segunda-feira, 18 de março de 2013

QUANDO OS POBRES SÃO NOTÍCIA… É PORQUE AGRIDEM A POLÍCIA




Henrique Monteiro – Expresso, opinião

Chico Buarque tem uma canção intitulada 'Notícia de Jornal' que acaba com a seguinte frase: 'a dor da gente não sai no jornal'. A letra, que aliás como muitas dele, é genial, pretende dizer que os jornais descrevem fenómenos superficiais, mas não as suas causas nem as consequências.

No caso da canção era a dor de uma mulher que, após um problema com o seu João - 'Joana errou de João' -, tenta suicidar-se. O relato sempre me impressionou, porque é muito difícil descrever a dor mantendo o distanciamento relativamente frio que se impõe numa notícia. Há muitos anos, no Irão, por razões semelhantes não consegui descrever os cadáveres contorcidos de pessoas que morreram com gás mostarda (ou de gás tabun) utilizado pelo Iraque (de um Saddam então apoiado por nós, ocidentais).

Há coisas, de facto, indescritíveis. Mas não me parece ser o caso da vida nos bairros pobres que circundam as grandes cidades. E, no entanto, esses bairros só são notícia quando, como neste fim de semana, os seus moradores saem à rua em tumulto.

Não pretendo saber quem tem razão na querela do bairro da Bela Vista - se a polícia, que diz ter disparado balas de borracha para o ar, se os moradores que acusam a polícia de responsabilidade na morte de um jovem de 18 anos. Apenas pretendo que reflitamos um pouco sobre o assunto.

Uma comunidade que não vê ninguém preocupar-se com ela (e falo do espaço mediático e não de organizações diversas, ONGs e Igrejas que por certo lá existem) tem como reação à lamentável morte de um dos seus uma noite de protestos em que incendeia caixotes de lixo e o que puder e depois cerca a esquadra da PSP.

Digamos que é uma forma de revolta para chamar a atenção que, na verdade, resulta. Ontem, todos os canais (RTP, SIC e TVI) abriram os seus noticiários principais, às oito da noite, com este caso. Todos os jornais de hoje têm o assunto na primeira página.

Também não critico o critério editorial, seria provavelmente a notícia mais destacada das últimas horas. Mas lastimo que os moradores não encontrem outras formas de se expressar - sem violência, sem destruição. Provavelmente, porque nunca a maioria da Comunicação Social, sempre tão atenta à necessidade de integração social, pensaria em pôr os pés naqueles bairros. Só quando é chamada desta forma dramática, na qual a polícia é apresentada como os bandidos.

Se nada mais acontecer durante uns dias, os bairros da Bela Vista e das Manteigadas, em Setúbal, voltarão ao torpor do esquecimento, do qual já havia saído em 2009 quando os moradores atacaram agentes da PSP com cocktails molotov.

Entre as explosões, nada se sabe. Porque, como cantou Chico Buarque, a dor da gente não sai nos jornais - nem em lado nenhum. É vivida silenciosamente, naquele silêncio profundo que antecede as grandes tempestades.

Quem sabe o que eles pensam, o que eles querem, o que eles sofrem se apenas têm direito à palavra quando se indignam e levam tudo à frente?

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