Henrique Monteiro –
Expresso, opinião
Chico Buarque tem
uma canção intitulada 'Notícia de Jornal' que acaba com a seguinte frase: 'a
dor da gente não sai no jornal'. A letra, que aliás como muitas dele, é
genial, pretende dizer que os jornais descrevem fenómenos superficiais, mas não
as suas causas nem as consequências.
No caso da canção
era a dor de uma mulher que, após um problema com o seu João - 'Joana errou de
João' -, tenta suicidar-se. O relato sempre me impressionou, porque é
muito difícil descrever a dor mantendo o distanciamento relativamente frio que
se impõe numa notícia. Há muitos anos, no Irão, por razões semelhantes não
consegui descrever os cadáveres contorcidos de pessoas que morreram com gás
mostarda (ou de gás tabun) utilizado pelo Iraque (de um Saddam então apoiado
por nós, ocidentais).
Há coisas, de
facto, indescritíveis. Mas não me parece ser o caso da vida nos bairros
pobres que circundam as grandes cidades. E, no entanto, esses bairros só são
notícia quando, como neste fim de semana, os seus moradores saem à rua em
tumulto.
Não pretendo saber
quem tem razão na querela do bairro da Bela Vista - se a polícia, que diz ter
disparado balas de borracha para o ar, se os moradores que acusam a polícia de
responsabilidade na morte de um jovem de 18 anos. Apenas pretendo que
reflitamos um pouco sobre o assunto.
Uma comunidade que
não vê ninguém preocupar-se com ela (e falo do espaço mediático e não de
organizações diversas, ONGs e Igrejas que por certo lá existem) tem como
reação à lamentável morte de um dos seus uma noite de protestos em que
incendeia caixotes de lixo e o que puder e depois cerca a esquadra da PSP.
Digamos que é uma
forma de revolta para chamar a atenção que, na verdade, resulta. Ontem,
todos os canais (RTP, SIC e TVI) abriram os seus noticiários principais, às
oito da noite, com este caso. Todos os jornais de hoje têm o assunto na
primeira página.
Também não critico
o critério editorial, seria provavelmente a notícia mais destacada das últimas
horas. Mas lastimo que os moradores não encontrem outras formas de se
expressar - sem violência, sem destruição. Provavelmente, porque nunca a
maioria da Comunicação Social, sempre tão atenta à necessidade de integração
social, pensaria em pôr os pés naqueles bairros. Só quando é chamada desta
forma dramática, na qual a polícia é apresentada como os bandidos.
Se nada mais
acontecer durante uns dias, os bairros da Bela Vista e das Manteigadas, em
Setúbal, voltarão ao torpor do esquecimento, do qual já havia saído em 2009
quando os moradores atacaram agentes da PSP com cocktails molotov.
Entre as explosões,
nada se sabe. Porque, como cantou Chico Buarque, a dor da gente não sai
nos jornais - nem em lado nenhum. É vivida silenciosamente, naquele silêncio
profundo que antecede as grandes tempestades.
Quem sabe o que
eles pensam, o que eles querem, o que eles sofrem se apenas têm direito à
palavra quando se indignam e levam tudo à frente?
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