalizado, uma outra forma de pressão. E
portanto, deste facto só há uma de duas leituras a fazer: ou o Governo é
incompetente, o que não é de excluir, ou governa deliberadamente contra a lei e
contra a Constituição, o que é de uma gravidade extrema porque, com dolo, põe
em causa o regular funcionamento das instituições. Podemos discordar da Constituição,
mas não podemos fingir que ela não existe.
E quando assim é,
ao Chefe do Estado não pode restar outra alternativa que não seja a de ser
patrono da queda do Governo.
E porque os
cidadãos têm de poder confiar nas instituições que, em tese, os representam e
defendem, esperemos que o Tribunal Constitucional, caso se pronuncie pela
inconstitucionalidade das normas orçamentais, não encontre novamente forma de
suspender a democracia e a Constituição como em 2012. Se o fizer, agirá em
linha com a cobardia já demonstrada pelos titulares de alguns órgãos de
soberania que, em vez de assumirem as suas responsabilidades em tempo oportuno,
adiam o mais que podem as suas decisões. Se assim for, estarão também eles a
ser coniventes com quem põe em causa o regular funcionamento das instituições.
E, em nome da decência, só resta uma saída para quem pactuar com esta situação:
obviamente demitir-se!
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