José Manuel Pureza –
Diário de Notícias, opinião
Na mesma semana em
que o Parlamento Europeu rejeitou o projeto de orçamento plurianual da União
Europeia para o período 2014-2020, o ex-presidente do Eurogrupo Jean-Claude
Juncker exprimiu ao Der Spiegel a sua preocupação pelas semelhanças entre as
circunstâncias da Europa de há cem anos e o contexto europeu atual. Diz Juncker
que os velhos demónios que no passado trouxeram a guerra à Europa "não
desapareceram [...] estão apenas adormecidos".
Pois é. Juncker nem
sabe a razão que tem! Perante a vertigem da transformação da violência social
em guerra, a Europa unida de hoje é demasiadamente parecida com a Europa
segmentada de há um século. Ora, se isto é trágico, o que é mais trágico ainda
é que Juncker - e, com ele, toda a elite económica e política que tem governado
a Europa - pareça(m) ignorar que foi também pela sua mão que os demónios da
guerra acordaram do torpor. Num exercício de candura tocante, ele diz que a
razão de ser da "união económica e monetária sempre foi consolidar a
paz", algo que só fica por cumprir porque "demasiados europeus estão
a voltar a um espírito regional ou nacional". Alguém explique a Juncker
que o nacionalismo não é uma questão de mau feitio nem nasce do vazio. Alguém
lhe explique - e às elites de que ele é porta-voz - que, há cem anos como
agora, o nacionalismo foi o refúgio de massas imensas acossadas por políticas
de empobrecimento e humilhação. E que são essas políticas - de que Juncker,
Barroso, Merkel e o centrão europeu têm sido intérpretes primeiros - que nos
estão a atirar de novo para as mãos dos demónios da guerra.
Pôr em alternativa
nacionalismo e federalismo é um truque. Porque tanto alimenta os demónios da
guerra um nacionalismo de portas fechadas como um federalismo que, sob a capa
da "supervisão económica e orçamental", amarra os povos a uma
austeridade sem fim. Um e outro alimentam-se da mesma espiral de empobrecimento
e criam um monstro social pronto a explodir em violência bruta.
Jean-Claude Juncker
tem razão numa coisa: "Uma Europa unida é a única hipótese de o nosso
continente não ser excluído do radar do mundo." Esqueceu-se de acrescentar
que a Europa não se unirá do topo para a base, sem participação nem democracia.
Houve quem o tentasse pela força e foi derrotado. Há agora quem o tente pela
engenharia institucional. Será derrotado também. Não há despotismo iluminado
que valha aos arautos de um sonho de paz perpétua que morre às mãos das vidas
concretas que têm no castigo do dia a dia o seu único horizonte.
É por isso também
que um projeto de orçamento que prevê cortes de 8% nas políticas de coesão só
pode ser visto como parte do despertar dos demónios a que alude Juncker. É em
nome da paz contra os demónios da guerra - da paz que não é só silêncio das
armas mas também resposta à violência estrutural da austeridade, do desemprego,
da precariedade e da "inevitabilidade" de tudo isto - que este
orçamento da UE, que o pacto orçamental de que ele é instrumento e que a
"governação económica" que institui a austeridade como mandamento
máximo têm de ser combatidos.
"Em 1913,
muitas pessoas acreditavam que nunca mais haveria uma guerra na Europa. As
grandes potências do continente tinham fortes ligações económicas e a convicção
geral era a de que simplesmente não podiam permitir-se entrar em conflitos
militares." Um homem que pensa assim só podia ter imposto à sua
presidência do Eurogrupo um rumo antagónico daquele que impôs. Tal como a ele,
"arrepia-me ver como são semelhantes as circunstâncias da Europa em 2013 e
as de há 100 anos." É por isso que combato quer o nacionalismo serôdio
quer o federalismo aniquilador. É por isso que sou europeísta de esquerda.
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